2014 maio at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para maio, 2014

Cuidado com as flechas

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Nunca gostei dos filmes de faroeste nos quais os cowboys entram em guerra contra os índios. Nos EUA a conquista do oeste se deu com a aniquilação de tribos que viviam e dominavam a região. O homem branco trouxe suas armas e doenças e arrasou com as sociedades tribais.

Jack London foi um brilhante escritor norte-americano dotado de colossal arte para contar histórias. Pena que hoje pouca gente conheça a obra de London e já nãos seja lida. Aliás a vida de Jack London por si só é um thriller de aventuras. Analfabeto até a juventude London foi marinheiro e aprendeu tudo sobre a vida no mar e aventuras marítimas de pesca. Mais tarde percorreu as trilhas geladas do norte em busca de ouro e de valiosas peles de animais. O modo de viver dos índios, a força bruta dos cães puxando trenós na neve, a solidão das trilhas do norte onde a vida de homens e cães interligam-se na luta pela sobrevivência são magistralmente descritas nas páginas de London. Ouso dizer que ninguém contou histórias de aventuras como Jack London. Suas personagens são pessoas fortes, muitas delas dotadas de sabedoria adquirida na prática dado não terem frequentado escolas. O mundo das lutas de boxe é outro dos motivos que permitiram a London escrever interessantíssimos contos.

Falo de Jack London porque nas histórias escritas por ele pode-se sentir na própria pele o efeito das flechas atiradas por arqueiros experientes que vivem nas selvas. Um de seus contos - A Liga dos Velhos - narra a história de Imber um índio que viu sua tribo ser dizimada pela chegada do homem branco. As doenças, a bebida que corrompeu os mais jovens, as mulheres seduzidas e mesmo as raças de cães nativos enfraquecidas pelo cruzamento com as trazidas pelos brancos levaram os mais velhos da tribo a criar uma liga cuja finalidade era matar todos os brancos.

Assim, Imber partiu sozinho e, dia após dia, matava os brancos que encontrava em seu caminho. Até que percebeu que apesar de tantas mortes o número de brancos só fazia aumentar fato cujo entendimento escapava a ele. Foi assim, que cansado e velho, Imber sentou-se na calçada de uma cidadezinha, foi preso e julgado. A partir daí a narrativa do índio sobre o modo como presenciou e viu a chegada do branco torna-se comovente.

Hoje em dia não se fala mais em mortes por flechadas. A bandidagem dispõe de armas sofisticadas como fuzis capazes de disparar trinta tiros por minuto. De modo que soa como vinda do passado a notícia de um policial atingido na perna por uma flecha disparada pelo arco de um índio. Aconteceu em Brasília onde os índios se reuniam num protesto.

Imagino como essa notícia terá chegado ao exterior nessa época em que não se poupa o Brasil pelos preparativos da Copa. É bem possível que os turistas que virão para cá imaginem que chegarão a uma terra inóspita com ruas de calçamento de pedra e carroças puxadas por burros circulando para todo lado. Um retorno ao século XIX, com índios ameaçadores portando arcos e flechas. Um Brasil mais ou menos ao ritmo dos contos de Jack London, isso em pleno século XXI.

O inesquecível ano de 1950

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Há fatos que desafiam a passagem do tempo. Não importa quantos anos tenham se passado porque sempre há um, bem determinado, do qual não se esquece. Naquele ano, naquele mês, naquele dia…cada um conta a história a seu modo. Quando morrem os que viveram à época do acontecimento maior a história passa a ser contatada pelos seus herdeiros. Assim sobrevivem as memórias, os medos, os soluços abafados e também os escancarados. Esse é bem o caso da derrota brasileira de 1950 diante do Uruguai, perdendo-se a Copa do Mundo em casa diante de estarrecidos olhos de milhares de brasileiros. O palco da tragédia foi o Maracanã para onde agora convergem as esperanças de nova conquista da Copa pelo país.

