2014 junho at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para junho, 2014

Limites da paixão

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Você viajaria a um país onde se realiza a Copa do Mundo para apenas ficar perto do estádio em que a sua seleção atuará? Pois é o que se vê nessa invasão de hermanos que vêm para acompanhar os jogos da seleção de seu país. O detalhe é que a maioria dos torcedores que chegam não possui ingressos para os jogos. Trata-se de uma romaria movida exclusivamente pela paixão.

Estamos falando de cerca de 100 mil argentinos que viajam em veículos automotivos, percorrendo milhares de quilômetros sem nenhuma possibilidade de assistirem às partidas de seu time. Semana passada a invasão se deu em Porto Alegre. Agora está se dando em São Paulo onde a seleção argentina jogará amanhã, no Itaquerão. As autoridades preocupam-se com o lugar onde esses milhares de torcedores poderão assistir à partida dado que somente no Anhangabaú dispõe-se de telão para retransmissão dos jogos da Copa.

Confesso que no sábado muitas vezes me perguntei por que, afinal, eu me submetia àquela sessão de tortura que foi acompanhar o jogo do Brasil. No último minuto da prorrogação o Chile mandou uma bola no travessão superior. Depois vieram os pênaltis. Confesso que vi os pênaltis meio escondido atrás do sofá como se o móvel servisse de anteparo entre o que acontecia na TV e a minha situação de puro desespero.

Não comemorei quando o jogador chileno errou o pênalti que garantiu a classificação do Brasil. Estava exausto, nervoso, chateado comigo mesmo. Bastaria um click no controle remoto para fugir a toda aquela situação. Mas, o coração estava preso, amarrado às chuteiras daquela turma de onze craques que vestiam o uniforme da seleção nacional. Trata-se da maldita paixão que nos torna irracionais e imprevisíveis. Por ela sofremos e, pior, não conseguimos sair da prisão que momentaneamente nos enclausura.

Portanto, não há que se estranhar essa invasão argentina à qual assistimos com olhos muitas vezes críticos. O diabo é que somos iguais, às vezes menos ou mais iguais, mas sempre iguais, capazes de loucuras em nome de uma paixão inexplicável. Entretanto, essa paixão tem seu lado positivo: ela nos faz sentir humanos, dependentes, irresponsavelmente engajados numa aventura de resultados imprevisíveis.

O futebol é uma arte irracional, que nos converte em seres muitas vezes irracionais. Os jogos nos afastam do mundo em que vivemos e nos irmanam a nossos semelhantes. Na hora do gol deixam de existir toda sorte de preconceitos: tornamo-nos momentaneamente os iguais que vivemos a afirmar que somos, os irmãos sofredores a quem interessa apenas a vitória. E dizer que essa loucura dura até o momento em que o apito do juiz encerra o jogo e somos devolvidos à realidade de nossos dias.

Avião ébrio

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Ainda o avião desaparecido da Malaysia Airlines. Aventa-se agora a hipótese de falta de oxigênio que teria causado desmaio de tripulantes e passageiros.  Antes de desmaiar o comandante da nave teria ligado o piloto automático. Assim, o avião teria errado pelos céus até o fim do combustível. A bordo pessoas inconscientes ou já mortas.

É de se pensar nessa aterrorizante possibilidade: um avião com 269 pessoas alheadas da situação dramática em que se encontravam, voando para o nada sob o comando de uma engrenagem chamada piloto automático. Tema para histórias de terror narradas pelos mais imaginativos ficcionistas.

A nova hipótese me fez voltar à memória o notável poema “Barco ébrio” do poeta francês Arthur Rimbaud (1854-1891). Cria o poeta a figura de uma embarcação liberta de seus rebocadores que narra a sua viagem em direção ao mar já sem marinheiros. Desce ela pelos rios, desgovernada, ao sabor das ondas, conhecendo paisagens, enfrentado tempestades, imersa nas brumas que anunciam novas manhãs.

