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A Copa de 1962

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Eu era adolescente em 1962, cursando o Ginásio que hoje é chamado de Ensino Fundamental II. O Brasil não era nem de longe esse país emergente que hoje conhecemos. No ano anterior, 1961, o presidente Jânio Quadros surpreendera o país renunciando ao poder. Eu me lembro de estar em São Paulo logo após a renúncia de Jânio. Pairava um silêncio mortal nas ruas e o aspecto das pessoas traia desilusão. Vi, na esquina da Alameda Nothman, ao lado do Colégio Coração de Jesus, populares aglomerados numa banca de jornal, lendo as notícias. Ninguém dizia nada, houve quem saísse dali com lágrimas na face. Jânio era esperança, mostrara-se uma fraude e, agora, após a Campanha da Legalidade promovida por Leonel Brizola, Jango estava no poder.

Em 62 no Brasil vigorava no país o regime parlamentarista e um dos primeiros-ministros a chefiar o governo foi o Brochado da Rocha, cujo nome dava o que falar. No plano mundial a Guerra Fria seguia seu itinerário com a constante disputa entre os EUA e a União Soviética. No início do ano houve o episódio da Baia dos Porcos, em Cuba, que quase deflagrou uma guerra mundial que tanto se temia pelo lançamento de mísseis de longa distância. Veio daí o bloqueio continental imposto a Cuba que até hoje perdura. Os EUA mandavam no mundo mais que hoje e impuseram a expulsão de Cuba na Conferência de Punta del Este. A América Latina fez o que era lhe possível na época: curvou-se às ordens do gigante do norte.

De 1962 ficou-me o som de Stella by Starlight cantada pela voz rouca de Ray Charles. Lembro-me de que meu pai não gostava de Ray Charles porque para ele era incompreensível justamente aquela voz rouquenha num cantor. Demais. por aqui a Bossa Nova estava em alta e 62 foi o ano em que os nossos rapazes se apresentaram no Carnagie Hall, em Nova York, grande marco para a internacionalização da música brasileira. Por aqui ouvíamos também grandes intérpretes em plena atividade como Cauby Peixoto, Moreira da Silva, Nelson Gonçalves e tantos outros.

Mas, o ano de 1962 ficou mesmo na memória pela conquista do bicampeonato mundial pela seleção brasileira. Tínhamos um time invejável que perdeu Pelé na segunda partida por contundir-se, mas Garrincha brilhou e o Brasil foi campeão.

 Ontem, 17 de junho, comemorou-se o cinquentenário da vitória do Brasil sobre a Tchecoslováquia, partida final da Copa de 62. As emissoras e TV e sites da internet estão mostrando cenas da conquista brasileira nos gramados do Chile. O que é impossível transmitir é a emoção que nós, os que acompanhamos os jogos pelo rádio na época, experimentamos a cada gol do Brasil. Éramos um país confuso, imerso em disputas terríveis e endividado para o qual o futuro não passava de terrível incógnita. Habituados à condição de terceiro-mundistas e sem peso no concerto das nações nada havia que nos projetasse diante do mundo.  Foi nesse contexto que as chuteiras fizeram a diferença daí a colossal festa de recepção aos jogadores da seleção quando voltaram do Chile.

Eram outros tempos, outro o modo de encarar os acontecimentos, mas nas memórias ficou gravado o registro daquele grito imenso, enorme, que nos fez sentir superiores dentro da inferioridade que nos era atribuída diante do mundo. Apagava-se de vez o descalabro da perda da Copa de 50 em pleno Maracanã e passávamos a acreditar mais em nós mesmos. O futebol, a Bossa Nova e a nossa invejável capacidade de recuperação davam-nos força para seguir adiante, embora nem desconfiássemos do que estava  por vir naquele 31 de março de 1964 que viria a mudar a nossa história.