2012 fevereiro at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para fevereiro, 2012

J. Edgard

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Se há uma coisa que sempre fica em filmes que envolvem a participação do FBI é que essa instituição está sempre do lado certo, do lado da lei. De certo modo isso prevalece neste J. Edgard, dirigido pelo cineasta Clint Eastwood.

No filme Leonardo DiCaprio interpreta o poderoso chefe do FBI J. Edgard Hoover que esteve à frente da instituição durante o governo de oito presidentes norte-americanos. Hoover é o FBI o qual criou à imagem de suas neuroses de organização que acabaram por se tornar muito úteis e ainda hoje são utilizadas pelas polícias em todo o mundo. De fato, foi Hoover quem implantou a identificação de pessoas pelas impressões digitais e tornou comum o cuidado com os detalhes nos processos de investigação. Além disso, Hoover sempre esteve atento aos caminhos do poder do qual fez parte, muitas vezes contrapondo e influindo na vida política norte-americana.

O J. Edgard do filme apresenta-se em duas épocas de sua vida: em ação enquanto mais jovem e, mais tarde, já na década de 1960, quando se dedica a contar a sua história a datilógrafos que a escrevem. Para essas aparições em épocas distantes DiCaprio é transformado través de processo de maquiagem que o envelhece. Pode-se dizer que o envelhecimento de DiCaprio deu certo o mesmo não acontecendo com o de sua secretária – Helen Gandy  interpretada por Naomi Watts – e do inseparável companheiro de Hoover – Clyde Tolson  vivido por Armie Hammer.

J. Edgard não é um filme de ação. Ao contrário, a intenção do diretor Eastwood mais parece ser a de aproximar-se o máximo possível da psicologia e modo de ser do homem que à frente do FBI influenciou por décadas a vida norte-americana. É assim que, ao par com as atividades de Hoover à frente do FBI, surge o rapaz sempre impulsionado pela mãe que desde pequeno o estimula a tornar-se um homem importante; e o adulto que não se casa e mantém uma relação jamais explícita, mas que sugere homossexualidade, com o seu braço direito no FBI Clyde Tolson. É esse homem complexo, torturado pela possibilidade do crescimento do comunismo nos EUA e eterno adversário do crime que Eastwood nos apresenta. utilizando uma fotografia nem sempre clara, mas propícia a um tipo de filme no qual as palavras têm mais peso que os cenários.

Os mais jovens talvez não tenham ouvido falar de J. Edgard Hoover que morreu na década de 1970 e está enterrado em cova ao lado de Tolson. Entretanto, a figura de Hoover e o próprio FBI mantêm-se bem vivos na memória dos que acompanharam, ainda que de longe, as atividades do homem e da instituição que comandou e fez crescer.

J. Edgard é um bom filme que não chega a ser excelente dada certa morosidade da narrativa. Entretanto, introduz o espectador no complexo mundo do poder norte-americano através da vida de uma das suas mais marcantes personalidades.

Quando crianças morrem

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Crianças que morrem deixam-nos um nó na garganta. Talvez pela sensação de vidas não vividas por inteiro, projetos não consumados, ciclos precocemente interrompidos. Comove-nos a dor de pais à qual somos solidários, mas cujas razões relutamos tanto em aceitar.

Entretanto, a situação piora quando as mortes estão ligadas a acidentes que poderiam ter sido evitados. Nesses casos, cada um deles com suas circunstâncias particulares, levanta-se um clamor público alicerçado pelas notícias que a cada instante acrescentam um detalhe novo capaz de prorrogar a indignação e a dor coletiva. É quando passa a falar mais alto aquele “poderia ter sido com a minha família, com um filho” daí cobrarem-se atitudes, esclarecimento das razões, enfim a punição de responsáveis.

