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Notícia de Felippe d’Oliveira

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Felippe Daut d’Oliveira nasceu em Santa Maria, Rio Grande do Sul, em 23 de agosto de 1890. São de Affonso Arinos de Mello Franco, que privou de seu convívio, as seguintes observações:

“Misto de atleta, de turista, de homem de sociedade, de homem de negócios, quem era Felippe d’Oliveira? Másculo e belo, com um gosto um pouco exagerado, os seus anéis de pedra verde, a sua “barata” esportiva, os seus dentes claros sob o riso alegre, as suas viagens súbitas, despertavam a atenção dos idiotas e das mulheres. Ele ria, atirava o carro nas curvas, entre guinchos de freios e nuvens de pó, jogava florete, comprava passagens, assinava faturas. Nós, os mais próximos, sabíamos que ele, também, compunha poemas. E esta era, talvez, a sua principal atividade, a que lhe despertava mais carinho, mais cuidado, a que o reconciliava com a vida inútil da nossa região”.

Essencialmente um poeta, assim é definido Felippe d’Oliveira pelos que o conheceram, enfatizando-se sempre as suas múltiplas atividades que mais o faziam parecer homem do mundo. Colaborador de jornais e revistas, sua poesia reflete a polaridade de dois momentos da literatura brasileira, quais sejam o simbolismo e o modernismo. É do poeta Augusto Frederico Schmidt a observação de que a par da vida turbulenta e alegre de Felippe d’Oliveira existia nele algo que não se via e que não seria tão festivo. Schmidt reconhece na poesia de d’Oliveira mais melancolia que alegria e lembra que o célebre poema Epitáfio que não foi gravado é “obra de uma alma que contemplou de frente as paisagens vazias do irremediável, de uma alma que sentiu a desolação e a tragédia”. Daí que o Felippe que todos viam, o homem de sociedade e do esporte, preocupado em viver bem, era uma reação contra o poeta Felippe d’Oliveira, assim interpreta Schmidt.

O poeta Manuel Bandeira incluiu Felippe d’Oliveira na sua Antologia da Poesia Brasileira Moderna (1922-1947), livro publicado em 1953. Mas, bem antes, em 1933, Bandeira situou a produção de Felippe d’Oliveira, seus dois livros de poemas – Vida Extinta e Lanterna Verde, publicados com um intervalo de 20 anos – como imagens de duas épocas. Bandeira destaca que Vida Extinta é poesia do simbolismo, mas de um simbolismo que só se desenvolveu no Brasil devido a não tão pronunciada influência dos simbolistas franceses. Prossegue Bandeira afirmando que Lanterna Verde é obra de outro poeta, despojado de sentimentalidade, fazendo uso da técnica modernista.

O poema Epitáfio que não foi gravado faz parte de Lanterna Verde:

O Epitáfio que não foi Gravado

 

Todos sentiram quando a morte entrou
com um frêmito apressado de retardatária.

A que tinha de morrer, — a que a esperava, —

fechou os olhos

fatigados de assistirem ao mal-entendido da vida.

 

Os que a choravam sabiam-na sem pecado,

consoladora dos aflitos,

boca de perdão e de indulgência,

corpo sem desejo,

voz sem amargor.

 

A que tinha de morrer fechou os olhos fatigados,

mas tranquilos…

Porque os que a choravam nunca saberiam

o rancor sem perdão de sua boca,

o desejo saciado de seu corpo,

o amargor de sua voz,

a sua angustia de arrastar até o fim a alma postiça que lhe

                                                                  [fizeram,

o seu cansaço imenso de abafar, secretos, na carne ansiosa,

a perfeição e o orgulho de pecar.

 

A que tinha de morrer fechou os olhos para sempre

e os que a choravam

nunca souberam de alguém que foi de todos junto ao leito

                            [à hora do exausto coração parar

o mais distante,

o mais imóvel,

o que não soluçou

o que não pôde erguer as pálpebras pesadas,

o que sentiu clamar no sangue o desespero de sobreviver,

o que estrangulou na garganta o grito dilacerado do solitário,

o que depós, sobre a serenidade da morte purificadora,

a redenção do silêncio,

como uma pedra votiva de sepulcro.

 

Lanterna Verde — Edição de Pimenta de Melo e Cia. - 1926 - Rio de

Janeiro — págs. 66-69.

 

A participação de Felippe d’Oliveira na Revolução Constitucionalista de 1932 de São Paulo, valeu a ele o exílio na França. Foi na França que esse homem descrito com belo e atlético, amigo da natação e do remo, encontrou a morte num acidente automobilístico. O ano era o de 1933 e Felippe contava com 43 anos de idade. Sua morte provocou intensa comoção. Em sua homenagem, ainda em 1933, foi publicado pela Sociedade Felippe d’Oliveira o livro In Memorian de Felippe d’Oliveira, com artigos escritos por praticamente toda a inteligência brasileira de então. Nomes como o de Agripino Grieco, Affonso Arinos, Manuel Bandeira, Augusto Frederico Scmidt, Assis Chateubriant, Antônio de Alcântara Machado, Gilberto Amado, Gilberto Freyre e muitos outros deixaram nas páginas de In Memorian de Felippe d’Oliveira testemunhos e comentários sobre o poeta morto. Também a ele prestaram homenagens várias organizações esportivas, entre elas a Confederação Brasileira de Desportos, a Federação Carioca de Esgrima e o Clube de Regatas Vasco da Gama.

A obra completa de Felippe d’Oliveira foi republicada pela Universidade Federal de Santa Maria, em 1988, sob organização de Lígia Militz da Costa.