Impressiona observar que com a aproximação do início da Copa-14 crescem no noticiário reportagens sobre a tragédia de 50. A cada dia um aspecto daquele que já foi considerado o dia mais triste do Brasil é trazido de volta à cena. A ferida não fecha e não há previsão de que possa ser fechada. Mesmo que a final da Copa-14 venha a ser jogada no Maracanã entre as seleções do Brasil e do Uruguai, mesmo se o Brasil vencer esse traumático jogo por 10 X 0, ainda assim não se conseguirá sepultar definitivamente o jogo de 1950. O fato é que a final de 50 foi incorporada ao imaginário do brasileiro e permanece como sinal de alerta em relação a todas as nossas limitações. O Brasil é um país muito grande, nunca um grande pais e por sabermos disso coçamos as nossas feridas, temos até certo prazer em coçá-las. Não chegamos ao ponto que chegam nossos irmãos argentinos mais dados à celebração de coisas fúnebres que nós. A magia de Buenos Aires está ligada a esse som de tango que parece percorrer as ruas da cidade nas madrugadas desertas, disseminando alguma dor e ressentimentos. Não somos assim. Nossa país recebe a coroação do Sol que tudo doura, a estocada dos batalhões sempre prontos a aderir a qualquer festa que se diga digna desse nome. Talvez por isso sejamos os reis do carnaval, das mulheres seminuas e de corpos esculturais sambando nos alto dos carros alegóricos.

Num país assim onde a povo é naturalmente convidado à celebração os infortúnios não caem bem, sempre parecem fora de lugar. Por isso, pode-se dizer que a derrota de 1950 foi um acontecimento fora de lugar. Aconteceu num estádio errado, diante de uma plateia errada, espalhando-se pelas ondas de rádio pelo território de um país errado. Fato de tal magnitude e de tal forma inesperado sugere que talvez os deuses do Olimpo naquele dia tivessem se reunido e bebido muito, daí a decisão de justamente punir aquele povo alegre que não merecia ter sido tão maltratado.

O ano de 1950 é emblemático para os brasileiros e nada se pode fazer quanto a isso. Aí está a foto de Gigghia no momento em que ergue o braço direito e, ainda no ar, comemora o gol que acaba de fazer. Barbosa, o goleiro da seleção, estendido no chão, a bola no fundo das redes, cena que gravou um ponto de inflexão na história do país.

Por essas e outras não podemos apagar de nossas memórias o ano de 1950.

O Iraque fica aqui

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Um comerciante precisa levar grande volume de dinheiro ao banco. Para isso contrata três seguranças. Um deles vai com o comerciante no carro dele. Os outros dois seguem num carro atrás. Ao chegarem a uma via movimentada são surpreendidos por bandidos que os esperam. Trata-se de um bando fortemente armado. Os bandidos descem do carro já atirando. Um deles porta um fuzil que dispara 30 tiros por minuto. Atiram para matar. Os seguranças reagem. Tiroteio instalado uma bala perdida atinge e rouba a vida de um inocente: trata-se de um rapaz que por acaso passava pelo lugar na hora. No fim os bandidos encontram resistência inesperada e fogem. Um deles foi atingido no abdômen e é carregado pelos comparsas. Câmeras de segurança filmam tudo, inclusive o trajeto de fuga e o prédio onde os bandidos se escondem. Há imagens do bando subindo no elevador. Todos são identificados. Mais tarde um deles é preso. Os demais desaparecem e são procurados pela polícia.

Todo isso à luz do dia. Fato normal numa sociedade em que o crime parece compensar.

Agora são divulgados os índices de homicídios no país em 2012. A taxa nacional é de 29 homicídios por 100 mil habitantes. Foram cometidos 56.337 homicídios número que supera o de mortes no conflito da Chechenia que durou de 1994 a 1996. Quando se observam as taxas por. Estado verifica-se que em Alagoas foi de 64,7 por 100 mil habitantes.