Nos últimos dias duas mortes de crianças comoveram a opinião e seguem em pauta nos noticiários. A primeira delas foi a morte de uma menina de 03 anos de idade numa praia de Bertioga, atingida que foi por um jet sky  desgovernado. Até agora não se sabe bem como tudo aconteceu, embora se tenha a confissão de outra criança, essa de 13 de idade, de que ligou o jet sky e foi jogada para fora dele, daí o veículo ter seguido sem ninguém na direção, atingindo a menina. Em torno desse fato muita especulação, idas e vindas de testemunhas, declarações de policiais e entrevistas de advogados. O assunto tem rendido toda sorte de comentários, destacando-se de um lado a proteção ás famílias do pequeno infrator, de outro as terríveis cenas da mãe da menina morta a chorar e pedir que a justiça seja feita. Mas, o que fica mesmo são as imagens da criança na praia, brincando na areia, filmada que foi ela minutos antes de ser tragicamente atingida.

A segunda morte foi a de uma menina de 14 anos que veio do Japão com os pais para conhecer o Brasil. Estava ela num brinquedo do parque Hopi Hari e despencou de uma altura de cerca de 20 metros, morrendo em seguida devido ao impacto de seu corpo no solo. Agora apuram-se as possíveis causas do acidente, se mecânicas, se humanas, ou ambas. O fato está estampado nas primeiras páginas dos noticiários e espera-se que tudo venha a ser esclarecido. Mas, infelizmente, nenhuma explicação devolverá à vida a menina que veio do Japão para encontrar tão triste fim no Brasil. Em relação a esse caso comove a visão da face da mãe da menina cujos contornos dos olhos estão arroxeados de tanto chorar. Trata-se de conviver com algo que não tem retorno, talvez com um descuido que poderia ter sido evitado, enfim com a perda de um ente mais que querido cuja ausência provoca e sempre provocará muita dor.

É antiga a ponderação de que nessa vida o certo é filhos enterrarem os pais e não o contrário. Infelizmente o contrário tantas vezes acontece, às vezes com pais dolorosamente enterrando seus filhos ainda pequenos, fatos para os quais nenhuma explicação é suficiente no sentido de abrandar a dor e o sofrimento dos  que ficam.

Noite de Oscar

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Acordo com o interfone tocando. São quase sete horas da manhã de segunda-feira e maldigo quem está ligando a essa hora. Mas, o que poderia ser de tão urgente e importante?

Atendo: é o zelador. Ele me pergunta sobre um motor que esteve ligado em meu apartamento durante toda a madrugada. Diz que o tal motor em funcionamento, além do barulho, era acompanhado de vibrações, daí ninguém ter dormido no prédio.

Bem, eu nem tinha acordado direito e já havia uma rebelião de condôminos contra mim e o meu motor. Meu motor? Mas que motor? Expliquei ao zelador que feliz ou infelizmente não tenho nenhum motor estranho em casa. Nem estranho, nem normal. Mas, o homenzinho insistia que o barulho ensurdecedor vinha do meu apartamento, disso ele tinha certeza.

Eu ia convidar o zelador para fazer uma revista no meu apartamento para confirmar a inexistência de motor. Mas, acabei desligando, achando que minha palavra deveria bastar. Demais, aguento barulho de vizinhos sem reclamar, portanto que se danassem todos.

Voltei para a cama, mas tinha despertado de vez. Estava curioso quanto à origem do tal barulho de motor que, afinal, eu não tinha ouvido durante a madrugada. E se a minha casa tivesse sido visitada, na calada da noite, por alguma engenhoca extraterrestre? E se eu tivesse sido abduzido e nem me dera conta disso?

Parei por aí a minha imaginação cinematográfica, certamente consequente às imagens da premiação do Oscar à qual assisti na noite anterior. Um furor de luxo, bom e mau gosto, rico em piadas engraçadas apenas para norte-americanos. Fico pensando naquelas pessoas sentadas na entrada do tapete vermelho. Elas não param de bater palmas, entusiasmadas ao ver seus ídolos em carne e osso, fora das telas. Os atores mais amados causam grande frisson nos plebeus que estendem pedaços de papel, mendigando autógrafos muito difíceis de obter. Há os que não dão a mínima para o público, há gente como Sandra Bullock que vai até o povo, cede autógrafos e provoca  comoção.

