2013 março at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para março, 2013

Amour

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Você tem medo de envelhecer? Medo da morte? Se responder positivamente às perguntas anteriores é melhor não assistir ao filme “Amour” de Michael Haneke. De fato, no filme o diretor nos conduz a um beco sem saída, colocando o casal Georges e Anne em situação para a qual não existe volta. A rotina da vida de dois velhos é subitamente quebrada por um acontecimento que se torna incontrolável. Trata-se da doença de Anne, acometida por um entupimento de carótida que não é resolvido através de cirurgia. A partir daí a saúde de Anne piora progressiva e irreversivelmente para desespero de seu marido Georges a quem resta a dura missão de cuidar dela e presenciar o avanço de sua decrepitude.

É assim que um casal aposentado de professores de música passa a viver uma dura realidade que só pode terminar com a morte. Aliás, o diretor Haneke desde logo nos adverte de que não devemos esperar por nenhum consolo na história que nos será contada: o filme justamente começa com as imagens de Anne morta em seu leito, trancada no quarto do apartamento por Georges.

“Amour” é um ensaio brutal sobre a realidade do que nos espera ao final da vida. Anne é vencida pelo esgotamento de suas forças físicas enquanto Georges a acompanha deteriorando-se mentalmente. Não há como escapar a essa via de mão única que nos conduz ao fim de tudo e a história de Georges e Anne retrata com terrível perfeição os lances aflitivos dessa última viagem.

A trama se passa dentro do apartamento em que vive o casal. Aquele que a princípio surge como um lar feliz devagar se transforma numa atmosfera progressivamente densa que a cada instante que passa oprime mais e mais aos dois velhos. Torna-se impossível avaliar de quem é o maior sofrimento: se de Anne reclusa ao leito e impossibilitada de realizar as atividades mais comuns ou se de Georges que, a cada passo, vê o mundo em que viveu ruir irreversivelmente. A vida cobra preço alto ao casal no fim de suas existências e eles nada podem fazer contra a doença e o envelhecimento.

O filme de Haneke caracteriza-se como um doloroso estudo de uma situação para a qual somos conduzidos através do envelhecimento. É na observação dos detalhes que a tragédia de Georges e Anne exibe a sua grandeza. O tempo que corre, mas na verdade parece não passar para o casal que se consome na inutilidade de sua luta contra um inimigo que não dá a eles a menor chance é, talvez, o maior aliado com que podem contar para que tudo tenha, afinal, um fim. E quando o fim não chega, quando a demora se torna insuportável, cabe a Georges agir, encerrando o sofrimento de ambos.

Uma história assim só pode ser contada com a participação de grandes atores. Jean Luis Trintignant no papel de Georges e Emmanule Riva encarnando Anne têm, ambos, atuações excepcionais.

“Amour” é de fato uma história de amor, mas que se consuma em desespero diante dos inevitáveis desdobramentos da velhice. Trata-se de um filme denso, impressionante, poético e doloroso. Georges e Anne somos todos nós e nisso reside o certo grau de mal-estar que podemos sentir ao final de um filme que escancara aos nossos uma realidade que preferimos ignorar.

Coisas de casal

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A história é bem simples. O marido enganava a mulher com a mocinha bonita, empregada doméstica deles. As traições aconteciam no período da manhã: o marido tinha o hábito de agradar a mulher, preparando o café da manhã e servindo a ela em bandeja, na cama. Todo dia o mesmo ritual: ele a acordava com um beijo e servia a ela o café matinal. Ela adorava.

Enquanto a mulher tomava o café o marido descia depressa pela escada - moravam num sobrado - e ia até o quarto dos fundos, levando com ele a empregada. A coisa durou até que, certo dia, ele se esqueceu de colocar na bandeja o açúcar. Sem açúcar a mulher decidiu ir até a cozinha para buscar o açucareiro.

Estava ela no meio da escada quando ouviu ruídos estranhos no quartinho dos fundos. Então foi até lá e pegou o marido em plena função, quer dizer unido carnalmente à mocinha bonita, a empregada doméstica deles.

Seguiu-se o esperado: caracterizada a traição entraram os advogados, fez-se a separação, tendo o marido concordado em deixar a casa e outros pertences com a mulher.