A taxa de homícidios de Alagoas supera a da Guerra do Iraque que transcorreu entre 2004 e 2007.

Duas conclusões. A primeira é a de que estamos em guerra. A segunda é a de que o Iraque fica em Alagoas.

Leituras

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Machado de Assis, sempre na berlinda, anda envolvido numa discussão sobre seus livros. A idéia é reescrever o texto do bruxo, tornando-o acessível a leitores iniciantes. Melhor ler Machado modificado do que não ler. Será?

Esse assunto tem favoráveis e contrários que se engalfinham expondo suas razões. O que me faz lembrar do que dizia aquela turma da cultura de massa. Para essa turma há que se formar um público leitor e para isso vale tudo. Daí a importância dos gibis, de livrinhos sobre histórias de amor vendidos nas bancas, contos policiais de segunda linha etc. Lendo textos mais fáceis o cidadão habitua-se a ler e daí para livros mais sérios é só um passo. Será?

Ainda acho que a razão está com essa gente que põe a culpa na televisão. Hoje em dia crianças que ainda não chegaram aos cinco anos de idade lidam como ninguém com os controles remotos e dominam os televisores. Na minha infância televisão era um luxo que poucas famílias possuíam. Além do que havia o problema da sintonia de canais. Antenas colocadas nos telhados das casas e poucos repetidores tornavam um milagre ver-se na telinha pouco mais que sombras em movimento. Diante disso restava-nos o socorro dos livros. Meu pai, por exemplo, tinha alguns livros de Machado de Assis e José de Alencar. Eu teria uns treze anos quando li os romances da primeira fase do Machado. E havia, também, o socorro do dicionário para aquelas palavras que não faziam parte do meu vocabulário. Degrau por degrau a capacidade de entendimento foi se formando.

O que parece faltar nos dias de hoje é estímulo e aplicação. Dominar um texto dá trabalho, mas é preciso informar que a aventura é instigante. Quer dizer: o fulano não está perdendo tempo, está investindo na sua formação e adquirindo bagagem que levará por toda a vida. Mais: ler é um dos grandes prazeres dessa vida. Converte o fulano num cidadão informado e culturalmente apto. Não vale a pena?

Talvez mais importante do que reescrever textos para facilitar a leitura seja estimular o ato de ler. Bem trabalhada a idéia pode-se, lenta e progressivamente, criar um grande contingente de leitores.

O diário de Anna de Assis

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Anna de Assis era casada como escritor Euclides da Cunha. Aconteceu a ela apaixonar-se pelo jovem Dilermando de Assis, quinze anos mais novo. Corria o ano de 1909 quando Euclides se descobriu traído pela mulher. Para lavar a sua honra Euclides decidiu-se a um acerto final com Dilermando. Com a intenção de matá-lo foi até a casa dele. No embate que se seguiu Euclides foi mortalmente ferido por Dilermando, vindo a falecer. O caso teve enorme repercussão: Euclides era reconhecido por sua magistral obra “Os Sertões” que versa sobre o episódio de Canudos. Escritor consagrado morria a tiros pelo amante da mulher.

O assassinato  de Euclides desperta curiosidade mesmo nos dias atuais. Eis que agora uma neta de Dilermando e Anna acaba de receber um diário escrito pela avó no qual ela explica os tristes acontecimentos que resultaram na morte de Euclides.  A neta sabia da existência do diário, mas supunha que teria sido queimado por um tio. Entretanto, o diário foi guardado pelo advogado que defendeu Dilermando. Agora um descendente do advogado restituiu o diário à neta de Anna de Assis.

No diário Anna de Assis muda totalmente a história de sua relação com Dilermando e a participação de Euclides. Segundo ela Euclides sabia da existência do amante, sendo que ela já tinha, inclusive, passado tempos em casa de Dilermando. Anna conta que de modo algum Euclides concordara em ceder a ela o divórcio. De modo que seria falsa a versão corrente de que Euclides decidiu matar Dilermando assim que soube que ele era amante de sua mulher.