No fim todos passam pelo tapete vermelho e acontece a cerimônia na qual se destacam as faces conhecidas que vemos nas telas. Cheguei a desligar a televisão antes do final, mas, como não pegava no sono, religuei e assisti ao Oscar até o fim. Talvez tenha sido depois de terminada a cerimônia que os alienígenas chegaram a minha casa. Não os vi e não sei dizer se me aplicaram algum sonífero. O certo é que dormi profundamente. Também é certo que traziam com eles um motor que fazia muito barulho, o tal motor que funcionou durante a madrugada conforme garantem o zelador e os meus vizinhos. Como nos filmes, exatamente assim.

Baú de Ossos

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A boa notícia é que os livros de Pedro Nava serão reeditados. Os dois primeiros “Baú de Ossos” e “Balão Cativo” poderão ser encontrados nas livrarias já na próxima semana. Os demais estarão disponíveis até 2014.

Para mim o nome de Pedro Nava precedeu a publicação de seus livros. Eu o conhecia através da publicação, pelo poeta Manoel Bandeira, de um poema chamado “O defunto”. Esse “O defunto”, escrito por Nava, faz parte de uma “Antologia de Poetas Bissextos” selecionados por Bandeira. Trata-se um poema que acabei sabendo de cor tantas vezes eu o ouvi através das declamações de meu irmão. Então, através de meu irmão, Pedro Nava passou a fazer parte do continente literário ao qual tive acesso quando ainda rapaz.

O problema é que sobre Pedro Nava só existia e se sabia do único poema publicado e do fato de ele ser médico proeminente e amigo de intelectuais brasileiros. Isso e nada mais até que, em 1972, surgiu o “Baú de Ossos” livro que, de imediato fez grande sucesso e atraiu a atenção ao trabalho do escritor. O interessante é que quando publicou esse seu primeiro livro Pedro Nava, nascido em 1903, estava já com 69 anos de idade. Ao “Baú de Ossos” se seguiriam mais seis livros: “Balão Cativo”, “Chão de Ferro”, “Beira Mar”, “Galo das Trevas”, “O Círio Perfeito” e “Cera das Almas” (póstumo, incompleto).

Mas, por que ler Pedro Nava? Em primeiro lugar é preciso dizer que as obras de Pedro Nava são singulares em nossas letras dado o enlevo, rigor, poesia e propriedade com que o escritor se aplica ao memorialismo. Dotado de memória notável e servindo-se de anotações Nava traça um completo painel da cultura brasileira no século XX. Grande escritor, dotado de humor, artífice das letras, a Nava não escapam os hábitos familiares, a cultura popular, os grandes acontecimentos e seus reflexos sobre a vida dos cidadãos comuns. Através das páginas escritas por Pedro Nava recompõe-se o passado pelos olhos de um observador que presenciou os acontecimentos que narra, deles extraindo em profundidade a experiência humana. É da vida e do modo de ser das pessoas que Nava nos fala, trazendo-nos hábitos, costumes e experiências vividas.  Interiores de casas, quintais, detalhes de cidades: nos livros de Nava, confesso admirador de Proust, se encontra o que de melhor e mais profundo se escreveu em termos de memorialismo em nossas letras. É com grande força poética que ele conduz o leitor à Belo Horizonte dos anos 20 e ao Rio antigo.

Pedro Nava morreu em 1984. Seu corpo foi encontrado numa praça do bairro da Glória, no Rio de Janeiro. O escritor havia se suicidado com um tiro na cabeça. Conta-se que a tragédia ocorreu após o recebimento de um estranho telefonema que, suspeita-se, fazia parte de uma chantagem a que Nava estava sendo submetido.

Escrito por Ayrton Marcondes

25 fevereiro, 2012 às 10:24 pm

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Feriados

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Li que a terça-feira de carnaval não é feriado como se pensa. Isso representa que, se o patrão determinar, os empregados devem comparecer ao trabalho nesse dia. No Brasil? Na terça-feira gorda?

