Bossa Nova no Carnagie Hall at Blog Ayrton Marcondes

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João Gilberto

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Em 1958 entrávamos em êxtase com a surpreendente campanha do selecionado brasileiro na Copa da Suécia. Surgia Pelé que se tornaria o rei do futebol. Eram jogadores fantásticos, atuando no 4-2-4. No gol Gilmar defendia as nossas cores. O memorável ataque contava com gente como Garrincha e Didi. Zito mandava no meio do campo.

Naqueles dias, durante a Copa, dei com o Lico na calçada da rua onde morávamos. Falamos sobre a seleção. Quem era aquele Pelé que, através das transmissões radiofônicas, ficamos sabendo tratar-se de um moleque de 17 anos a encantar o mundo com seu maravilhoso futebol?

Do futebol passamos à música. Eis que o Lico me diz que, de modo algum, aceitava o tal João Gilberto. O sujeito não tinha voz. Nem de longe se aproximava de um Orlando Silva, do Vicente Celestino, do Nelson Gonçalves, do Carlos Galhardo…

Nascia a Bossa Nova. Aquele sujeito que cantava de outro jeito, na linha do Mário Reis, mas superior a ele, entrava na vida musical do país, estabelecendo um antes e um depois nos ritmos musicais do país. Verdade que o Jhonny Alf já trazia impressões do novo ritmo. Mas, o João viera para ficar. Já ouvíramos a batida do seu violão naquele “Chega de Saudade”, acompanhando a Alaíde Costa.

O fato é que, até então, vivíamos com o samba. Maravilhoso samba. Quem não se enternecia, ouvindo Ataulfo Alves? Ismael Silva e tantos outros. E as deliciosas marchinhas de carnaval?

Mas, a Bossa Nova se impôs. Ela incorporava novas harmonias à musica, não só a brasileira como a mundial. O jazz americano não resistiu a invasão da Bossa. Lembro-me bem do noticiário, um tanto negativo, em relação à apresentação dos músicos brasileiros que levavam a bossa ao Carnagie Hall. “A Bossa desafinou nos EUA” trazia uma das manchetes. Mas, os grandes do jazz entenderam o recado. Pouco tempo depois foram influenciados pelo novo ritmo trazido por João Gilberto, Tom Jobim e tantos outros.

João Gilberto fez-se celebridade apresentando-se nas principais salas do mundo. Encarou plateias estrangeiras em palcos sofisticados. Só ele e seu violão. Deixou-nos gravações memoráveis de músicas cujas letras sabemos de cor.

Mas, como tudo passa eis que a vida de João Gilberto também se foi. Semana passada deixou-nos. Partiu com o mesmo silêncio que manteve durante toda a sua vida. Ficou essa gigantesca lacuna que só os gênios são capazes de legar quando desaparecem.

Boa viagem João.

Os 50 anos de Getz/Gilberto

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Há cinco décadas João Gilberto gravava com o saxofonista norte-americano Stan Getz o disco Getz/Gilberto considerado como marco na introdução da bossa nova nos Estados Unidos. O disco esteve em segundo lugar nas paradas dos EUA por 96 semanas e foi um dos mais vendidos no período. Era o ano de 1963 e por aqui as rádios já tocavam muita Bossa Nova, isso para desencanto de alguns sambistas da velha guarda. O grande maestro Ary Barroso certa vez comentou que compusera muitos sambas como aqueles feitos pela moçada da Bossa Nova. Mas, o samba ainda era muito cantado e ouvido naqueles bons tempos da década de 60.

Nunca assisti a uma apresentação ao vivo de João Gilberto cujos discos em vinil sempre tive a partir daquele formidável “Chega de Saudade”. Mas, assisti a Stan Getz quando veio ao Brasil e se apresentou no Teatro Municipal em São Paulo. Daquela noite guardei a impressão de que Getz talvez não fosse um monstro de seu instrumento à altura de Coleman Hawkins, por exemplo. Mais tarde tive várias oportunidades de reverter a impressão inicial através de inúmeras gravações realizadas por Getz, muitas delas realmente espetaculares. Foi ele de fato um dos grandes nomes do jazz, exímio instrumentista, excelente e criativo intérprete.

Os 50 anos de Getz/Gilberto nos devolvem as décadas de 50 e 60 quando a Bossa Nova estourou no Brasil. Nomes como os de Tom Jobim e João Gilberto ajudaram a imagem do Brasil no exterior. Por aqui nem sempre a música da turma da Bossa era bem vista. Quando da célebre apresentação dos músicos brasileiros no Carnagie Hall de Nova York, em 1962, a manchete que publicada aqui foi: “Bossa Nova desafina no Carnagie Hall”.  O “desafina” era por conta da música “Desafinado” de Tom Jobim que tornara o compositor conhecido nos EUA. De fato a apresentação em Nova York não foi lá dessas coisas, mas serviu como porta de entrada para excelentes músicos brasileiros nos EUA.

