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Quem morreu fui eu…

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É o que disse a atriz Cissa Guimarães, referindo-se à morte de seu filho por atropelamento. As circunstâncias da tragédia, o envolvimento de pessoas, a investigação policial e a dor da família têm ocupado o noticiário, despertando toda sorte de reações. Existe uma inequívoca solidariedade em relação à atriz, benquista pelo público, pessoa cuja sempre transparente alegria não se coaduna com as imagens de transe pelo qual ela está passando.

Ao dizer que quem morreu foi ela porque o filho continua vivo, de certo modo a atriz busca romper com a realidade, fato não incomum em relação a pessoas que se defrontam com situações tristemente irreversíveis. A perda sem volta, o desligamento forçado e a tristeza sem remédio desgovernam até mesmo os mais fortes os quais sucumbem, ainda que temporariamente, ao desengano. Felizes daqueles que podem socorrer-se na fé quando submetidos a duras provações, dizia-me, anos atrás, um amigo que perdera um filho ainda jovem. Agnóstico, avesso a qualquer crença, o meu amigo demorou a aprumar-se porque não teve a seu lado nada que o emulasse a continuar seu caminho. A perda o fez tristonho, encabulado com o sentido da vida, ele que sempre fora otimista e do tipo alegrão.

Foi desse amigo que ouvi algo sobre os lugares-comuns, as tais frases que sempre usamos em ocasiões como a morte de um ente querido de alguém. A verdade é que ao nos aproximarmos das pessoas que sofrem tendemos a consolá-las, talvez por identificar nelas parte de nós mesmos, de perdas que tivemos. De minha parte sempre achei que nessas ocasiões o melhor é o silêncio marcado pela simples presença física que atesta o apoio incondicional à pessoa que sofre. Disse-me o meu amigo que não, que na verdade inexistem ocasiões nas quais os lugares-comuns tão bem se apliquem. É como se a pessoa que sofre outra coisa não esperasse que não justamente aquelas palavras. Como exemplo citou a conhecida frase na qual se diz que os filhos devem enterrar os pais, que a morte de um filho representa inversão na ordem natural das coisas. Segundo ele, tal obviedade, ainda que repetida a exaustão e em nada console é benvinda. Juro que não cheguei a entender em profundidade o valor de uma coisa assim, talvez tenha algum sentido de revanche ao reconhecer uma injustiça feita a quem sofre, mas questionar a dor dos outros e decidir a natureza de bálsamos para a alma alheia é, no mínimo, temerário.

Espero que muito em breve os infaustos acontecimentos que cercam a família de Cissa Guimarães saiam do noticiário. Sendo a atriz uma celebridade é inevitável que exista em torno dos fatos a aura de sensacionalismo, quando não de exploração comercial de algo triste e que precisa ser superado.