Do que se conclui que existem feriados e feriados, uns maiores, outros menores, alguns nem tanto, mas gozados por costume. Há quem diga que a índole do brasileiro é mais voltada para o descanso que para o trabalho. Ao quem muita gente protesta, revolta-se mesmo, apontando o quanto o povo é sério e trabalha. No fim das contas, não dá para se generalizar. Acontece que o Brasil é grande demais, imenso, desses países com territórios quase continentais no qual se fundem várias culturas diferentes em seu modo de ser e encarar a vida. Quem discorda disso que compare os estados do sul com os do nordeste. Hoje é quinta-feira, será mesmo que o carnaval já terminou na Bahia? O que não se constituiu em crítica à brava gente baiana, por si só talentosa, trabalhadora e capaz. Só que os baianos são os baianos, diferentes dos outros em hábitos e costumes, daí não se poder compará-los com simplicidade a povos que vivem em outros estados. Demais perduram no país certos estereótipos contra os quais parece ser inútil lutar: São Paulo é terra de trabalho, o Rio lugar de diversão, imerso nas belezas naturais e por aí vai. Inútil contrapor-se a isso porque está estabelecido e ponto final. No mais essa imagem de um país de muito sol e alegria contagiante é a que mais pegou no exterior e atraí turistas aos montes para conhecer essa terra de felicidade em que tudo dá.

O que não se pode negar é que, a par de todos os problemas, gostamos muito das paradas obrigatórias proporcionadas pelos feriados, ainda mais quando acompanhadas das sempre bem-vindas emendadas. Nesse sentido o carnaval surge com uma festa e tanto porque a terça-feira gorda sucede a segunda- feira que não é feriado nem nada, mas na qual quase nada funciona porque assim reza o costume. E que dizer das escolas que não funcionam durante toda a semana e só retornam às aulas na outra segunda-feira?

Agora, o que ofende mesmo no sentimento de brasilidade é essa história de se dizer que entre nós o ano só começa mesmo após o carnaval. Ontem, quarta-feira de cinzas, num programa cômico da TV, comemorava-se o primeiro dia do ano. Trata-se de algo como se dizer: agora acabou a farra, vamos ao que é sério.

O que, convenhamos, é inaceitável. Vá lá que se acusem os políticos eleitos e que fazem parte do Congresso de só começaram a trabalhar sério após o carnaval. Mas, não se pode dizer a mesma coisa do povo que dá duro o ano todo. Os brasileiros trabalham muito, daí o país crescer e já estar como a sexta economia do mundo, isso apesar dos desvios milionários e da corrupção que não se consegue extirpar.

A verdade é que o Brasil está mudando. Vai levar tempo para que certas coisas entrem nos eixos - há quem duvide e  jure que nunca entrarão. Mas, sempre existe a esperança de que a ordem um dia prevaleça, a violência diminua e não tenhamos que assistir a cenas tão deploráveis como aquelas ocorridas durante a apuração das notas dadas pelos jurados às escolas de samba que desfilaram  em São Paulo. A invasão da área onde se apuravam as notas, o rasgamento de papeletas assinadas pelos jurados, o incêndio criminoso de carros alegóricos, tudo aquilo faz parte de uma cultura do passado que ainda se infiltra entre as pessoas de bem. Por isso, há que se punir sem dó nem piedade os responsáveis e culpados pelo triste episódio que ensombreceu o carnaval paulista e trouxe até nós, que gozávamos o lazer do feriado, a insuportável visão de uma realidade social do país que a todo custo queremos deixar para trás.

Broncas de carnaval

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A grande festa nem acabou, mas tem gente baixando o pau nela. Os críticos de plantão que detestam o carnaval não perdem a oportunidade para falar mal da folia bem no momento em que ela está acontecendo. Há os que teimam em se lembrar de algum infortúnio que aconteceu a eles num carnaval do passado, tão distante que a própria memória talvez esteja, também, muito fantasiada. Há os que não poupam críticas às ruas cheias de gente, à quebra do sossego, à transmissão pela TV do carnaval de rua.  Muita gente sonha com a chegada das cinzas que, pelo visto, restituirão a serenidade e a ordem ao mundo.

Não deixa de ser interessante a sinceridade das pessoas que insistem em remar contra a maré de alegria que percorre o país de norte a sul, levando em seus cordões milhares e milhares de foliões que entram naquela de deixar pra lá os problemas porque nessa vida há que se divertir um pouco senão a gente acaba sucumbindo.

