2017 março at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para março, 2017

O pão “enlameado”

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Não gosto do funcionário da padaria. Me parece um sujeito desatento ao serviço. Não se orgulha do que faz. Meu tio dizia que na vida há que se fazer tudo com amor. Mesmo as pequenas coisas. O velho falava que é pelas pequenas coisas que se conhece uma pessoa. Se o cara é ruim nas pequenas coisas que dizer nas grandes.

Peço sempre um misto quente na padaria da esquina. No horário em que vou lá o funcionário que prepara os sanduíches é um baixinho que sempre parece estar de mal com a vida. Pega o queijo e o presunto com o descaso de quem toca um inimigo. Depois atira-os na chapa quente sem nem mesmo limpá-la.  Minutos depois queijo e presunto são arrastados para dentro do pãozinho e o misto é servido ao freguês.

Já me questionei se no fundo a minha repulsa ao rapaz não tem um pouco de implicância desnecessária. Todo mundo sabe que não custa encontrar pela frente alguém com quem não se combina de jeito nenhum. Uma amiga, por exemplo, tem aflição quando vê homens barbudos. Diz que se no mundo só existissem homens com barba, não se aproximaria de nenhum deles.

Não tenho a menor ideia de quem seja o baixinho fazedor de sanduíches. Sei que o cara passa algumas horas do dia em pé, ao lado da chapa, trabalhando numa função que deve ser bem enfadonha. Talvez a vida dele seja bem desinteressante, talvez more num bairro pobre e distante, tenha mulher e filhos a sustentar, doença em casa, sei lá. Mas, que tem a ver o misto quente com a história do baixinho que prepara sanduíches?

O fato é que existem pessoas que incomodam, às vezes por simplesmente existir. Nos meus tempos de residente tinha uma médica que não podia me ver. Para ela eu era a imagem do desamor. Como ela era minha superiora tratava de me designar para as piores funções. Ela me detestava simplesmente por detestar. Foi um alívio para ambos quando deixamos de nos ver para sempre.

Mas, e o pão enlameado? A história é breve. O Zé trabalhava na lavoura e toda manhã passava pela padaria para tomar café. Ele sempre fazia o mesmo pedido: um pão “enlameado” com manteiga. Tanto repetiu isso que passou a ser conhecido como Zé Lameado. Esse Zé Lameado morreu ainda jovem não sei dizer a razão de seu desaparecimento, se doença, acidente, sei lá.

Conheci muito bem o Zé Lameado, um tipo alegrão e muito falante. Trabalhador incansável destacava-se na lavoura e ia melhorando de vida. Mas, morreu.

Ontem fui à padaria e não resisti a fazer o pedido do Zé Lameado ao baixinho da chapa. Pedi a ele o pão “enlameado” com manteiga. Obviamente ele não entendeu. Aproximou-se de mim, olhou-me fixamente e solicitou que eu repetisse o meu pedido. Ao ouvir a mesma coisa pela primeira vez o vi sorrir e dizer que não sabia fazer o que eu pedira.

Entendi que eu fora chato e desagradável demais, projetando no rapaz a minha inexplicável intolerância em relação a ele. Meio envergonhado mudei meu pedido:

- Por favor, um misto quente.

Questão de fé

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O filme “Silêncio” de Martin Scorsese incomoda porque traz à tona o problema da fé. A trama se passa no Japão medieval onde o catolicismo tinha sido proibido. Dois padres, Rodrigues e Garupe, decidem ir ao Japão em procura do padre Ferreira sob quem não haviam mais notícias.

Mas, as coisas não se passam como na Europa. A entrada dos padres no país é ilegal. Os japoneses não querem padres contaminando a crença dos camponeses. A realidade do país é outra. A religião é o budismo. O catolicismo seria um corpo estranho às tradições japonesas cujo modo de agir e pensar difere do europeu.

A partir daí Rodrigues e Garupe enfrentam situações de perigo, impossíveis de ser solucionadas. A fé que propagam revela-se um desastre para os camponeses que se recusam a negá-la e, por isso, são torturados até a morte. Basta a um católico pisar sobre uma imagem de Cristo. Os que se recusam a negar sua fé são mortos.

O enigma que envolve o padre Rodrigues torna-se a essência do filme. Preso e não se dispondo a negar sua fé Rodrigues é submetido a situações nas quais a razão se interpõe à crença. Por que em nome da fé deixar que pessoas sofram e morram? Qual o sentido de não negar a fé a custo do sofrimento alheio?