A história simples terminaria aí não fosse o fato da mulher justamente ter contratado para as funções domésticas da casa uma mocinha bonita, escolhida a dedo. Como ela esperava, o marido logo se encantou com a mocinha e terminou por ter um caso com ela. A partir daí só restou à mulher esperar pelo momento do fragrante

Hoje o ex-marido mora sozinho e acredita que por burrice perdeu tudo. A mulher vive bem. Ela trouxe para casa o rapaz com quem já se encontrava a algum tempo e avisa que pretende se casar com ele.

Essa pequena história me foi contada por uma amiga com a graça que eu não soube reproduzir.

Escrito por Ayrton Marcondes

29 março, 2013 às 12:18 pm

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A Rua do Apito

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Moro na Rua do Apito. Até a alguns meses o nome da rua era Gonçalves Ledo. Eu não sabia quem tinha sido o Gonçalves Ledo de modo que fui pesquisar. Descobri que ele atuou como jornalista e político, tendo sido importante para convencer D. Pedro no “Dia do Fico”. Como ele foi importante para o Brasil se encaminhar para a independência de Portugal então passei a gostar do nome da minha rua.

Como disse antes, o nome da rua mudou. A razão foi a instalação na portaria do meu prédio de um aparelhinho que apita toda vez que se abre o portão. O apito é agudo e me acorda todo dia às seis da manhã. Ele soa dentro do meu quarto como um chamado para a luta e eu me sinto como um soldado na trincheira que havia cochilado entre um tiroteio e outro. Demoro a compreender que não estamos em guerra, não sou soldado, não tenho armas e só queria dormir mais um pouco.

De uns tempos para cá tive a impressão de que o barulho do apito aumentou. Então tomei a decisão de gravar o som em dias seguidos. De fato verifiquei uma oscilação sendo que em alguns dias o ruído chegava a ser ensurdecedor. Só aí conclui que prédios vizinhos poderiam ter aderido ao uso do apito.

A partir daí passei a pensar na existência de uma organização que se uniu para fazer tocar os apitos de aviso nos mesmos momentos. Os executores são os funcionários das portarias que se reúnem uma vez por semana para combinar as ações. Imagino que se encontrem numa gruta, todos com os rostos cobertos para não serem identificados. Acima deles está a organização dos síndicos que coordenam as ações. Pensando bem, talvez isso tudo tenha algo a ver com ordens superiores de algum secretário da prefeitura ou do próprio prefeito. Mas, pensando melhor ainda a coisa pode ser mais complicada: as decisões podem vir do próprio governador que, aliás, recebe orientações da presidente da República. Isso mesmo: o governo do Brasil decidiu que a Rua Gonçalves Ledo deveria mudar o nome para Rua do Apito e para justificar a mudança criou um sistema que comanda os apitos que me acordam a toda manhã, pontualmente às seis horas.

Diante da grandeza do problema, não sei a quem apelar. O síndico do prédio e a empresa administradora nada podem fazer contra ordens superiores. De modo que a solução que me resta é a de mudar os hábitos que adquiri nesses muitos anos de vida: dormir cedo para estar alerta às seis da manhã.

Senhores, a loucura existe. No fundo eu só quero poder dormir mais um pouco de manhã e não ser acordado pelo ininterrupto apito que soa na portaria.

Domingo de Ramos

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Domingo de Ramos é dia de recordar minha mãe buscando ramos de plantas para leva-los à igreja.  Mamãe acordava cedo e ia à missa das 8h. Naquele tempo a rua não tinha calçamento e muita gente dirigia-se à igreja sob o repique dos sinos que anunciavam a proximidade do início da missa.

Na missa o padre lia a passagem do evangelho que descreve a entrada de Jesus em Jerusalém. Ia o filho de Deus montado num burro e as pessoas estendiam mantos para a sua passagem. Essas mesmas pessoas acompanhariam a crucificação de Jesus algum tempo depois.

O padre repisava a passagem bíblica e falava sobre a falsidade dos fariseus. Os fiéis, gente simples do campo, ouviam e oravam, pedindo perdão a Deus pelos seus pecados.

Ao final da missa o padre benzia os ramos. Então os fiéis saiam da igreja, carregando os ramos numa procissão de verde realçado pela luz da manhã. Os sinos tocavam enquanto as pessoas levavam para as suas casas as palmas bentas.

Mamãe guardava em gavetas as palmas bentas.  Não era incomum que as achássemos, tempos depois, já secas e tivéssemos os cuidados de não mexer nelas porque eram bentas.