Tal qual o barco ébrio de Rimbaud teria a nave desparecida da Malaysia Airlines teria seguido rotas determinadas pelo piloto automático até finamente afundar-se no mar. Destino real e terrível caso venha a ser confirmado.

Homens sem alma

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Hoje um homem de 40 anos de idade entrou no aeroporto internacional de La Paz e esfaqueou onze pessoas. A escolha das vítimas foi aleatória: o homem esfaqueava todos que encontrava pela frente. Até que foi contido por um policial a quem também feriu.

Dos feridos pelo estranho agressor nove estão internados em estado grave. Nenhum morreu. O homem está preso e dele se diz que é portador de sério distúrbio mental. Teria agido após não conseguir comprar passagem para o Chile para onde viajaria com uma mulher.

O episódio me fez voltar outro ocorrido em meus tempos de menino. Numa cidade próxima aquela onde morávamos estava preso um homem que matara nove pessoas. Trabalhava ele numa fazenda e até então jamais cometera nenhum crime. Até que num dado domingo armou-se com uma faca e saiu da fazenda em direção à cidade. Foi fazendo vítimas ao longo do caminho: esfaqueava a quem encontrasse pela frente. Até que foi detido e preso.

Julgado, o assassino foi condenado à prisão. Cumprida a pena eis que chegou o dia em que seria solto. Meu pai que o conhecera e sempre se lembrava de seus crimes teve a curiosidade de vê-lo no momento em que seria solto. Nesse dia meu pai levou-me com ele.

Não saberei descrever a cena passada em frente à cadeia da cidadezinha do interior. Lembro-me de muita gente na rua, esperando pelo momento em que o assassino serial voltaria à liberdade. Sei que às tantas a porta grande se abriu e de lá veio um sujeito envelhecido com ares pouco amistosos. No que ele apareceu fez-se enorme silêncio. O recém-liberto passou pela multidão e se intrometeu numa ruela por onde despareceu. Antes que sumisse ouviu, ainda, o grito de um homem: assassino, você matou meu pai.

Até hoje me lembro bem da face do assassino serial a quem vi por poucos instantes. Não vi naquele rosto nenhum sinal de maldade ou mesmo arrependimento. Era um rosto comum. Insosso. Na volta para casa meu pai me disse que o assassino a quem  eu vira era um homem sem alma.

Guardei na memória as palavras de meu pai. Hoje, ao ver a fotografia do sujeito que esfaqueou onze pessoas em La Paz tive a nítida impressão de que se travava de mais um pertencente à estirpe dos homens sem alma.

Hoje em dia existem muitos homens sem alma circulando por aí. Portanto, cuidado, há que se ter muito cuidado.

A força dos dentes

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De repente o jogador uruguaio Luis Suárez torna-se assunto em toda a mídia dado ter mordido um defensor italiano durante o embate entre as duas seleções. Chargistas e desenhistas de toda ordem aproveitam o fato e caem matando: Suárez aparece travestido em vampiro ou com a máscara que se coloca em canibais humanos para impedi-los de morder alguém.

O problema de Suárez é que ele não é primário: esta foi a terceira vez em que o craque uruguaio mordeu seus adversários. Destaque-se que desta vez fez isso diante dos olhos de todo o mundo que acompanha pela televisão as transmissões dos jogos. A cena é lamentável: vê-se claramente o momento em que Suárez se curva sobre o dorso do jogador italiano para cravar-lhe os dentes. Por sorte o juiz não viu e Suárez não foi expulso, fato que prejudicaria sua equipe num momento decisivo da Copa.

O gesto de Suárez fez lembrar a mordida de Mike Tyson em Evander Holyfield durante a luta de boxe pelo título mundial dos pesos pesados. A certa altura Tyson teve atitude grotesca, arrancando parte da orelha de Holyfield. A luta foi suspensa e a atitude de Tyson considerada não só antidesportiva como animalesca. Naquela época o grande campeão já deixara de ser o terrível pugilista que derrubava seus opositores logo no início de suas lutas.