Não há como falar sobre os 50 anos de Getz/Gilberto sem lembrar-se da efervescência do final dos anos 50 e começo dos 60 no Brasil. Eder Jofre tornara-se campeão mundial de boxe, Maria Esther Bueno era campeã em Wimbledon, a seleção brasileira conquistara a Copa de 58, iniciava-se o reinado de Pelé e a música experimentava a revolução da Bossa Nova. Aí o Jânio renunciou, João Goulart foi deposto e iniciou-se a ditadura de 64 que pôs um ponto final naquele frenesi em que se vivia.

A Copa de 1962

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Eu era adolescente em 1962, cursando o Ginásio que hoje é chamado de Ensino Fundamental II. O Brasil não era nem de longe esse país emergente que hoje conhecemos. No ano anterior, 1961, o presidente Jânio Quadros surpreendera o país renunciando ao poder. Eu me lembro de estar em São Paulo logo após a renúncia de Jânio. Pairava um silêncio mortal nas ruas e o aspecto das pessoas traia desilusão. Vi, na esquina da Alameda Nothman, ao lado do Colégio Coração de Jesus, populares aglomerados numa banca de jornal, lendo as notícias. Ninguém dizia nada, houve quem saísse dali com lágrimas na face. Jânio era esperança, mostrara-se uma fraude e, agora, após a Campanha da Legalidade promovida por Leonel Brizola, Jango estava no poder.

Em 62 no Brasil vigorava no país o regime parlamentarista e um dos primeiros-ministros a chefiar o governo foi o Brochado da Rocha, cujo nome dava o que falar. No plano mundial a Guerra Fria seguia seu itinerário com a constante disputa entre os EUA e a União Soviética. No início do ano houve o episódio da Baia dos Porcos, em Cuba, que quase deflagrou uma guerra mundial que tanto se temia pelo lançamento de mísseis de longa distância. Veio daí o bloqueio continental imposto a Cuba que até hoje perdura. Os EUA mandavam no mundo mais que hoje e impuseram a expulsão de Cuba na Conferência de Punta del Este. A América Latina fez o que era lhe possível na época: curvou-se às ordens do gigante do norte.

De 1962 ficou-me o som de Stella by Starlight cantada pela voz rouca de Ray Charles. Lembro-me de que meu pai não gostava de Ray Charles porque para ele era incompreensível justamente aquela voz rouquenha num cantor. Demais. por aqui a Bossa Nova estava em alta e 62 foi o ano em que os nossos rapazes se apresentaram no Carnagie Hall, em Nova York, grande marco para a internacionalização da música brasileira. Por aqui ouvíamos também grandes intérpretes em plena atividade como Cauby Peixoto, Moreira da Silva, Nelson Gonçalves e tantos outros.

Mas, o ano de 1962 ficou mesmo na memória pela conquista do bicampeonato mundial pela seleção brasileira. Tínhamos um time invejável que perdeu Pelé na segunda partida por contundir-se, mas Garrincha brilhou e o Brasil foi campeão.

 Ontem, 17 de junho, comemorou-se o cinquentenário da vitória do Brasil sobre a Tchecoslováquia, partida final da Copa de 62. As emissoras e TV e sites da internet estão mostrando cenas da conquista brasileira nos gramados do Chile. O que é impossível transmitir é a emoção que nós, os que acompanhamos os jogos pelo rádio na época, experimentamos a cada gol do Brasil. Éramos um país confuso, imerso em disputas terríveis e endividado para o qual o futuro não passava de terrível incógnita. Habituados à condição de terceiro-mundistas e sem peso no concerto das nações nada havia que nos projetasse diante do mundo.  Foi nesse contexto que as chuteiras fizeram a diferença daí a colossal festa de recepção aos jogadores da seleção quando voltaram do Chile.

Eram outros tempos, outro o modo de encarar os acontecimentos, mas nas memórias ficou gravado o registro daquele grito imenso, enorme, que nos fez sentir superiores dentro da inferioridade que nos era atribuída diante do mundo. Apagava-se de vez o descalabro da perda da Copa de 50 em pleno Maracanã e passávamos a acreditar mais em nós mesmos. O futebol, a Bossa Nova e a nossa invejável capacidade de recuperação davam-nos força para seguir adiante, embora nem desconfiássemos do que estava  por vir naquele 31 de março de 1964 que viria a mudar a nossa história.