Pois é, o carnaval é a festa do “deixar para lá”. No coração de cada folião está impresso outro, aquele do samba do Ary Barroso, folião de raça que se perde num cordão atrás de uma morena e só volta para casa na quarta-feira onde o espera a mulher que o chama de “meu pedaço”. Ele pertence à mulher nos 360 dias do ano, exceto nos quatro ou cinco em que acontece o carnaval. Aí ele é da folia, do samba, da morena Florisbela que tanto o trai.

Ary Barroso captou bem toda a alma desse negócio chamado carnaval. O grande Ary compreendeu que na vida dos brasileiros estabelece-se um hiato no qual mesmo o pobre e desvalido tem o seu momento de ascensão, vira gente, iguala-se aos ricos na grande roda do samba. Ary deixou-nos a lição gravada em sambas inesquecíveis os quais, ao que parece, nunca foram ouvidos pelos que utilizam as páginas dos jornais para criticar a bagunça, afirmar que saem do país porque detestam o carnaval ou lembrar-se de alguma desgraça acontecida durante carnavais passados.

Tá bom, o carnaval já não é o mesmo, a festa tornou-se comercial, os desfiles das escolas de samba deixaram de ser o verdadeiro carnaval, a alegria é falsa, tudo isso se diz. Então só nos resta parodiar Machado de Assis e perguntar:

- Mudou o carnaval ou mudei eu?

Escrito por Ayrton Marcondes

21 fevereiro, 2012 às 10:18 am

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Horror sem limites

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Dias atrás fiquei estarrecido com um crime acontecido em São Paulo: um rapaz foi abordado no trânsito e obrigado a levar um bandido para a sua casa. Lá o bandido apoderou-se de alguns valores e, ao sair, apontou a faca para o rapaz. Nesse momento a mãe do rapaz, para protegê-lo, posicionou-se entre ele e o bandido. Em consequência a mulher recebeu várias facadas e morreu.

Ocorre que a versão acima não é a verdadeira. Pressionado pela polícia o rapaz, um estudante de direito de 22 anos de idade, confessou que sua intenção era dar um susto na mãe. Para isso levou a sua casa um traficante que, de fato, deu a primeira facada na mãe. O resto, as demais facadas foram dadas pelo próprio filho. Assim, o rapaz acabou confessando o assassinato da própria mãe, sendo que a polícia suspeita que ele tenha cometido o crime visando a herança.

Até o momento não se sabe a identidade do traficante que, após o crime, se evadiu. O fato é que ao horror da primeira narrativa acrescentou-se outro, ainda mais terrível. É impossível imaginar a extensão do sofrimento dessa mãe ao receber facadas dadas pelo próprio filho.

O horror é um saco sem fundo, aberto para a ocorrência de coisas terríveis. O horror de fato não tem limites.

Notícias do tribunal

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Deve terminar hoje o julgamento de Lindemberg Farias ainda em andamento no fórum de Santo André. Contra Lindemberg pesam várias acusações, entre elas a de sequestro e morte de sua ex-namorada, a jovem Eloá. Até agora o acusado tinha se mantido calado, mas ontem declarou ter atirado na jovem e pediu desculpas à família dela pelo assassinato.

Essa história terrível já rendeu o que tinha a render. Os cinco dias de duração da ação de Lindemberg, ocorrida há pouco mais de três anos, se constituíram num verdadeiro Big Brother sobre as ações dos participantes, isso com cobertura em tempo integral pela mídia. As últimas cenas envolveram a invasão da polícia no apartamento onde Lindemberg mantinha presa Eloá e uma amiga dela. Agora Lindemberg diz que no momento da invasão apavorou-se e só atirou porque Eloá tentou tirar a arma da mão dele. Não tinha a intenção de matar, portanto, assim ele se manifesta.