E Suárez? Eis aí algo desagradável porque a FIFA não poderá deixar de punir o jogador uruguaio. Sua atitude não foi menos antidesportiva nem menos animalesca que a de Mike Tyson. Morder a um colega de profissão significa explosão irrefreável de temperamento que ultrapassa noções básicas de civilidade.

Mas, não dá para não dizer que é uma pena. A seleção uruguaia atravessa um grande momento na Copa com muitas possibilidades de se encaminhar ao jogo final. Luis Suárez é de fato um excepcional jogador como tem mostrado com suas excelentes atuações.

Perde o Uruguai, perde o futebol.

Copa em andamento

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Não me lembro de grandes críticas em relação à preparação da Copa realizada na África do Sul. Aconteceram, sim, problemas. Chegou-se a pensar que os cinco estádios em construção talvez não ficassem prontos até o início dos jogos. Aventou-se sobre a possibilidade de mudar a sede da Copa, talvez para a Alemanha que já tinha tudo preparado. Mas, se as coisas não se passaram maravilhosamente o fato é que não se ouviu falar em caos. Talvez tenha pesado na balança o esforço de Mandela para acabar com o apartheid. A África do Sul venceu uma batalha considerada impossível graças ao esforço e determinação de seu grande líder. O passado recente do país e a busca de afirmação no contexto mundial devem ter influído para a boa vontade durante o processo de construção de estádios e obras para a Copa.

Boa vontade que não se verificou em relação à realização da Copa no Brasil. O país foi apresentado no exterior como terra de ninguém, talvez com índios munidos de arco e flecha esperando pela chegada de estrangeiros invasores. Mas, o caos que os turistas encontrariam aqui, a selvageria, as intoxicações alimentares, as doenças transmissíveis, o despreparo dos aeroportos, enfim toda a desgraça prevista ainda não aconteceu. O que se vê por aí é um ambiente festivo numa Copa em que os jogos estão ótimos. Turistas estão adorando o país e fazem questão de dizer que as informações sobre perigos que receberam não correspondem à realidade. A Copa no Brasil vai surpreendendo.

É hora dos estrangeiros fazerem o mea culpa. Nós também. De tal forma divulgaram-se notícias negativas em relação ao Brasil que até nós, brasileiros, passamos a acreditar no fracasso. Falava-se em vergonha e o que se vê é que não teremos motivos para senti-la. O Brasil vai dando conta da sua realização. Verdade que isso não apaga os problemas que tivemos, ressaltando-se atropelos de última hora, obras inacabadas e gastos excessivos. Mas, leite derramado, o melhor é aproveitar a hora. E a hora é boa.

A que atribuir tanta má vontade do estrangeiro em relação ao nosso país? A velha Europa talvez ainda não tenha se despido do manto de colonizadores e civilizadores por trás do qual perdura um instinto de superioridade. O Brasil ainda é um enigma embora a imagem do país tenha melhorado muito nos últimos anos. De todo modo a Copa servirá para divulgar o nome do país no mundo. Nossas cidades serão mais conhecidas. Turistas encantados com São Paulo não imaginavam a existência de uma metrópole desse porte aqui nos trópicos. A beleza do Rio estonteia qualquer um. E que dizer de Curitiba. Manaus, Porto Alegre, Cuiabá…

No fim das contas o Brasil vai se saindo bem do sufoco. Resta saber se a seleção vai fazer a parte dela porque até agora tem deixado a desejar.

Acidentes aéreos

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Resgatados no Alaska restos mortais de passageiros e tripulantes de um avião militar que desapareceu em 1952. Seis décadas depois os restos mortais foram descobertos e a essa altura 17 corpos foram identificados. Agora as autoridades procuram pelos corpos das 35 pessoas ainda desaparecidas.