Bem, é preciso verificar a autencidade do diário. Por outro lado vale lembrar que essa história acrescenta ainda mais sensacionalismo ao triste episódio da morte de Euclides. Falar sobre o assassinato de Euclides de certa forma empana o que mais interessa sobre ele, ou seja a autoria de um dos maiores livros escritos em língua portuguesa. Euclides é um artífice da linguagem e escreveu um livro monumental. Aliás, nunca é demais insistir sobre a importância de se ler “Os Sertões”.  Se você ainda não leu não perca tempo: corra até uma livraria e se prepare para uma das mais instigantes aventuras de leitura.

Ele parecia um cara legal

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Essa a opinião de vizinhos quando se revela que o “cara legal” na verdade era um seqüestrador que mantinha sua vítima presa para abusar sexualmente dela.  Em setembro passado Ariel Castro estarreceu a opinião por manter presas três mulheres durante dez anos. Uma das mulheres conseguiu chamar a atenção dos vizinhos fato que resultou na liberdade das três. Ariel foi preso e suicidou-se na cadeia.

Agora acaba de ser preso o seqüestrador Isidro Garcia que manteve uma jovem por dez anos presa. Seqüestrou-a quando ela tinha 15 anos de idade e violentou-a durante todo o tempo em que a teve como refém. Com ela teve uma filha e só agora a jovem teve coragem para ir à polícia e denunciá-lo. De uma vez anterior ela tentou fugir, mas ele a perseguiu, capturou-a e bateu muito nela.

Essas histórias são divulgadas de tempos em tempos. Seus protagonistas passam por bons cidadãos sobre quem não paira nenhuma suspeita. Bons vinhos e aparentando comportamentos absolutamente normais facilmente escamoteiam suas verdadeiras personalidades.Trata-se de um tipo de escória humana que se locupleta com a sensação de poder e domínio absoluto sobre mulheres indefesas das quais abusam a seu bel prazer.

Certamente por detrás de tais comportamentos existem desvios psiquiátricos que mereceriam tratamento e comiseração não fossem a revolta e desprezo que despertam. Entretanto, os crimes praticados são de tal envergadura que nada mais resta que a punição, retirando para sempre esses seres marginais do convívio em sociedade.

Desespera-nos saber que, infelizmente, muitos outros casos dessa natureza estejam em andamento sem que ninguém suspeite de suas ocorrências. Sabe aquele bom sujeito com quem você se encontra ocasionalmente, o cara que o cumprimenta educadamente com um sorriso nos lábios? Pois é, vai lá se saber quem de fato é ele, do que o marmanjo é capaz.

A sua privacidade

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Em andamento a polêmica sobre a autorização de biografias. Hoje, no Brasil, é necessária a autorização do biografado para que se publique livro sobre ele. Biografias que não contam com a autorização de seus protagonistas são barradas na justiça. A Constituição proíbe qualquer tipo de censura, mas o Código Civil prevê que obras que atinjam a boa fama de alguém ou se destinem a fins comerciais devem, necessariamente, ser autorizadas pelo interessado.

Acontece que o projeto que visa derrubar a necessidade de autorização prévia já passou pela Câmara e agora seguirá para o Senado. Se também for aprovado lá passarará a depender da sanção presidencial. Paralelamente, corre no STF uma ação do Sindicato dos Livreiros no sentido de revogar a necessidade de autorização.

Quem quer o fim da necessidade de autorização considera que punições legais por calúnias ou injúrias sejam suficientes. Artistas e figuras públicas consideram ilegal a publicação de biografias com resultados financeiros destinados apenas aos escritores e editoras. Mas, os dois lados apresentam outras razões.

