2010 julho at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para julho, 2010

As personagens de ficção

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Ao longo de nossas vidas convivemos com seres reais e, em geral, damos pouca importância aos fictícios. A torturante rotina dos dias atuais concorre para que não se dê grande importância ao mundo imaginário. Fica, portanto, a ficção como uma espécie de muleta à qual recorremos para amenizar, pelo menos temporariamente, as questões cotidianas.  Tal atitude seguramente afeta o nível de prazer que a boa ficção pode proporcionar. Vá lá que a ficção funcione como refúgio, mas, nem de leve, será essa a sua principal função.

Pode ser que as pessoas não se deem conta, mas a ficção funciona como mundo paralelo à realidade. Comprova essa afirmação a influência exercida pelas personagens de ficção sobre quem com elas faz contato. Pensando bem, ao longo dos anos, travamos contato com inúmeras pessoas que vivem apenas nas páginas dos livros. Pode ser que também olvidemos o fato, mas muitas delas exerceram e exercem influência sobre o nosso modo de ser e pensar, muitas vezes de forma mais expressiva que pessoas de carne e osso a quem conhecemos. Talvez esse fato se explique porque nas páginas dos livros chegamos a conhecer a alma das personagens mais profundamente que a de muitas pessoas que nos cercam e que, em geral, não se revelam por inteiro. Quem duvida que pense em gente como Raskolnikof e Lord Jim. As penas de Dostoievski e Conrad deram-nos essas personagens por inteiro, de modo que se tornaram familiares a nós. O duplo que existe em Lord Jim é universal, mais real do que muitos seres reais de nosso convívio.

As pessoas mais jovens talvez não imaginem mas há não muito tempo a televisão não era nem de longe o que é hoje. Na verdade, há cerca de cinco ou seis décadas, a televisão brasileira engatinhava. Assistir a um canal de televisão em cidades distantes da capital era quase um milagre. Antenas colocadas em locais elevados, fios longos ligando antenas a aparelhos de televisão e outros recursos inimagináveis eram usados para recepção de imagens sem cor, por vezes borradas, muitas vezes irreconhecíveis.

Vai daí que para o lazer contribuíam não as novelas de hoje mas as tramas escritas em livros. Foi assim que, mal saído da infância, mergulhei no romantismo, lendo, por exemplo, a obra de José de Alencar. Jamais sairão da minha memória os malfeitos do vilão Loredano que apoquentava, através de mil ardis, a vida dos heróis Peri e Ceci.

Estou dizendo que mais de quarenta anos depois, Loredano continua vivo para mim, inesquecível. Eu o conheço bem, sei do ele que é capaz. Parece-me que ele está apenas preso nas páginas de “O Guarni” e que alguém deve cuidar para não deixá-lo sair de lá, tal o perigo que oferece. Loredano é, para mim, mais integral que muitas pessoas a quem conheço ou conheci e nisso consiste toda a força com que a literatura de ficção nos subjuga.

Os muitos anos de leitura nos tornam próximos de personagens de ficção, de mundos imaginários que não se desfazem. Vida afora trava-se contato com personagens de ficção: como acontece com os seres reais, a muitos deles deixamos no caminho, esquecendo-nos deles. Outros, por assim dizer, grudam em nossas memórias e os levamos conosco como parte integrante de nossa cultura e sentido de humanidade. O fato é que se torna impossível olvidá-los, condição que confere a eles mais realidade que a atribuída a muitos seres reais.

Não adianta discutir e nenhum argumento, por mais sensato que possa ser, me demoverá da absoluta certeza de que conheci – e muito bem – pessoas como o Cândido, de Voltaire, o Bráz Cubas, de Machado de Assis, o Macbeth, de Shakespare, o Joseph K, de Kafka, e muitos outros. Essas pessoas fizeram e fazem parte do meu mundo, dando à minha vida um sentido de grandeza que ultrapassa a condição da realidade em que vivo.

Personagens do mal

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A verdade é que os maus são mais interessantes que os bons. Bondades integrais são tediosas e correm o risco de passar por fictícias demais. Dostoievsky narrou, em algumas das suas cartas, as dificuldades para a criação de personagens bons dotados de verossimilhança. Lembra-nos ele que os verdadeiramente bons só são aceitáveis quando engraçados.