O padre Rodrigues resiste. Submetido ao interrogatório de um hábil inquisidor o padre aferra-se em sua fé a qual, a seu ver, tudo justifica. É obrigado a assistir ao suplício de japoneses católicos e vê Garupe afogar-se, tentando salvar alguns deles. Por fim é levado a encontrar-se com o padre Ferreira, agora homem casado que renegou o catolicismo. Em vão Ferreira tenta demover Rodrigues de sua posição, explicando a ele que no Japão a cultura é outra e mesmo Francisco de Assis não teria conseguido implantar o catolicismo em sua passagem pelo país.

Mas, contra a força não existe resistência duradora. Rodrigues acaba por sucumbir justamente para salvar alguns de seus seguidores já próximos da morte sob tortura. Enfim o padre Rodrigues pisa sobre a imagem de Cristo. Passa ser um monge budista, como Ferreira havia se tornado.

Em nenhum momento Deus responde a Ferreira sobre suas constantes indagações. O silêncio de Deus ocupa grande espaço na vida desse homem preso às suas convicções. O mesmo Deus não ouvira ao próprio filho, traído por Judas, e crucificado. Pai, por que me abandonastes - dissera Jesus. O silêncio de Deus que em nenhum momento interferiu sobre a desdita do padre Rodrigues não serviu como alicerce à sua fé. Deus não respondeu às preces do padre que o invocou a todo tempo.

“Silêncio” é um filme sobre a fé que tivemos, temos ou perdemos. Retrata o conflito entre a crença e situações cotidianas às quais tantas vezes ela se opõe. Ilumina o fato de que a fé está sujeita a circunstâncias, embora seja comum negar-se essa condição.

Rodrigues vive com sua mulher e trabalha com Ferreira para impedir a entrada de materiais ligados à Igreja no Japão. Envelhece e morre. No último instante, sendo seu corpo cremado, ainda se pode ver, entre suas mãos, um crucifixo. Era um home de fé.

Velórios digitais

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Dias trás fui ao velório do filho de um amigo. Coisa triste. O pai diante da irreversibilidade do fato mostrava-se perdido. Nessas ocasiões não se sabe bem o que dizer. A todos que o cumprimentavam o pai lembrava que morte de filhos, antes dos pais, representa inversão do caminho natural da vida.

Hoje em dia os velórios acontecem fora das residências em capelas ou lugares apropriados. Em casa de minha avó havia uma sala grande pela qual passaram muitos defuntos da família. Ali se velavam os mortos. Mas, a sala também servia como ponto de encontro dos familiares que ali se reuniam para conversar e, mais tarde, para assistir televisão. Creio que foi naquela sala que vi, pela primeira vez, imagens de programas televisivos. Se bem me lembro tratava-se de um jogo de futebol narrado pelo Ari Barroso.

Mas, aos velórios. Leio que algumas funerárias atualmente oferecem cobertura digital de velórios e enterros. Filmadas em tempo real as cerimônias podem ser assistidas por pessoas em locais distantes. Segundo informa-se o novo serviço tem sido requisitado por várias famílias. Existe muito interesse quando parte dos familiares da pessoa desparecida vivem, por exemplo, no exterior. Nesse caso basta a elas acessaram o site da funerária para acompanhar as exéquias do parente desaparecido.

Para quem participou de velórios realizados nas casas das famílias os velórios digitais não deixam de parecer estranhos. Alias, o mesmo pode se dizer em relação aos casos em que opção é a cremação. Tempos atrás compareci ao enterro de pessoa conhecida e estranhei a falta da parte em que o caixão é colocado dentro da cova. No caso o caixão ficou sobre um palco e, após as despedidas, foi abaixado lentamente, até desparecer. Ora que tipo de estranhamento pode haver em relação a isso, procedimento tão comum nos dias de hoje? Talvez o fato de ter presenciado tantos enterros nos quais os caixões desciam à cova e eram cobertos com terra. Nada mais que isso.

Certa vez perguntaram-me se preferia ser cremado ou enterrado. Ainda tenho certa preferência pelo enterro. Além do que não me imagino transformado em pó dentro de um vidro, suscitando nos parentes a dúvida do lugar onde o pó deverá ser descartado.

Quanto ao velório digital espero que quando chegar a minha vez os interessados estejam presentes. Nada de filmagens e, depois, a entrega aos familiares de um DVD com imagens do meu passamento.