O assunto tem rendido muito pano pra manga. O cantor Roberto Carlos tornou-se conhecido por proibir a publicação de sua biografia escrita por Paulo César Araújo. Agora o cantor acaba de entrar com um pedido no STF para que possa participar da discussão sobre o controle da realização de biografias.

Tenho ouvido as argumentações de alguns artistas favoráveis à manutenção da autorização. Têm eles bons argumentos, destacando-se o fato de que os textos biográficos justamente expõem a vida deles. Acrescente-se a possibilidade de existência de fatos cuja divulgação não são de interesse da pessoa biografada. Por outro lado a necessidade de autorização limita o trabalho do escritor que trabalha com o olho da censura às costas. Obrigado a um texto mais laudatório que crítico perde o escritor o interesse pela biografia porque sabe que, dependendo do que escrever, o biografado proibirá a publicação.

O que se espera é que a necessidade de autorização seja abolida. Pessoas biografadas contam com meios legais para processar, punir e serem ressarcidos caso sejam ofendidos por possíveis interessados em escrever sobre elas. Manter a autorização pode representar o fim da publicação de biografias.

Avião

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Você acorda às 5 da manhã e às 10 ainda espera, dentro do avião, o momento da decolagem. O conforto do A320 deixa a desejar. A aeromoça parece ter saído agorinha mesmo de um filme de terror. Olhos esbugalhados passeia pelo corredor, de lá para cá e em sentido inverso. Ela anda quilômetros nesse ir e vir que depois de algum tempo deixa de ter sentido.

O comandante informa que o avião ainda está em terra devido a um problema técnico: falha de um sensor que informa sobre a horizontalidade. Um tempinho depois volta para dizer que o problema não compromete a segurança do vôo: em breve decolaremos.

Falha de sensor não foi o que provocou um grave acidente aéreo tempos atrás? - pergunta uma mulher.

A pergunta não cai bem. Pela primeira vez os passageiros pensam na própria segurança. Será que esse avião está mesmo em bom estado? E se der algum problema justamente quando estivermos lá em cima?

Pois é, lá em cima. Pertinho do céu, acima das nuvens, ao alcance das mãos de Deus. Você se lembra do que ouvia dos maios velhos quando criança: com a morte é bom não dar moleza.

Os mais velhos! Para onde foram? Onde estarão agora? Se houver sobrevivência da alma você se encontrará com eles após a morte? Como nos filmes? Lembra-se do filme em que o cara foi assassinado e depois de morto seguia a mulher dele, pensando ainda estar vivo?

A vida é mesmo um mistério. A morte mistério maior ainda. De que adianta pensar nisso tudo enquanto espera que o avião finalmente levante vôo?

Bem, a culpa é daquela mulher que lembrou do acidente causado pela falha do sensor. O sensor foi responsável pela morte de mais de 200 pessoas. Você começa a pensar em tragédias e está a pique de desembarcar quando o comandante avisa que o problema foi resolvido e já pode decolar.

O resto você já sabe porque esse texto escrito depois do vôo esclarece tudo.

Escrito por Ayrton Marcondes

17 maio, 2014 às 10:29 am

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No mundo dos ricos

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Um amigo a quem não vejo a tempos ridicularizava o dito popular de que “dinheiro não traz felicidade”. Ele dizia: “então eu não quero ser feliz”.

Os realmente ricos talvez não tenham o mesmo prazer em conquistar as pequenas coisas pelas quais lutamos tanto. A casa própria, por exemplo.” Quem não herda fica na m…” garante outro dito popular. Mas, a quem não herda só resta conquistar. A nossa casa duramente conquistada demarca a fronteira de nossas pequenas posses no mundo. Trata-se do tal lar inviolável que hoje em dia já não anda tão inviolável assim - que o digam os criminosos.

O tamanho das coisas depende de para quem se destinam. Se você compra uma TV só o faz depois de uma pesquisa de preços e longo namoro com o modelo que deseja. Sabe que está adquirindo um aparelho que usará nos próximos anos o que torna o investimento interessante. Mas, o que seria a compra de uma bobagem como uma TV para gente muito endinheirada?