Quem acompanha as novelas televisivas de toda noite sabe que as tramas alongadas são sustentadas por grande dose de malfeitos. Em toda novela há pelo menos uma grande personagem do mal, capaz de inúmeras artimanhas e que se mostra imune aos castigos. Tais personagens são dissimuladas, enganadoras, e suas atividades consistem em tramar contra as pessoas de bem. É assim que desencontros se sucedem e o sofrimento agudo de pessoas injustiçadas comove a plateia televisiva. A duração do mal é um dos pilares das novelas, nos vilões que impedem que as coisas deem certo reside boa parte do fluxo das histórias.

Nas novelas o mal é levado ao paroxismo e a imunidade dos vilões mostra-se quase sobrenatural. Para que os excessos não pareçam por demais artificiais, por vezes os vilões são submetidos a situações estressantes nas quais suas ações correm o risco de serem descobertas. Muitos capítulos de novelas terminam com situações dessa natureza, deixando-se a solução para o capítulo seguinte. A partir daí passa a reinar uma espécie de acordo entre as partes: as pessoas que acompanham novelas sabem que a expectativa de revelação das ações dos vilões será fraudada ao custo de, se esclarecidas, imporem um fim mais rápido à trama.

Em quase todas as novelas existe uma moral da história que envolve a vitória do bem sobre o mal. Essa é a expectativa do público, sendo temerário contrariar aquilo que pode ser descrito como apelo popular. No fim o mal é exposto, as personagens do mal são punidas e o bem triunfa. Não por acaso a maioria das novelas é encerrada com cenas de casamento: pessoas separadas pela maldade alheia finalmente descobrem a verdade e se unem, seguindo um ritual de felicidade que se propõe eterna. O mal se eclipsa nos últimos momentos e tudo aquilo em que se crê está, finalmente, a salvo. A cerimônia do padre unindo casais sacraliza a prática do bem e infunde certeza de justiça nos espectadores.

Quem morreu fui eu…

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É o que disse a atriz Cissa Guimarães, referindo-se à morte de seu filho por atropelamento. As circunstâncias da tragédia, o envolvimento de pessoas, a investigação policial e a dor da família têm ocupado o noticiário, despertando toda sorte de reações. Existe uma inequívoca solidariedade em relação à atriz, benquista pelo público, pessoa cuja sempre transparente alegria não se coaduna com as imagens de transe pelo qual ela está passando.

Ao dizer que quem morreu foi ela porque o filho continua vivo, de certo modo a atriz busca romper com a realidade, fato não incomum em relação a pessoas que se defrontam com situações tristemente irreversíveis. A perda sem volta, o desligamento forçado e a tristeza sem remédio desgovernam até mesmo os mais fortes os quais sucumbem, ainda que temporariamente, ao desengano. Felizes daqueles que podem socorrer-se na fé quando submetidos a duras provações, dizia-me, anos atrás, um amigo que perdera um filho ainda jovem. Agnóstico, avesso a qualquer crença, o meu amigo demorou a aprumar-se porque não teve a seu lado nada que o emulasse a continuar seu caminho. A perda o fez tristonho, encabulado com o sentido da vida, ele que sempre fora otimista e do tipo alegrão.

Foi desse amigo que ouvi algo sobre os lugares-comuns, as tais frases que sempre usamos em ocasiões como a morte de um ente querido de alguém. A verdade é que ao nos aproximarmos das pessoas que sofrem tendemos a consolá-las, talvez por identificar nelas parte de nós mesmos, de perdas que tivemos. De minha parte sempre achei que nessas ocasiões o melhor é o silêncio marcado pela simples presença física que atesta o apoio incondicional à pessoa que sofre. Disse-me o meu amigo que não, que na verdade inexistem ocasiões nas quais os lugares-comuns tão bem se apliquem. É como se a pessoa que sofre outra coisa não esperasse que não justamente aquelas palavras. Como exemplo citou a conhecida frase na qual se diz que os filhos devem enterrar os pais, que a morte de um filho representa inversão na ordem natural das coisas. Segundo ele, tal obviedade, ainda que repetida a exaustão e em nada console é benvinda. Juro que não cheguei a entender em profundidade o valor de uma coisa assim, talvez tenha algum sentido de revanche ao reconhecer uma injustiça feita a quem sofre, mas questionar a dor dos outros e decidir a natureza de bálsamos para a alma alheia é, no mínimo, temerário.