Torneiras secas

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No Dia Mundial da Água alertas sobre as secas no Brasil. Informa-se que alertas de seca crescem 409% em 13 anos no Brasil. O Distrito Federal enfrenta racionamento. Mesmo São Paulo, apesar das chuvas, não está livre da mesma possibilidade.

De tal forma estamos habituados à agua em nosso cotidiano que a tomamos como originada em fonte eterna. Só em períodos prolongados de estiagem - quando começam os rumores sobre racionamento - é que nos dispomos a alguma economia. Banhos mais curtos, cuidados com as torneiras, vazamentos e por aí vai.

Viver em cidades nas quais a água flui à vontade é privilégio. Entretanto, vastas áreas do país estão sujeitas a secas prolongadas. Vale lembrar que na região Nordeste existe o semiárido, delimitado pela região conhecida como Polígono das Secas. O Polígono compreende áreas de todos os estados da região, excetuando-se o Maranhão.

Imagine-se alguém que viva numa boa cidade do sul do país na qual inexistam situações de risco de racionamento. Essa pessoa usa água para beber, higiene pessoal, limpeza e outros fins. Normal. Mas, o que aconteceria a essa pessoa caso, belo dia, acordasse em qualquer parte do sertão nordestino, região da caatinga? Uma palavra resume bem o que sucederia a ela: choque.

O choque diante de uma realidade inimaginável seria inevitável. Uma coisa é ler sobre a seca, ver filmagens e fotos de pessoas morando em casebres perdidos em regiões quase desérticas. Outra é estar sob o sol inclemente, garganta seca, esperando pelo nada.

Há alguns anos circulei pelo interior da Bahia, passando por lugares nos quais a água é por demais valiosa. Presenciei a situação de gente percorrendo distâncias e carregando vasilhas para receber um pouco da água trazida, uma vez por semana, por caminhões de prefeituras. Enfrentei areais nos quais a caatinga e o sol são as testemunhas da passagem do homem. Nenhuma gota de água. Pude constatar a força do homem preso àquelas regiões nas quais o instinto de sobrevivência se revela com tanta fibra e tenacidade. Para mim aquilo se revelava como próprio inferno.

De volta à minha casa sentia-me mal ao gastar água. Parecia-me estar roubando o precioso líquido a irmãos que tanto precisam dela. De lá para cá tenho usado a água de forma parcimoniosa.

Talvez o que mais deva ser comemorado no Dia Mundial da Água seja a resistência dos homens que não a tem nas suas  torneiras.

A insegurança dos animais

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Noticia-se que vacas e ovelhas são maltratadas em transporte da Europa para paises de etnia muçulmana onde são sacrificados. Viajando em navios são comprimidos em espaços onde, em grande número, não conseguem se acomodar. Imagens terríveis de animais verdadeiramente torturados foram divulgadas.

Quando menino fui algumas vezes ao matadouro de minha cidadezinha natal. A bem da verdade aquilo era um arremedo de matadouro. Ficava nos fundos do único açougue do lugar. Prendiam o animal com cordas. Seguia- se um corte fundo no pscoço de onde jorrava o sangue. Em agonia o animal se debatia. Até morrer. Daí por diante os açougueiros operavam sobre o cadáver, separando os cortes que seriam colocados à venda. Assisti a cenas dessa natureza pouças vezes,certamente movido pela curiosidade infantil. Não me recordo de qualquer sentimento negativo em relação ao que se passava no matadouro. Precisávamos da carne. Gostávamos da carne. Ainda gosto.

Não sou vegano. Conheço veganos que se enfurecem ao ouvir falar sobre matanças de animais. Confesso que de anos para cá o sacrifício de animais tem-me incomodado. Se me lembrar de que o maravilhoso bife de chorizo à minha frente veio de um animal sacrificado para matar a minha fome sou capaz de não comê-lo.

Um conhecido trabalhou numa grande empresa na qual milhares de frangos são sacrificados, continuamente. Falava-me sobre isso com naturalidade. Na verdade ele pedira demissão porque enjoara do cheiro do lugar. Lembrei-me do tempo em que não se compravam frangos em supermercados. As galinhas eram criadas no quintal. Quando precisavam delas era só buscá-las. Chegavam à cozinha, debatendo-se como se soubessem o que as esperava. Mãos treinadas quebravam-lhes o pescoço. Destroncadas não morriam imediatamente. A agonia durava algum tempo. Depois de mortas os cadáveres eram introduzidos em panelas com água quente para a retirada das penas. Restava abrí-las para retirar as vísceras. Depois boas cozinheiras cuidavam de transformar as aves em deliciosos pratos.