Disso tudo resta a extraordinária atenção da imprensa a esse crime na época em que ocorreu e agora durante o julgamento. A ação do antigo office-boy Lindemberg tornou-se assunto nacional e ocupa as principais manchetes de jornais e portais da internet. Na porta do tribunal uma multidão, munida de faixas com dizeres, clama por justiça. A imprensa, queira-se ou não, acrescenta ao fato um enorme dimensão e provoca reações diversas nas quais se exige a punição do assassinato de Eloá.

O que chama a atenção, mais uma vez, é a instantaneidade da informação. Para se saber o que acontece no tribunal basta se ligar a TV num canal de notícias e logo aparece um repórter dando-nos conta do andamento das coisas. Repórteres especialmente destacados para a cobertura do grande acontecimento em Santo André revezam-se e entrevistam pessoas como a mãe de Eloá que exige por justiça.

O que me faz lembrar a morte da jovem Aída Curi, atirada do alto de um prédio em Copacabana, Rio de Janeiro. O crime aconteceu em 1958. Aída foi levada à força ao alto do prédio pelos jovens Ronaldo Castro e Cássio Murilo e o porteiro Antônio Sousa que, após abusarem sexualmente dela, a jogaram para simular suicídio. Esse crime comoveu o país e teve enorme projeção nos meios de comunicação da época. Mas, dois dos acusados livraram-se da acusação de homicídio. Ronaldo foi condenado por atentado ao pudor e tentativa de estrupo; Antônio de Souza foi também condenado, mas desapareceu; Cássio Murilo era menor. O júri o considerou culpado de homicídio, mas o rapaz era, pela idade, inimputável.

Eram os anos 50 e a juventude impulsionava-se em acordo com o espírito de revolta propagado em filmes norte-americanos com “Juventude Transviada” estrelado por James Dean. Quanto à cobertura da mídia as notícias apareciam em jornais e em revistas como “O Cruzeiro”.

Certos crimes tornaram-se inesquecíveis pela comoção que provocaram, alguns deles por nunca terem sido completamente esclarecidos. De modo diferente o caso de Eloá e Lindemberg  foi devassado à exaustão, em sua maior parte em tempo real. Resta-nos apenas saber como se comportará o júri ao final do julgamento. Mas, será esse mesmo o fim da história?

Vem aí o carnaval

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Boca aberta sem poder falar ouço o dentista me perguntar o que vou fazer no carnaval. Vai ficar aqui mesmo? Vai viajar? E acrescenta que, obviamente, participar do carnaval nem pensar.

Nem tanto. Não sei o que vou fazer durante o carnaval, se fico em casa, se viajo para me distrair. Não sei responder, portanto, às perguntas do dentista. Agora, quanto a participar do carnaval em si me preparo para dizer a ele que talvez sim, isso quando puder falar novamente.

Sempre gostei do carnaval. Vida afora frequentei bailes e mesmo segui, de longe, blocos de rua. Fui duas vezes ao sambódromo, no Rio, para assistir aos desfiles das grandes escolas de samba. Simpatizo com a Mangueira para quem torço no carnaval carioca. Emoção das grandes, inesquecível, a da bateria da Mangueira desfilando na Praça da Apoteose: os movimentos conferiam à bateria inteira um jeito de legião romana, aplicadíssima, organizadíssima, tudo isso no meio de um batuque primoroso, sensacional, ensurdecedor, vibrante e não sei o que mais.

Portanto, se aparecer oportunidade e as pernas ajudarem, ao samba. Não que eu reclame das pernas, embora nos últimos tempos elas venham dando leves sinais de já não serem as de antes. Ultimamente as pernas tem-se dado ao desfrute de se cansarem logo, desobedecendo-me, ignorando as ordens enviadas pelo meu cérebro. Aliás, o próprio cérebro vez ou outra se deixa perder na preguiça de lembrar-se de algo como nomes de pessoas, trajetos de ruas, coisas guardadas etc. Detectam-se falhas superficiais e algo difusas que não chegam a comprometer, mas são chatas, muito chatas.

Do que se conclui que afinal tudo não passa de um ingresso lento e irreversível no território da velhice. Mas, afinal, a partir de quando se é velho? A pergunta nos leva ao solo movediço das teorizações sobre fases da vida, idades etc. Entretanto, parece-me que para ser considerado “idoso” o cidadão deve ter passado dos 60 anos de idade. Passes gratuitos para viagens de ônibus e metrô só após os 65 anos de idade.