Espero que muito em breve os infaustos acontecimentos que cercam a família de Cissa Guimarães saiam do noticiário. Sendo a atriz uma celebridade é inevitável que exista em torno dos fatos a aura de sensacionalismo, quando não de exploração comercial de algo triste e que precisa ser superado.

Goethe: recomendações aos jovens poetas

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Johann Peter Eckermann (1792-1835) privou do convívio do poeta alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832). Em 1823, após uma vida repleta de aventuras que incluiu o alistamento voluntário nas tropas alemãs que combatiam os franceses e o estudo das obras de grandes poetas, apresentou-se a Goethe com quem esteve até a morte do poeta.

Após a morte de Goethe, Eckermann escreveu e publicou o livro “Conversações com Goethe” no qual narrou seu convívio com o poeta no período entre 1823 e 1832.  Na quinta-feira, 18 de setembro de 1823, poucos dias após a sua chegada a Weimar, onde o poeta vivia, Eckermann teve a oportunidade de ouvi-lo tratar de assunto que considerou extremamente importante e inestimável para toda a vida. Na opinião de Eckermann os jovens poetas da Alemanha deveriam tomar conhecimento das palavras de Goethe dado que seriam a eles muito úteis. Decorridos quase duzentos anos desde então as palavras de Goethe continuam a ser precioso ensinamento a todos aqueles que enveredam pelos caminhos da poesia. De resto, as “Conversações com Goethe” é obra de inestimável valor para a Literatura Universal de vez que refletem as opiniões e ensinamentos de um gênio a respeito do ofício de escritor.

Na fala de 23 de setembro Goethe recomenda a Eckermann que “acautele-se contra as produções demasiado extensas”. Diz que também ele, Goethe, passou por produções desse tipo acrescentou: “tivesse eu feito tudo o que de bom poderia ter produzido, nem em cem volumes caberia”.

Para Goethe a multidão de ideias que acossam diariamente o poeta, deve e tem que ser expressa. Entretanto, deve-se evitar a obra vasta porque existe o perigo de se errar no conjunto. Em seguida Goethe aconselha a Eckermann “escrever preliminarmente apenas sobre pequenos temas e, sempre com espontaneidade, sobre o que se lhe oferecer na vida cotidiana”. Mais: “colabore a princípio nos almanaques e publicações periódicas, evitando, porém, submeter-se a exigências de estranhos, e siga sempre as suas próprias ideias”.

Goethe afirma que todas as suas produções são de ocasião, estimuladas pela realidade e que cabe “ao autor emprestar a um assunto banal uma face interessante”. A certa altura Eckermann diz a Goethe que tivera em mente escrever um grande poema sobre as estações do ano. Goethe adverte-o sobre a possibilidade de ter sucesso em alguns trechos e não em outros, afetando o conjunto. Em seguida aconselha-o a fazer uso de assuntos já explorados.

Essas breves considerações extraídas das palavras de Goethe visam dar o tom das “Conversações” e convidar os leitores à exploração do livro. Goethe foi poeta e pensador, importante figura da literatura alemã e do romantismo europeu. Escreveu poesias, romances, peças de teatro e fez incursões na área das ciências naturais. Entre suas obras estão o grande poema “Fausto” e “Os sofrimentos do jovem Werther”, marco inicial do romantismo e uma das obras primas da literatura mundial.

Eckermann foi secretário de Goethe e o auxiliou na revisão e publicação de seus textos. As “Conversações” constituem-se em obra instigante porque retratam, como já se afirmou, a genialidade de Goethe. São as palavras de um grande oráculo aquelas que Eckermann ouviu e anotou cuidadosamente, entregando-as à posteridade. O crítico e poeta Augusto Meyer chama a atenção para o fato das ”Conversações” conterem uma “Literatura Universal” dado que Goethe deixou suas lições como mensagem cultural para todos os povos.

“Conversações com Goethe” está disponível nas livrarias, em português, edição da Itatiaia, de 2004.