Seis décadas separam o desaparecimento da aeronave do momento em que, por caso, foram encontrados os destroços dela. Quanto ao que teria provocado o acidente e o modo como morreram tripulantes e passageiros ainda nada se sabe.

Pouco se fala nesses dias sobre o desaparecimento do Boeing da Malasya Airlines. Completam-se 100 dias desde que a aeronave simplesmente desapareceu não deixando rastros do trajeto que teria percorrido até cair. Em vão procuraram-se destroços no Oceano Índico. Não há indícios do que teria acontecido ao Boeing e aos 237 passageiros que haviam embarcado em Kuala Lampur com destino a Pequim. As buscas continuam e o mistério parece insolúvel.

Sempre tive medo de aviões. Há poucos dias embarquei no Aeroparque de Buenos Aires em voo com destino a São Paulo. Logo depois de decolarmos o comandante nos avisou de que passaríamos por zonas de turbulência. Já atingindo a altitude de 8000 metros fomos surpreendidos por uma queda do avião que perdurou por alguns instantes. Os passageiros assustaram-se. Alguns deles gritaram e vi pessoas rezando. Mas, logo a calmaria se restabeleceu e seguimos até São Paulo sem problemas.

Imagino o que possa ser estando dentro de um avião em queda livre. Não importa que tudo aconteça depressa porque cada segundo terá a duração de uma eternidade. O horror de se estar preso a uma condição para a qual não existe nenhuma saída é, seguramente, o pior tipo de horror. A caminho da tragédia inevitável que se passará pela cabeça daqueles que se descobrem perto da morte?

Aviões são meio seguro e rápido de locomoção. As estatísticas mostram ser mais seguras viagens de avião que as que realizamos com automóveis nas rodovias. Mas, essas informações em nada refrescam o temor em relação a viagens aéreas. Estar dentro de uma aeronave sem qualquer alternativa para evitar um acidente é algo de magnitude muito maior que a possibilidade de participar de outras tragédias nas quais talvez se tenha algum tipo de saída.

Envelhecendo

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Quando jovem convivemos durante anos com outros jovens dos quais ficamos amigos. Trata-se do período de estudo no qual se frequentam escolas de ensino fundamental, médio e universidade. Lembro-me com emoção da cerimônia de formatura do antigo ginásio. Tínhamos, na ocasião, por volta de 14 anos de idade e amávamo-nos com a ternura que só a primeira juventude pode proporcionar.

Terminado esse primeiro ciclo de estudos cada um seguiu seu caminho e a muitos dos que foram meus colegas nunca mais encontrei. A mesma cosia sucedeu no curso superior de longa duração e tantas amizades. Terminado curso seguiu-se a diáspora, cada um trilhando o seu caminho em função das opções profissionais que surgiram ao longo dos anos.

Mas, eis que de repente o tempo passou velozmente, na verdade décadas se sobrepuseram sem que nos déssemos conta disso. Até que um dia, quarenta, cinquenta anos depois, alguém saído do passado tem a ideia de reunir os velhos amigos e passa a procurá-los. Assim, lentamente, o grupo se recompõe. Antigas lembranças voltam às memórias e, pela internet, os velhos colegas passam a se comunicar, seguindo o mesmo padrão de conversas do passado. Os papos carinhosos evoluem até que, finalmente, o grupo decide sobre a urgência de um encontro a ser marcado para um fim de semana em lugar escolhido em comum acordo.

A essa altura das tratativas começam a surgir informações sobre famílias, número de netos, etc. Depois, aparecem as fotografias. Ao vê-las o espanto: mas, esse fulano, esse senhor encanecido é mesmo aquele tão dileto amigo, o jovem com quem em tantas ocasiões me reuni para intermináveis conversas?

A questão é que nas memórias ficaram retidas as imagens dos jovens que fomos. De repente surgem diante de nossos olhos retratos tomados quarenta anos depois, que não batem com as imagens de antes.