Não há muito os rinocerontes estavam na lista das espécies ameaçadas de extinção. Matam-se rinocerontes na África. Caçadores procuram os chifres desses animais cujas gramas chegam a valer mais que as de ouro. Há quem as queira por acreditarem em seu efeito milagroso para a energização em homens. são também usados em esculturas.

Dias atrás bandidos agiram no zoológico de Paris. Burlando a vigilância meteram três balas na cabeça de um rinoceronte e depois usaram serra elétrica para extrair o chifre maior. O menor não conseguiram arrancar. Depois fugiram, deixando atrás de si a canificina que provocaram.

Pobres animais.

A naja chega ao Brasil

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A naja é a cobra que matou Cleópatra. Pelo menos no filme. Elizabete Taylor, lindíssima, feita a rainha do Egito no celulóide, enfia a mão dentro de um pote. Dentro dele espera-a uma naja. A picada é fatal. A amante do general romano Março Antonio - vivido por Richard Burton - morre dramaticamente. Chegam ao fim as tentativas da rainha de aliar-se a Júlio Cesar e Março Antonio para impedir os avanços de Roma sobre seu reino.

O filme é de 1963. Concorreu a vários Oscar inclusive ao de melhor ator com Rex Harrison no papel de Cesar. Há quem o considere péssima película. Mas a beleza de Taylor e o fausto dos palácios o tornaram inesquecível. Além do que a naja entrou para o imaginário popular nesta parte do mundo onde essa espécie de ofídio não existe.

A naja é agressiva e extremamente venenosa. Coloca-se em posição de ataque e consegue lançar seu veneno a 1 metro de distância. Sua picada é fatal pois suficiente para matar um elefante. Ainda bem que esse ofídio não faz parte do ecossistema brasileiro.

Entretanto, uma naja surgiu no balneário de Camboriú, em Santa Catarina. Inexplicavelmente. Reconhecida foi objeto da ação de bombeiros que tiveram muito trabalho para dominá-la. Herpetologistas consideraram verdadeiro milagre terem conseguido capturar a cobra dada a falta de material próprio para isso.

A entrada de uma naja no país é ato irresponsável. Trazida por alguém e depois abandonada representou risco para quem com ela cruzasse seu caminho. Resta torcer para que esse tenha sido o único representante da espécie a ser trazido ao país. Receia-se que outras najas tenham sido soltas na Mata Atlântica. Caso isso tenha acontecido grave desequilíbrio ecológico estará em andamento. A introdução de novas espécies dentro de ecossistemas é causa de desequilíbrio.

Ficam as memoráveis imagens de Elizabeth Taylor com a naja que a matou. Beleza e morte se juntam num momento clássico do cinema.

Já a naja encontrada em Camboriú será encaminhada ao Instituto Butantã, em São Paulo, local que abriga 30 espécies desse perigoso ofídio.

Torcer ou não torcer

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Vi aqueles soldados do Exército sendo aclamados em seu retorno a Itu onde existe um regimento. Desfilavam em caminhões pelas ruas da cidade, como heróis. A batalha contra os perigos que rondavam o futuro do Brasil fora vencida. A Revolução de 64 vingara e Castelo Branco substituíra Jango. O perigo do país tornar-se outra Cuba havia passado. Em pouco tempo os militares acertariam as coisas e devolveriam o governo nos moldes da democracia. Ninguém falava em ditatura. Tratava-se de período transitório, necessário à restauração da ordem no país.

Dois dias depois fui a um clube da cidade, acompanhando amigo que era sócio. Não sendo sócio tive que aguardar permissão para entrar. Conduzido à diretoria encontrei o presidente que era militar. O sujeito descarregou sobre mim todo o ódio que nutria pelos civis que haviam levado o Brasil à situação atual. Gritando, colocou-me para fora. Não admitia o desrespeito à ordem: que pensava eu ao tentar infringir o estatuto do clube, frequentando lugar onde não era sócio e para o qual não contribuíra com um único centavo? Ali comecei a entender o sentido da “revolução”.

Amávamos o Brasil. Amamos o Brasil. É nossa terra. Vamos ao estrangeiro, achamos tudo maravilhoso, mas de repente vem a saudade do nosso país, dessa confusão à qual estamos, infelizmente, habituados. Mas, militares ou não no controle, amávamos o nosso Brasil.