Por outro lado os ricos desfrutam de outros tipos de prazer dado terem acesso a coisas proibitivas ao comum dos mortais. Restaurantes caros, hotéis fantásticos, viagens, bebidas de alto nível, roupas de grife e outras benesses fazem parte da rotina de quem tem dinheiro.  Não dá para comparar o mundo dos ricaços com aquele em que vivem as classes menos favorecidas.

A turma da sociologia estuda e escreve com frequência sobre as condições de vida em favelas e a criminalidade. Em geral aponta-se diferenças de formação e a certeza de que nada do que se possa fazer mudará muito da condição em que se vive. A total falta de infraestrutura, a fome e a impossibilidade de ter acesso aos bens de consumo explicariam a busca do dinheiro fácil através do crime. Não é tão simples assim, mas passa por aí. Fala-se muito sobre esse assunto, mas pouco se faz no sentido de reduzir a imensa desigualdade social no país.

Não sei bem com que intenção se publicam informações sobre a riqueza dos ricos. Hoje foi divulgada a lista das 15 famílias mais ricas do Brasil. A fortuna da mais rica chega à casa dos R$ 30 bilhões. A quem interessa saber disso? Além do que fica-se coma impressão de que essas pessoas endinheiradas não fazem nada e vivem em permanente festa. E você, por que mesmo o seu nome não consta da lista?

No fim das contas fico com os saberes das gentes da cidadezinha onde nasci e cresci. Dizia-se lá que no fim todo mundo se iguala porque ninguém escapa da caveira que carrega a foice que decepa as nossas vidas.

Mas, que um dinheirinho é bom, isso ninguém nega.

A chegada da Copa

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A Copa chegou ontem à minha rua: os caras do bar da esquina desenharam no chão o distintivo da seleção. Cercaram-no com cavaletes da prefeitura de modo que o distintivo - ou melhor, a Copa - passou a atrapalhar o trânsito.

Passei pelos cavaletes e me lembrei do cacto de Manuel Bandeira, aquele que era “duro, áspero, intratável”. Ali no chão o desenho colorido me pareceu desprotegido, justamente o contrário do cacto da poesia. Sugeria que o futebol está é mesmo acossado por tantos acontecimentos estranhos a ele, nessa louca correria que se presencia ao nos aproximarmos do início dos jogos.

Porque a bem da verdade não há como não se preocupar com o que há de vir. Não tão surdamente percebe-se o preparo de grandes movimentações e protestos que já vão acontecendo e se encorpando dia a dia. Nunca antes na história desse país se viu tanta gente inconformada com praticamente tudo. Os 200 milhões estão a ponto de explodir e as autoridades insistem no discurso de confiança no sucesso da Copa, talvez porque os brasileiros sejam gente de muito boa índole.

Pois eu digo que de jeito nenhum gostaria de estar no trânsito da Radial Leste, seguindo em direção ao Itaquerão no dia do jogo de abertura. Sabe-se lá o que há de vir. Tem tanta gente insatisfeita, tanto bandido esperando a boa hora que o melhor é se trancar em casa e esperar que tudo transcorra na mais perfeita ordem e paz.

Dias atrás o secretário da FIFA disse que o número de estádios construídos não foi determinado pela organização, mas pelo governo que exigiu fosse a Copa realizada em todo o país. Se olharmos para os gastos excessivos feitos com obras - aliás vergonhosamente inacabadas - veremos que a Copa logrou juntar num só saco muitas indignações populares prontas a explodirem.

Mas, quem sabe nada de ruim venha a acontecer e tudo o que está escrito acima não passe de divagações inconsequentes. Então poderemos assistir à Copa com o ânimo de inveterados apaixonados pelo futebol e só isso.

Mas, por segurança ou medo, estarei dentro de casa, portas bem trancadas, olhos pregados na televisão.