Notícia de Felippe d’Oliveira

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Felippe Daut d’Oliveira nasceu em Santa Maria, Rio Grande do Sul, em 23 de agosto de 1890. São de Affonso Arinos de Mello Franco, que privou de seu convívio, as seguintes observações:

“Misto de atleta, de turista, de homem de sociedade, de homem de negócios, quem era Felippe d’Oliveira? Másculo e belo, com um gosto um pouco exagerado, os seus anéis de pedra verde, a sua “barata” esportiva, os seus dentes claros sob o riso alegre, as suas viagens súbitas, despertavam a atenção dos idiotas e das mulheres. Ele ria, atirava o carro nas curvas, entre guinchos de freios e nuvens de pó, jogava florete, comprava passagens, assinava faturas. Nós, os mais próximos, sabíamos que ele, também, compunha poemas. E esta era, talvez, a sua principal atividade, a que lhe despertava mais carinho, mais cuidado, a que o reconciliava com a vida inútil da nossa região”.

Essencialmente um poeta, assim é definido Felippe d’Oliveira pelos que o conheceram, enfatizando-se sempre as suas múltiplas atividades que mais o faziam parecer homem do mundo. Colaborador de jornais e revistas, sua poesia reflete a polaridade de dois momentos da literatura brasileira, quais sejam o simbolismo e o modernismo. É do poeta Augusto Frederico Schmidt a observação de que a par da vida turbulenta e alegre de Felippe d’Oliveira existia nele algo que não se via e que não seria tão festivo. Schmidt reconhece na poesia de d’Oliveira mais melancolia que alegria e lembra que o célebre poema Epitáfio que não foi gravado é “obra de uma alma que contemplou de frente as paisagens vazias do irremediável, de uma alma que sentiu a desolação e a tragédia”. Daí que o Felippe que todos viam, o homem de sociedade e do esporte, preocupado em viver bem, era uma reação contra o poeta Felippe d’Oliveira, assim interpreta Schmidt.

O poeta Manuel Bandeira incluiu Felippe d’Oliveira na sua Antologia da Poesia Brasileira Moderna (1922-1947), livro publicado em 1953. Mas, bem antes, em 1933, Bandeira situou a produção de Felippe d’Oliveira, seus dois livros de poemas – Vida Extinta e Lanterna Verde, publicados com um intervalo de 20 anos – como imagens de duas épocas. Bandeira destaca que Vida Extinta é poesia do simbolismo, mas de um simbolismo que só se desenvolveu no Brasil devido a não tão pronunciada influência dos simbolistas franceses. Prossegue Bandeira afirmando que Lanterna Verde é obra de outro poeta, despojado de sentimentalidade, fazendo uso da técnica modernista.

O poema Epitáfio que não foi gravado faz parte de Lanterna Verde:

O Epitáfio que não foi Gravado

 

Todos sentiram quando a morte entrou
com um frêmito apressado de retardatária.

A que tinha de morrer, — a que a esperava, —

fechou os olhos

fatigados de assistirem ao mal-entendido da vida.

 

Os que a choravam sabiam-na sem pecado,

consoladora dos aflitos,

boca de perdão e de indulgência,

corpo sem desejo,

voz sem amargor.

 

A que tinha de morrer fechou os olhos fatigados,

mas tranquilos…

Porque os que a choravam nunca saberiam

o rancor sem perdão de sua boca,

o desejo saciado de seu corpo,

o amargor de sua voz,

a sua angustia de arrastar até o fim a alma postiça que lhe

                                                                  [fizeram,

o seu cansaço imenso de abafar, secretos, na carne ansiosa,

a perfeição e o orgulho de pecar.

 

A que tinha de morrer fechou os olhos para sempre

e os que a choravam

nunca souberam de alguém que foi de todos junto ao leito

                            [à hora do exausto coração parar

o mais distante,

o mais imóvel,

o que não soluçou

o que não pôde erguer as pálpebras pesadas,

o que sentiu clamar no sangue o desespero de sobreviver,

o que estrangulou na garganta o grito dilacerado do solitário,

o que depós, sobre a serenidade da morte purificadora,

a redenção do silêncio,

como uma pedra votiva de sepulcro.

 

Lanterna Verde — Edição de Pimenta de Melo e Cia. - 1926 - Rio de

Janeiro — págs. 66-69.