As palmas ficavam guardadas até se tornarem necessárias por ocasião de grandes tempestades. Quando o céu se tornava negro, o dia virava noite e raios e trovões iluminavam a escuridão, então era chegada a hora das palmas. Nessas ocasiões, como de hábito, os espelhos da casa eram cobertos com lençóis, acendiam-se velas e as palmas bentas eram queimadas.

Nós nos defendíamos das intempéries e desgraças com as palmas. Por isso, era tão importante o Domingo de Ramos no qual os padres benziam palmas e outros ramos de árvores. Depois de bentos os ramos se tornavam nossos aliados contra perigos contra os quais nada podíamos.

Eram outros tempos. Eu era só um menino e para mim que bom que os ramos nos protegiam e permitiam que, nas segundas-feiras, o sol voltasse a brilhar e a vida continuasse.

A tuberculose mata

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Em menino vivi sob o estigma do perigo da tuberculose. Morávamos numa cidadezinha próxima de Campos do Jordão onde existiam vários sanatórios. Eram os tempos em que se valorizava a importância do ar puro para tratamento da tuberculose. O esquema tríplice de tratamento tornou dispensável a permanência de tuberculoses em ares montanhosos.  Os sanatórios fecharam e no lugar de alguns deles passaram a existir luxuosos hotéis.

O nosso trajeto até Campos do Jordão era feito através de bondes da estrada de ferro. Subiam os bondinhos, lentamente, a serra, fazendo paradas nas estações intermediárias. Não era incomum que nos bancos viajassem pessoas tossindo. Eram tuberculosos que iam a Campos buscar tratamento para a sua doença.

Conheci vários tuberculosos e, ao tempo em que estudava no ginásio, cruzei com muita gente emagrecida, tossindo e escarrando. Minha mãe me recomendava distância e cuidado para que não fosse contaminado pela bactéria causadora da tuberculose.

Naqueles tempos muita gente se mudava para Campos por conta da tuberculose. Campos não era nem de longe o ponto turístico badalado que é atualmente. Era a cidade da tuberculose, dos sanatórios.  Passaram-se muitos anos para que a tuberculose fosse esquecida e o bairro de Capivari se tornasse o notável polo turístico que hoje atrai tantos visitantes.

Hoje em dia fala-se sobre a tuberculose como doença que já não existe. Trata-se de um grande erro. A doença continua ativa e as estatísticas mostram que 1,4 milhão de pessoas morrem anualmente, no mundo, de tuberculose. Domingo passado foi o Dia Mundial de Combate à Tuberculose e a OMS (Organização Mundial de Saúde) chamou a atenção sobre o problema.

A tuberculose é causada pela bactéria conhecida como Bacilo de Kock. É transmitida de pessoa a pessoa enquanto o doente fala, tosse ou espirra. Qualquer pessoa pode ser contaminada embora sejam mais suscetíveis os desnutridos e os que vivem em más condições sociais. A doença afeta os pulmões, mas pode atingir outros órgãos. Os sintomas são tosse, febre, fraqueza, emagrecimento e suores noturnos. O diagnóstico se faz pela comprovação da presença do bacilo no catarro. Quando alguém está doente é muito importante que seus parentes e pessoas próximas a ele sejam examinados.

A prevenção da tuberculose é feita através da vacinação. A vacina BCG é obrigatória para crianças de até 1 ano de idade. Pessoas doentes devem seguir o traimento, lembrando-se sempre que a tuberculose tem cura.

Tráfico de dados

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O certo seria dizer “tráfego”, mas não é: vale mesmo “tráfico” porque os nossos dados pessoais não “trafegam”, eles são “traficados” por gente interessada.

Dias trás fui com a minha filha a uma empresa. A moça atrás do computador perguntou o nome dela, digitou e daí pra frente as perguntas foram todas para confirmação de dados. De fato, tudo sobre a minha filha constava do banco de dados da empresa: RG, endereço, etc. Fiquei pasmo e perguntei à moça do computador se ali também constavam dados sobre particularidades pessoais. Ela sorriu como faria uma máquina programada para sorrir diante de perguntas sem respostas.

Tempos atrás se noticiou que no centro de São Paulo vendem-se CDs com dados pessoais de milhares de pessoas. Neles pode-se fazer a pesquisa por nome, RG, CPF, etc. A privacidade foi devassada e estamos expostos a golpes inimagináveis.