Então veio 70. O João Saldanha inventou aquela história de “feras” para designar os craques do nosso futebol. Saiu o Saldanha, veio o Zagalo, continuaram as feras. E que feras. Aquele escrete maravilhoso com Gerson, Tostão, Rivelino e Pelé. Meu Deus, Pelé. E foi o que foi.

No dia do jogo contra Uruguai encontrei um amigo na rua. Só se falava sobre o jogo de modo que puxei o assunto com o amigo. Ele me perguntou se eu ia ver o jogo. Acrescentou que torceria loucamente pelo Uruguai. Fiquei estarrecido. Então o amigo me cobrou posicionamento político. Lembrou-me que estávamos no auge da repressão, governo Médici. Tínhamos um conhecido, militante de esquerda, que tinha desaparecido. Não poderíamos torcer pela seleção cuja vitória seria utilizada pela propaganda militar como sinal de sucesso do país.

Confesso ter assistido ao primeiro tempo bastante nervoso. Meu coração dialogava com a minhas convicções numa batalha sem fim. Aí veio o gol do Brasil e meu coração venceu: eu torcia pelo nosso futebol que não pertencia a governos, mas ao povo.

Sei lá. Não sei dizer como me comportaria se vivenciasse hoje aquela situação. Ficaram as imagens da final contra a Itália e a chegada da seleção a São Paulo. A cidade saiu às ruas para receber nossos heróis de chuteiras. Fiquei perto de um viaduto na 23 de maio, esperando. Lembro-me de ter visto Rivelino e outros craques sobre o caminhão dos bombeiros. Emocionávamos às lágrimas. Tinha muita moça bonita lá, vendo a seleção passar.

Escrito por Ayrton Marcondes

7 março, 2017 às 12:54 pm

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Os mentirosos

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Lembra-se do filme “O Mentiroso”? Jim Carrey encarna um advogado inescrupuloso que mente compulsivamente. O cara não consegue parar de mentir. Até que por ocasião do aniversário do filho este pede 24 horas sem mentiras. A partir daí a vida do advogado vira de cabeça para baixo.

Ninguém pode afirmar que o novo presidente dos EUA seja mentiroso. Entretanto, acusam-no de mentir. Ele atribui à mídia a produção de “fakes” para atacá-lo. Dias atrás impediu a entrada de jornalistas de grandes meios de comunicação dos EUA na Casa Branca, acusando-os de mentir. Nega que durante a campanha eleitoral tenha feito contato com os russos. Mas, a mídia relata encontros de secretário do atual governo com o embaixador russo.

As controvérsias envolvendo o presidente e seu governo coloca em polvorosa um país dividido. Os EUA ameaçam deixar de ser o parceiro amigo tão importante para o equilíbrio mundial. Ameaça-se a liberdade de imprensa e acordos internacionais de grande importância para o mundo.

Agora o presidente acusa seu antecessor de mandar grampear o Trump Tower no período final da campanha presidencial. Obama reage, negando. Mais celeuma. Trump expressa-se pelo Twitter. É mestre em dizer o que quer através da popular ferramenta.

Eis aí um momento no qual se torna difícil saber de que lado se encontra a verdade. Talvez a solução fosse condenar todo mundo a só falar a verdade por um período de 24 horas. Como no filme os mentirosos se veriam em palpos de aranha. Mas seria bom: conheceríamos quem afinal está falando coisa com coisa e talvez pudéssemos dormir um pouco mais tranquilos.

Promessas

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Sou do tempo das promessas. Prometia-se quando o desespero batia à porta; moçoilas em idade perigosa buscavam nos santos a ajuda de que precisavam; doentes desenganados apeavam-se da falta de fé e oravam, prometendo tudo caso recuperassem a saúde. Prometia-se por mil razões. Mas, promessa é dívida. Resta sempre o cumprimento da dívida contraída com o santo de devoção.

Para os meus lados a padroeira que contava como maior número de pedidos era a Senhora Aparecida. Ainda deve ser assim. No passado as pessoas se reuniam na boleia de caminhões e percorriam o caminho até a antiga basílica da santa. Estradas de terra, serra por vezes enfrentada com correntes nos pneus para vencer o lamaçal, seguiam os devotos.