É quando a velhice que vivemos a driblar se abate sobre nós com força. Envelhecemos. No meu caso aconteceu de levantar-me da cadeira e ir ao espelho para ver o meu rosto. Obviamente, não pude encontrar a face que por momentos me voltara à memória. Lentamente, dia após dia, eu me transformara nesse outro que sou hoje, talvez incapaz de rever os antigos amigos e reatar conversas nunca terminadas.

Cícero escreveu o livro “Saber Envelhecer” no qual destaca a necessidade de sabedoria para dialogar com a velhice. Estabelece o grande tribuno romano o paralelo entre o que se perde com o passar dos anos e o que se ganha com a velhice. A perda da vitalidade física em muito é compensada pela conquista de atributos da alma. Nascido 100 anos antes de Cristo Cícero distinguiu-se como um linguista, tradutor e filósofo. Foi também notável orador e advogado de sucesso. “Saber Envelhecer” é uma de suas obras que chegou até nós e pode ser encontrada nas livrarias. Vale a pena ser lida.

O último cangaceiro

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Morreu neste domingo José Alves de Matos, aos 97 anos de idade. Era funcionário público aposentado. Também era o último cangaceiro de Lampião que teimava em resistir vivo. No cangaço José Alves era conhecido como o Vinte e Cinco dado ter entrado para o bando de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, no dia 25 de dezembro de 1937. Quando entrou tinha seis parentes no bando, entre eles o cangaceiro José Sereno.

Em 1997 publiquei um livro sobre a Guerra de Canudos intitulado “Canudos, As Memórias de Frei João Evangelista de Monte Marciano”. Esse livro resultou de alguns anos de pesquisa e estudo da guerra ocorrida no sertão baiano. Se bem me recordo foi em 1994 que decidi conhecer a região e me inteirar do meio tão magistralmente descrito por Euclides da Cunha em “Os Sertões”.

Aconteceu-me desembarcar em Salvador e ir de ônibus até Monte Santo - antiga Cumbe - onde me encontrei com alguns companheiros com os quais empreendi a viagem aos sertões. Perambulei pela região por cerca de um mês, passando por lugarejos e trilhas, algumas delas há muito abandonadas. Seria demasiado a esse espeço esmiuçar os detalhes daquela incrível viagem na qual pude conhecer outro Brasil, bem diferente desse ao qual estamos habituados. O sol inclemente da caatinga, a vegetação de cactáceas e outros vegetais de regiões secas, a falta de água e a desolação de um meio no qual as pessoas são condenadas à sobrevivência difícil, compunham um quadro de pobreza e falta de recursos realmente inimaginável a quem nasce e vive nas cidades do sul.

Embora o meu interesse fosse sobre Canudos a presença dos cangaceiros de Lampião permanecia viva na memória das gentes do sertão. Em cada lugarejo em que parávamos sempre encontrávamos alguém disposto a contar histórias sobre o bando de Virgulino. Falei com pessoas mais velhas que conheceram o rei do cangaço nas vezes em que ele e seu bando passaram pelos lugarejos onde viviam. Para muita gente era como se Lampião ainda estivesse vivo, errando com seus cangaceiros nas regiões desérticas do sertão. Uma tropa de justiceiros perseguida pela infatigável Volante que um dia cercou-os e matou-os.

A nós que vivemos num ciclo no qual o tráfego de informações é vertiginoso fica difícil compreender que para os sertanejos habitantes de regiões isoladas as memórias da Guerra de Canudos e do bando de Lampião permanecem vivas. Fatos envolvendo o bando de Lampião ocorridos nas décadas de 1920 e 30 do século passado continuam vivos nas narrativas locais como se acontecidos mais ou menos recentemente. A tradição oral na qual os mais velhos transmitem histórias narradas aos descendentes permanece ativa entre as populações dos lugarejos distantes do sertão.