Semana passada meu filho me telefonou dizendo ter recebido correspondência em meu nome enviada para o meu antigo endereço. Dias depois ele me entregou um envelope grande assinado por um advogado de uma seguradora. Dentro do envelope havia um documento segundo o qual eu teria direito a receber cerca de R$ 55 mil mais a aposentadoria de cinco salários mínimos mensais até a minha morte. Tudo isso porque na década de 80 do século passado eu teria pago um seguro durante 12 anos, descontado mensalmente de meu salário na época.

Interessante que todos os meus dados apresentados no documento eram corretos, a começar pela grafia do nome, CPF, RG, endereço etc. Além do que eu de fato havia pagado, durante alguns anos, um seguro que se dizia militar e que não passava de fraude da qual nunca fui ressarcido. A partir daí surgiu a dúvida: será?

Mas, cabra escaldado não acredita em muita banana por tostão.  Eis que resolvi pesquisar na internet e descobri que o tal advogado vem agindo livremente, enganando pessoas aposentadas das quais arranca a importância de R$ 3000,00 por conta de seus serviços. Então o interessado deposita o dinheiro e nunca mais ouve falar sobre a prometida aposentadoria.

Esse golpe vem sendo praticado nos estados do nordeste e pelo visto acaba de chegar à região sudeste. Para mim o mais espantoso é que pessoas mal intencionadas consigam, tão facilmente, apropriar-se de dados pessoais da população e os usem em seus golpes.

Hoje li que em cerca de dez anos os genomas das pessoas estarão disponíveis para quem quiser vê-los. Teme-se que a leitura dos genomas fornecendo dados sobre a possibilidade de doenças futuras venha a ser usada por empresas e seguradoras no sentido de salvaguardar os seus interesses comerciais. Nesse sentido espera-se que legislação seja criada sobre esse assunto visando a proteção da população.

Mas, cá entre nós, você acredita mesmo que leis venham a impedir o uso indevido de dados pessoais?

A lógica de um crime

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O mundo tem regras e é bom que as tenha para que possamos viver achando que estamos seguros. Você para no sinal vermelho, obedecendo a um código aceito por consenso graças ao qual o trânsito flui sem que o seu carro se choque com outros. Isso representa que estamos em acordo com determinados princípios que proporcionam a vida em sociedade. O respeito às normas garante-nos a sensação de segurança e espera-se que cada pessoa faça a sua parte na grande engrenagem do mundo, permitindo que as coisas funcionem a contento.

O parágrafo anterior ilustra o que deve se passar na cabeça de cada cidadão para quem as regras de convívio são válidas e pertinentes. Aí você liga a televisão e vê imagens gravadas por câmera de rua nas quais um homem desfere seguidas facadas num rapaz. Quando rapaz está no chão e já não reage o agressor se afasta, dando a impressão de que vai fugir do lugar onde cometeu o crime. Entretanto, depois de dar alguns passos, o agressor se volta e retorna ao corpo estendido no asfalto. Então começa a pular e chutar a cabeça do rapaz que a essa altura já deve estar morto. Depois disso, o agressor sai do campo visual da gravação e desparece, deixando, apenas, o rapaz morto no meio-fio.

Passados dois meses o agressor é encontrado e preso numa cidade diferente daquela em que cometeu o crime. A polícia divulga que o agressor já esteve preso por crime praticado anteriormente e está na rua por benefício da lei que permitiu a ele gozar de liberdade antes de cumprir o prazo estipulado na pena que recebeu.

Num programa de TV o agressor aparece na cadeia e fica-se sabendo que se trata de um rapaz de pouco mais de 20 anos de idade cuja justificativa é ter matado porque sua vítima teria falado mal dele. A notícia sobre a tragédia termina nesse ponto.

Depois que desligo a TV a imagem do agressor, retornando para chutar a cabeça do rapaz não sai da minha cabeça. Ele agride ao rapaz já sem defesa como um animal que vibra por ter dominado e matado a sua vítima. Há na ação do agressor algo de animalidade que sobressai a qualquer vestígio de sentimento humano. A cena de agressão mostra um homem que assume a condição de besta. Nenhuma regra, nenhuma lei pode detê-lo nesse momento de conquista animalesca no qual a ferocidade estravava-se num misto de sublimação e supremacia.

Para o criminoso a morte daquele que o ofendeu adquire a lógica de vingança e conquista. Ele supera ao seu inimigo como se participasse de batalha onde a apenas um dos contendores seja permitido viver. Não importa a ele se ofende as regras de convívio que aceitamos e adotamos. Acima delas está a ferocidade exacerbada e incontrolável, dir-se-ia inumana.