 

A participação de Felippe d’Oliveira na Revolução Constitucionalista de 1932 de São Paulo, valeu a ele o exílio na França. Foi na França que esse homem descrito com belo e atlético, amigo da natação e do remo, encontrou a morte num acidente automobilístico. O ano era o de 1933 e Felippe contava com 43 anos de idade. Sua morte provocou intensa comoção. Em sua homenagem, ainda em 1933, foi publicado pela Sociedade Felippe d’Oliveira o livro In Memorian de Felippe d’Oliveira, com artigos escritos por praticamente toda a inteligência brasileira de então. Nomes como o de Agripino Grieco, Affonso Arinos, Manuel Bandeira, Augusto Frederico Scmidt, Assis Chateubriant, Antônio de Alcântara Machado, Gilberto Amado, Gilberto Freyre e muitos outros deixaram nas páginas de In Memorian de Felippe d’Oliveira testemunhos e comentários sobre o poeta morto. Também a ele prestaram homenagens várias organizações esportivas, entre elas a Confederação Brasileira de Desportos, a Federação Carioca de Esgrima e o Clube de Regatas Vasco da Gama.

A obra completa de Felippe d’Oliveira foi republicada pela Universidade Federal de Santa Maria, em 1988, sob organização de Lígia Militz da Costa.

Que venha o polvo Paul

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Esse tal de Paul é um polvo danado de bom para fazer previsões. A média de acertos dele em relação aos jogos da última Copa do Mundo foi de “apenas” 100%. As previsões são obtidas colocando-se alimentos dentro de recipientes com as bandeiras dos competidores. Aquela que o polvo abraçar para comer representa a sua previsão.

Pelo que se tem notícia o polvo-profeta só tem feio previsões sobre resultados de jogos de futebol. Mas, seria interessante colocar no aquário em que Paul vive três recipientes, cada um contendo o nome os três principais candidatos à presidência da República, no Brasil. Quem Paul escolheria?

Obviamente uma previsão feita por tão conceituado oráculo teria algumas consequências. Não se pode esquecer, por exemplo, que boa parte dos brasileiros é dada ao esoterismo e costuma buscar em astros e feiticeiras de plantão previsões sobre o futuro. Vai daí que não seria nada estranho que eleitores votassem num determinado candidato, seguindo a orientação dos búzios… perdão, do polvo.

Outro fator a se considerar diz respeito à lisura dos procedimentos necessários à previsão de Paul. Do jeito que as coisas andam, o melhor é que a operação seja feita no exterior, sob o mando de estrangeiros desinteressados. Ocorre que, de repente e pensando no futuro, alguém poderia colocar nos recipientes conteúdos alimentares levemente diferentes, mas suficientes para influenciar a previsão do profeta.

Alguns dirão que há exagero nessa história de influenciar a escolha doe Paul. Também acho, mas num país em que dados da Receita Federal são divulgados com o intuito de influenciar resultados de eleições tudo pode acontecer. Não acha?

No mais, o polvo Paul será bem-vindo ao Brasil caso queira nos visitar e fazer previsões sobre o futuro da pátria que tanto amamos. Mas, que faça a sua visita após prever quem será o próximo presidente e as eleições já tenham sido realizadas: existe o perigo de que o transformem em cabo eleitoral.

Mas que isso seria interessante, isso seria. Imagine um comício em andamento: de repente entra um polvo, carregado dentro de um aquário, para garantir aos eleitores a vitória do candidato ali presente.

Você acha isso um absurdo? Caso ache o melhor é rever os seus conceitos, afinal o país em que você vive chama-se Brasil, terra onde é possível ver-se um pouco de tudo.

Saravá polvo Paul.

Sem piloto

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Meninos, eu vi. A minha geração, que já viu muita coisa, tem todo o direito de dizer-se embasbacada com os tais aviões sem piloto, produzidos em Israel. Trata-se de aviões com sensores, capazes de voar até 15 horas, guiados por controle remoto. Para que servem? Até agora para gravar o que acontece embaixo e filmar no escuro com o uso de um sensor térmico capaz de distinguir entre seres vivos e objetos inanimados.

Para que se tenha idéia da utilidade, os EUA já possuem 6 mil aviões teleguiados que voam nos céus de países como o Iraque e o Afeganistão. Mais: a indústria aeronáutica de alguns países já se prepara para produzir as máquinas voadoras teleguiadas.