Mas, como dizia, o carnaval vem aí. Quando o dentista termina o seu serviço em minha boca e fico liberado para falar, acabo não dizendo nada. Na saída ele me pergunta se pretendo pular no carnaval. Olho para ele e respondo, com firmeza, que sim. Ele me olha desconfiado, arranja um sorriso maroto e se despede. Saio do consultório com a certeza de que o dentista está rindo nas minhas costas porque a última coisa que pode se passar na cabeça dele é a de que, ainda hoje, eu goste tanto do carnaval e me disponha a sambar, só um pouquinho.

Segunda-feira

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Semana que começa após o domingo de muita chuva. Ontem a cidade parecia paralisada na visão que tínhamos dela através dos vidros molhados das janelas. Pessoas recolhidas às suas casas, silêncio geral só desrespeitado pelo barulho da chuva batendo no telhado, ao longe o mar coberto por névoa fraca, mas suficiente para escondê-lo. Mundo cinza, sem sentido, sensação de isolamento. Que fazer senão frequentar as páginas dos jornais ou assistir aos programas exibidos na televisão? Como deter a sensação de que amanhã é segunda-feira e tudo continua como antes, os problemas de sempre aos quais serão acrescentados os novos que certamente surgirão?

As notícias do domingo são as de segunda, exceto pelo acréscimo de alguns crimes que, infelizmente, fazem parte da rotina. Em São Paulo um rapaz foi abordado em seu carro por dois marginais que o obrigaram a levá-los a casa dele. Lá, após se apossarem de dinheiro um dos marginais ameaçou o rapaz com uma faca. Para defendê-lo a mãe do rapaz colocou-se entre ele e o marginal. Resultado: a mãe foi brutalmente esfaqueada e morreu. Assim, simples assim, terrível assim. O que nos faz pensar naqueles que amamos e que andam por aí em seus carros, indo e voltando ao trabalho, ao lazer, aos afazeres comuns. O que nos resta é rezar, torcer para que nada aconteça a eles, para que não parem justamente no sinal de trânsito onde fiquem à mercê de meliantes para quem nada importa e a vida nada mais é que um acidente que pode ser interrompido a qualquer momento, sem qualquer remorso. E dizer que convivemos com isso, com o horror explícito bem ao nosso lado, tanto que nos habituamos a ele e tratamos a dor alheia com a indiferença de quem ouve falar sobre a tragédia de outro, de alguém que não nos afeta. Até quando?

Mas, neste fim de semana as notícias sobre mortes de celebridades ocuparam espaço e chamaram a atenção. Morreu o cantor Wando sobre quem não se sabia que tinha tantos fãs. A morte dele comoveu o público e a toda a mídia rendeu-se a homenagens póstumas. O fato é que todo esse reconhecimento midiático parecia não estar ativo em vida do cantor. Wando é autor de músicas memoráveis cujas letras já foram incorporadas ao domínio público. Mestre na área da sedução, Wando se notabilizou não só como cantor e compositor, mas pela presença em palco e atitudes inusitadas como a de distribuir e receber calcinhas. Uma figuraça esse Wando que desaparece e deixa grande vazio na música brasileira.

E houve a morte inesperada da cantora norte-americana Whitney Houston, encontrada morta numa banheira de hotel, provavelmente afogada. A morte de Whitney encabeçou as notícias do fim de semana e persiste nesta segunda-feira. O que se destaca é a excepcionalidade da voz da cantora, tida como única entre seus pares. Entre nós Whitney tornou-se famosa pela participação no filme “O Guarda-costas”, estrelado ao lado de Kevin Costner. Lembro-me de que na época comprei dois discos de Whitney nos quais de modo algum se refletia a grande arte da cantora.

Foi-se Wando, foi-se Whitney, foi-se essa senhora desconhecida barbaramente morta a facadas por marginais. A vida pode ser mais breve do que supomos e esperamos, mas é bom não pensar muito nisso.