Você sonha?

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Nesta noite tive um sonho interessante. Sonhei que estava em férias num lugar desconhecido. Viajava num trem e não sabia em qual estação deveria descer para visitar o Museu Nacional. Tinha nas mãos um mapa que parecia nada me dizer. Pelas janelas via uma cidade bonita e, a tantas, decidi perguntar a uma senhora que se sentava à minha frente sobre a estação que me levaria ao museu. Entretanto, a mulher nada soube me informar de modo que resolvi descer numa estação ao acaso.

Assim que me vi na rua fiquei surpreso com a beleza do lugar. Ao fundo de uma ampla praça erguia-se uma igreja enorme e linda, construída em séculos passados. Ao entrar na praça voltei-me em direção oposta aquela em que ficava a igreja e vi o portal de entrada de um prédio também antigo que se assemelhava, talvez, a uma instituição católica. Curioso, entrei nesse prédio e logo me vi diante de móveis antigos, um deles tendo pertencido a um santo de cujo nome não me lembro. Depois disso acordei.

Vez ou outra sonho com coisas que não fazem parte da minha rotina. Freud dizia que os sonhos são a via mais direta de comunicação com o inconsciente. Eles são, segundo o criador da psicanálise, a interpretação dos desejos. Até hoje não consegui relacionar o significado dos meus sonhos com perdas ou satisfações ocorridas na minha infância. Em todo caso, tenho algum receio de sonhos estranhos. Conheci pessoas que diziam ocorrer a elas sonhos premonitórios como se de algum modo o inconsciente delas se ligasse à ocorrência de fatos futuros. Quando rapazote me aconteceu sonhar com um primo e, ao acordar, receber a notícia de que ele tinha morrido. Coincidência, pura coincidência, mas, em todo caso, coisa estranha.

Conheci um homem que amava muito à mulher dele a qual, infelizmente, veio a falecer. Contou-me ele que o casal tinha uma vida sexual intensa daí o grande sofrimento dele pela ausência da esposa. Pois aconteceu que depois de algum tempo esse homem passar a sonhar com a falecida esposa com a qual experimentava grande prazer em intercursos sexuais. Daí por diante nenhuma tentativa de realizar sexo com outra mulher resultou, para ele, em sucesso. À semelhança com personagens de Poe tornou-se esse homem escravo da falecida em sonhos, sendo impedido de realizar quando acordado qualquer ato de natureza sexual.

Tive contato, ainda, com um companheiro de trabalho que, casado há poucos anos, deu para sonhar que a mulher o traia. Era louco pela mulher e, devido aos sonhos, passou a ter grande ciúme dela. Essa situação agravou-se com o excesso de vigilância à qual ele submeteu a mulher. Instalou-se um clima de desconfiança crescente que se tornou insuportável. Foi assim que o meu companheiro de trabalho perdeu a mulher pela qual era apaixonado. O interessante é que, depois da separação, os sonhos de traição nunca mais aconteceram.

É possível que psicanalistas tenham explicações sobre os casos citados acima, todos de resto tratáveis através de técnicas psicanalíticas. Em todo caso é sempre bom ficar de olho nos desdobramentos dos nossos sonhos cujos significados quase sempre nos escapam.

Os 50 anos de Getz/Gilberto

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Há cinco décadas João Gilberto gravava com o saxofonista norte-americano Stan Getz o disco Getz/Gilberto considerado como marco na introdução da bossa nova nos Estados Unidos. O disco esteve em segundo lugar nas paradas dos EUA por 96 semanas e foi um dos mais vendidos no período. Era o ano de 1963 e por aqui as rádios já tocavam muita Bossa Nova, isso para desencanto de alguns sambistas da velha guarda. O grande maestro Ary Barroso certa vez comentou que compusera muitos sambas como aqueles feitos pela moçada da Bossa Nova. Mas, o samba ainda era muito cantado e ouvido naqueles bons tempos da década de 60.

Nunca assisti a uma apresentação ao vivo de João Gilberto cujos discos em vinil sempre tive a partir daquele formidável “Chega de Saudade”. Mas, assisti a Stan Getz quando veio ao Brasil e se apresentou no Teatro Municipal em São Paulo. Daquela noite guardei a impressão de que Getz talvez não fosse um monstro de seu instrumento à altura de Coleman Hawkins, por exemplo. Mais tarde tive várias oportunidades de reverter a impressão inicial através de inúmeras gravações realizadas por Getz, muitas delas realmente espetaculares. Foi ele de fato um dos grandes nomes do jazz, exímio instrumentista, excelente e criativo intérprete.