Nem é preciso dizer que logo as grandes aves de metal teleguiadas disporão de armamentos o que tornará as missões aéreas em territórios inimigos aquilo que por aqui se considera ”uma baba”.  Ei, você, escute: estamos chegando às mortes por agentes impessoais, mortes programadas, processadas e realizadas por máquinas, sem culpa.

Não haverá mais Guernica, a cidade espanhola completamente arrasada, em 1937, em apenas três horas, por bombadeiros Condor, pilotados por alemães. Nem haverá Hiroshima, cidade japonesa onde um piloto norte-americano lançou uma bomba atômica, em 1945. Existirão, sim, regiões bombardeadas por máquinas.

Olho para uma reprodução do quadro Guernica, de Picasso, no qual o pintor concentrou todo o horror da destruição. Penso em qual seria a reação de Picasso, caso a morte de 1645 pessoas em Guernica tivesse sido provocada por máquinas teleguiadas. Dirão, talvez, que no fundo trata-se da mesma coisa, afinal mortes são mortes, não importa quem ou o quê as provoquem. Não sei. A frieza das máquinas, o uso de recursos tecnológicos para exterminar seres humanos a partir de assassinos impessoais porque distantes e talvez desconhecidos, incorpora à realidade de nossos dias a virtualidade dos videogames. Para mim o nome disso é horror, o que me leva ao impossível passo seguinte, o da rebelião das máquinas de voar teleguiadas que, unidas, passam a exterminar o homem em toda a Terra. Impossível?

Recado do passado

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Em certas ocasiões o passado decide enviar recados. A coisa se dá como se ele quisesse avisar-nos de que o presente – e o futuro! – se confundirão numa só massa de tempo decorrido, em memória.

O passado é uma casa de suspiros interrompidos e emoções terminadas. Continua existindo na imobilidade que lhe foi imposta, quase sempre pela morte, mas seus sinais persistem por aí, desafiando os arroubos de vida os quais um dia também incorporará. Machado de Assis captou com precisão o contraste da morte com a vida, a sinalização do passado em vista do presente, no cemitério, por ocasião do enterro do livreiro Garnier:

“Quando outro dia fui enterrar o nosso velho livreiro, vi no de São João Batista, já acabada a cerimônia e o trabalho, um bando de crianças que iam divertir-se. Iam alegres como quem não pisa memórias, nem saudades. As figuras sepulcrais eram, para elas, lindas bonecas de pedra; todos esses mármores faziam um mundo único, sem embrago das suas flores mofinas, ou por elas mesmas, tal a visão dos primeiros anos”.

O texto faz parte de uma crônica do escritor, publicada em “A Semana”. As lindas bonecas de pedra encerram histórias terminadas e nada mais são que sinais de advertência sobre a passagem do tempo, o perecível e a própria morte, todos eles temas de predileção de Machado de Assis.

Pois. Há poucos dias o passado decidiu enviar um recado muito interessante: um mergulhador encontrou 30 caixas de champanhe antigo, no fundo do mar. Estavam nas profundezas geladas do mar Aaland, próximo à Finlândia. São garrafas produzidas pela Clicquot, provavelmente entre 1782 e 1788. Segundo especialistas é possível que se trate de uma remessa de champanhe enviada pelo rei Luís XVI, de França, para a imperatriz russa, Catarina, a Grande, por volta de 1780.

Como se vê as garrafas não reapareceram sozinhas. Trouxeram consigo parte da história da França no período que antecedeu a Revolução Francesa. De um momento para outro, fizeram reviver no mundo os ipods a figura daquele Luis XVI, preso em Varennes e depois guilhotinado, assim como a de sua esposa, Maria Antonieta, também guilhotinada seis meses depois.

Mas e muito mais que isso, as garrafas guardaram nas solidões geladas dos mares profundos, o sabor de uma época, fazendo ressuscitar o paladar das cortes desaparecidas.

As garrafas da Clicquot são uma desforra do passado, o grito longo e profundo daquilo que um dia foi e ao qual seremos, inevitavelmente, incorporados com nossos gostos, prazeres, sofrimentos, enfim, as nossas historias convertidas em bonecos de pedra.