Me vem a memória o inesquecível avô - ele e o filho enganados pelo neto - ajoelhado na igreja, penitenciando-se, pedindo a solução da embrulhada. Antes fazendeiros, venderam as terras para que o neto comprasse, em São Paulo, uma máquina de ….. fazer dinheiro. Gente simples, curtida anos a fio nos labores do campo. E o rapazote a torrar o dinheiro nas boates paulistanas. O gajo era estudado. Enganou ao pai e ao avô. Deu no que deu. Ficou a imagem do velho, curvado, rezando, pedindo a Deus pelo que não poderia retornar.

Em matéria de promessa também há os que não paguem pelo favor recebido. Não se ouviu falar do homem que prometera ir a Aparecida a pé e cumpriu a promessa andando em vagões de trem durante todo o trajeto? E os que fazem promessas deixando claro que, graça recebida, outra pessoa deverá pagar pelo prometido? O jogo é vasto.

Há promessas que, pelo menos aparentemente, nada têm a ver com a religião. Conhecida atriz prometeu ficar peladíssima se o Botafogo volta-se à divisão principal. O time subiu e parece que ela não cumpriu. Agora uma modelo acaba de desfilar nua na Av. Paulista como prometera se sua escola de samba vencesse o carnaval. Título conseguido lá foi ela, cobrindo as partes íntimas apenas com purpurina. No fim disse: promessa cumprida.

Pois é: promessa é mesmo dívida.

Questão de tempo

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A Terra existe a 4,5 bilhões de anos. Agora cientistas divulgam a descoberta de fósseis datados de 3,77 bilhões de anos. São os mais distantes vestígios de vida no planeta encontrados até hoje. Trata-se de filamentos e tubos formados por bactérias encontradas em fontes termais ricas em ferro, no fundo do oceano, em Quebec, Canada.

A arte paleolítica surgiu há cerca de 35 mil anos. Consistia de figuras desenhadas em paredes de grutas e bonecos esculpidos em madeira ou pedra. Há cerca de 6000 anos a. C. os primeiros conjuntos humanos iniciaram a produção, criando animais e cultivando plantas. Essas práticas permitiram aos humanos agruparem-se em aldeias e vilas, de onde vieram as nossas primeiras cidades. A partir daí surgiriam as primeiras civilizações. Entre 5500 e 4000 anos a Suméria foi colonizada. 2000 anos a.C. florescia a Babilônia. Os assírios datam de 800 a 500 anos a.C. Já o antigo império egípcio data de 3500 a 1800 anos a.C. Rômulo e Remo fundaram Roma em 733 a.C.  O triunvirato de Júlio César, Pompeu e Crasso data de 60 anos a.C.  O nascimento de Cristo marca o início de nosso primeiro milênio.

Estamos em 2017. O mundo que conhecemos, alicerçado em avanços tecnológicos de ponta, é recente. Antes dos anos 50 do século passado ao homem comum eram inimagináveis os avanços de computadores e celulares hoje incorporados ao modo de viver em sociedade.

Mas, que dizer quando se comparam os bilhões de anos da idade da Terra, do surgimento da vida no planeta e os parcos 8000 anos em que floresceu a sociedade em que vivemos? Não é a civilização humana nada mais que um breve hiato na história de um pequeno planeta do sistema solar? Não é o caso de desconfiarmos da perenidade de nossa espécie? Existirá ela daqui a 500 anos, por exemplo?

Entretanto, parecemos não nos dar conta disso. O mundo que se nos apresenta hoje em dia é convulso. Parecem de nada ter valido duas grandes guerras para conscientizar os humanos da precariedade de nossa existência. O homem age como um ser eterno. A noção de eternidade está na raiz de nossos comportamentos para quem a ideia da própria morte parece ser descartável. Não se vive como quem vai morrer e isso é bom. Mas não se pode ignorar a precariedade da Terra em relação ao universo, a precariedade da civilização humana em relação ás mudanças geológicas e climáticas de nosso próprio planeta.

O meio-irmão do imperador da Coreia do Norte é morto num aeroporto com o uso de arma química; o novo presidente dos EUA propõe ao Congresso aumento de seu orçamento para compra de armas; terroristas matam a toda hora; bandidos estabelecem verdadeira guerra civil nas ruas… O mundo gira. O homem põe e dispõe de sua aparente grandeza. A cada momento os homens menos se entendem. Talvez dia desses optem por um cataclismo que encerre a nossa civilização. Caso aconteça isso nada mais será que um curtíssimo capítulo numa história que se conta anos na faixa de bilhões de anos.