Os 50 anos de Getz/Gilberto nos devolvem as décadas de 50 e 60 quando a Bossa Nova estourou no Brasil. Nomes como os de Tom Jobim e João Gilberto ajudaram a imagem do Brasil no exterior. Por aqui nem sempre a música da turma da Bossa era bem vista. Quando da célebre apresentação dos músicos brasileiros no Carnagie Hall de Nova York, em 1962, a manchete que publicada aqui foi: “Bossa Nova desafina no Carnagie Hall”.  O “desafina” era por conta da música “Desafinado” de Tom Jobim que tornara o compositor conhecido nos EUA. De fato a apresentação em Nova York não foi lá dessas coisas, mas serviu como porta de entrada para excelentes músicos brasileiros nos EUA.

Não há como falar sobre os 50 anos de Getz/Gilberto sem lembrar-se da efervescência do final dos anos 50 e começo dos 60 no Brasil. Eder Jofre tornara-se campeão mundial de boxe, Maria Esther Bueno era campeã em Wimbledon, a seleção brasileira conquistara a Copa de 58, iniciava-se o reinado de Pelé e a música experimentava a revolução da Bossa Nova. Aí o Jânio renunciou, João Goulart foi deposto e iniciou-se a ditadura de 64 que pôs um ponto final naquele frenesi em que se vivia.

A questão Neymar

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Imagine-se na pele de um rapaz de 21 anos, ultrabadalado, relacionando-se com belas mulheres e ganhando muito, mas muito dinheiro. Imagine, também que esse rapaz seja um excepcional jogador de futebol conhecido em todo o mundo, tendo seu passe pretendido por vários times a valores exorbitantes.

Se você for capaz desse meter dentro da pele desse rapaz eleito é possível que pense que a juventude passa depressa e o tempo não volta, daí que há que se viver o momento porque em poucos anos toda a glória se tornará passado e, então, adeus ao período de idolatria das multidões.

Caso o que está escrito acima seja levado em consideração torna-se possível que se perdoe ao Neymar por alguns atrasos de treinos, noites e noites em festas e até o fato de que parece preocupar-se mais com outras coisas que com o futebol. O rapaz é simplesmente um rapazinho que joga bola e quando liga a televisão vê a sua imagem em anúncios de grandes empresas na tentativa de vender produtos que ele talvez nem mesmo conheça ou tenha experimentado. Tudo isso regado a contratos que rendem muito dinheiro. Tanto se fala dele que o Murici, técnico do Santos, implora: deixem ele em paz.

Mas, como toda profissão o futebol tem as suas exigências. Eis que se aproxima o momento da realização da Copa de 14 no Brasil e o país inteiro joga suas esperanças nas chuteiras do nosso melhor jogador que é sem sombra de dúvidas o Neymar. Quer dizer que sobre os ombros do rapaz avoluma-se um peso descomunal porque ele se transformou na grande esperança da pátria de chuteiras que não admite, de jeito nenhum, outro resultado que não a conquista da Copa. Há que se provar que somos e sempre fomos os melhores e, de uma vez por todas, passar borracha na tragédia de 50 quando o Brasil perdeu, em pleno Maracanã, para o Uruguai dos Obdulios Varelas, Gigias etc.

Entretanto, uma sombra atormenta a alma da torcida tupiniquim: até hoje o ídolo Neymar não mostrou, enquanto jogador da seleção nacional, nem ao menos parte do talento que exibe quando joga pelo Santos. Então como será a participação dele na Copa?

A pergunta acima pode ser considerada irrespondível, afinal trata-se de expectativa relacionada a acontecimentos futuros. Entretanto, não custa lembrar de que existem jogadores de time e jogadores de seleção. Quem não se lembra do ponta-esquerda Canhoteiro que fazia o diabo com a bola no São Paulo, mas não era o mesmo na seleção? E o Clodoaldo que nasceu para jogar em seleção onde realmente se transformava num invejável jogador? E o Gilmar, grande goleiro da seleção, bicampeão mundial e reserva do Cabeção no seu time?

Diante disso só nos resta torcer para que o Neymar seja como tantos que jogam bem em times e seleções. É preciso muita calma. Quem sabe dia desses o jogador santista mostra quem é de fato vestindo a camisa da seleção brasileira. Você não acha?