Tempos de teleprompter

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Se bem me lembro, assisti a um comício do então candidato ao governo do Estado, Adhemar de Barros, na cidade de Pindamonhangaba, interior de São Paulo. Adhemar era uma figuraça. Acompanhava-o o estigma de político hábil, diretamente ligado ao eleitorado que o seguia cegamente. Não era só política: era paixão. Do outro lado sempre estava o ex-presidente Jânio Quadros, homem portador de incríveis habilidades oratórias que explorava a exaustão com o emprego de construções sintáticas pouco comuns. Enfim a idéia de político que eu trouxe da minha juventude foi a de espontaneidade, de certo virtuosismo nos repentes, dir-se-ia um picadeiro onde os atores de movimentavam com grande desenvoltura.

Está circulando hoje na internet um vídeo sobre a utilização do teleprompter. Trata-se de uma estrutura quase transparente que serve à leitura de textos, muito usada nos meios de comunicação. O vídeo mostra várias cenas nas quais os atuais candidatos à presidência da República fazem uso de teleprompters. Mostra-os fazendo pronunciamentos enfáticos, mas lidos e ensaiados.

Nada contra o uso da tecnologia. Por que não? Mas não posso deixar de sentir, em relação a isso, alguma nostalgia. No Brasil o dom da oratória, o gosto pela palavra difícil que, segundo Gilberto Freyre, herdamos dos portugueses, fez das campanhas eleitorais quase uma diversão à parte, independentemente do conteúdo político dos pronunciamentos. Os mais novos não terão ouvido falar em João Neves da Fontoura, isso para ficar num só exemplo. Nos sebos encontram-se livros contendo os discursos parlamentares desse grande orador.

Mas voltemos aos tempos atuais. Os candidatos estão fazendo uso de teleprompters. É o futuro. A ver se quando eleitos demonstrarão as qualidades que deles se esperam em momentos de decisões pessoais em nome do Estado, sem a ajuda de teleprompters.

As regras do jogo

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Em O Futuro da Democracia* Norberto Bobbio ensina que o que distingue um sistema democrático de sistemas não democráticos é um conjunto de regras do jogo. Vele a pena ouvi-lo:

- Mais precisamente, o que distingue um sistema democrático não é apenas o fato de possuir as suas regras do jogo (todos os sistemas as têm, mais ou menos claras, mais ou menos complexas), mas, sobretudo, o fato de que essas regras, amadurecidas ao longo de séculos de provas e contraprovas, são muito mais elaboradas que as regras de outros sistemas e encontram-se hoje, quase por toda parte, constitucionalizadas.

Mais à frente diz Bobbio:

- Quero apenas dizer que num determinado contexto histórico, no qual a luta política é conduzida segundo certas regras e o respeito a essas regras constitui o fundamento da legitimidade de todo o sistema, quem se põe o problema do novo modo de fazer política não pode deixar de exprimir a própria opinião sobre estas regras, dizer se as aceita ou não as aceita, como pretende substituí-las se não as aceita, etc.

As duas citações anteriores pertencem a um ensaio dirigido à questão dos novos modos de fazer política. As colocações de Bobbio mostram-se extremamente pertinentes no momento em que se abrem as campanhas eleitorais dos candidatos à presidência da República. É do conhecimento geral que as campanhas já em andamento não têm se pautado pela obediência às regras do jogo, fato que tem determinado multas pelo descumprimento da lei eleitoral. Tais multas, aplicadas pelo Tribunal Regional Eleitoral, atingiram inclusive o presidente da República a quem cabe, em primeiro lugar, zelar pelas chamadas “regras do jogo”. Com afirma Bobbio, as regras constituem-se no fundamento da legitimidade do sistema do que se conclui que do respeito a elas depende a estabilidade democrática.

Nunca é demais lembrar que sistemas democráticos que se têm por permanentes podem ser desestabilizados. A própria história do país é permeada por longos períodos de exceção nos quais as liberdades individuais, de imprensa e outras foram duramente afetadas. Ter como certo que a democracia é suficientemente forte para resistir a toda sorte de abalos pode ser perigoso. Também o é apoiar-se no discurso corrente de que no país já não se encontra ambiente para outro tipo de sistema de governo que não a democracia.

É por ter assistido aos embates do passado e convivido com as exceções que muitos brasileiros se sentem, muito justamente, temerosos diante de atitudes arrogantes que podem colocar em risco liberdades duramente conquistadas.

*  Norberto Bobbio. O Futuro da Democracia, Uma Defesa das Regras do Jogo. Ed. Paz e Terra, 1986