A morte do último cangaceiro do bando de Lampião me devolve as lembranças de um mundo para nós desfeito, mas que continua vivo num Brasil que tão pouco conhecemos. Brasil pobre, zona de caatinga, carros pipa trazendo água, répteis esgueirando-se em meio à vegetação escassa, homens vestidos com trajes de couro de repente assomando-se nas  trilhas como se vindos de outros tempos ao nosso encontro.

Vaia dói

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Aconteceu: a presidente da República, Dilma Roussef, foi vaiada e xingada no Itaquerão. Pegou mal. Estavam lá autoridades de outros países, isso sem falar nas bilhões de pessoas que acompanhavam o evento pela televisão em todo o mundo.

Olhe que a presidente bem que tentou não ser notada. Não fez discurso, não se apresentou. Sabia que seria vaiada como já fora antes. Mas, não esperava os “Dilma vá tomar no seu …” e outras preciosidades utilizadas para ofendê-la.

Depois disso a presidente veio a público para dizer que já passou por momentos piores, mas é forte. Não conseguirão intimidá-la com ofensas. E Lula apressou-se em dizer que as ofensas partiram de gente das classes abastadas porque pobre não teria dinheiro para pagar o ingresso do jogo.

Os candidatos à presidência afirmaram que Dilma colheu aquilo que vem plantando. Mas, apressaram-se em condenar as ofensas. Um jornalista escreveu que os que ofenderam falaram em nome de quem não estava lá. Uma jornalista publicou que Dilma ganhara o seu voto porque a ofensa foi contra as mulheres brasileiras não só em relação à presidente.

O Brasil vai passado ao exterior imagem bem diferente daquela de povo cordato, sempre pronto a sambar num carnaval. Aliás, pergunta-se por aí que imagem, afinal, o país pretende divulgar no exterior. A Copa seria uma grande vitrine, fazendo-nos conhecidos no mundo. Mas, chegou-se a pensar no que gostaríamos de divulgar? Um publicitário de renome disse que a Copa vai fazer mal aos negócios brasileiros porque contribui para expor, publicamente, as nossas mazelas e desorganização.

Parece que nem daqui dez anos se conseguirá consenso sobre os benefícios e prejuízos advindos da realização da Copa no país. Cada um tem sua opinião e as opiniões nem sempre coincidem. Mas, problemas de parte, a Copa está acontecendo com falhas bem toleráveis. O tão temido tsunami de acontecimentos desagradáveis simplesmente não está acontecendo. No fim os aeroportos estão dando conta e só a chuva e algumas inundações estão atrapalhando. Protestos pontuais têm sido reprimidos, alguns deles com exageros de violência. Nada fora da rotina que tão bem conhecemos.

Achei que a presidente não deveria ter se pronunciado sobre as vaias e ofensas que recebeu. Obviamente, ficou incomodada tanto que precisou dizer que é forte e nada disso a abala. O problema de deter o poder é que no fim das contas se estabelece uma distância entre o que se vê e a realidade. Talvez a presidente acredite sinceramente que o seu esforço em dirigir o país a torne imune a críticas. Talvez para ela os benefícios de sua administração sejam infinitamente superiores a eventuais percalços. Talvez para a presidente essa cambada de opositores não passe de um bando de derrotistas, incapazes de ver o lado bom das coisas. Talvez. O diabo é que a realidade do lado de cá é diferente e talvez justamente por isso pessoas mais agressivas não consigam segurar-se diante da oportunidade de dizerem o que pensam à primeira mandatária do país. Fizerm-no com exageros, é verdade, mas povo é povo e massas humanas são incontroláveis, disso deve estar ciente quem está exposto a elas.

Começou a Copa

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Tem gente baixando o pau na cerimônia de abertura. Falam mal do tapete, dos dançarinos. Falam mal do índio que deveria aparecer nu. Falam mal da apresentação toda que seria resultado de tanta falta de preparação.

Acho que por ser tão patriota - coisa que vivo negando - adorei a cerimônia. Pois é, somos aquilo lá mesmo. Gente simples. Um país enorme com diversidade de costumes. País construído por gentes de ancestrais diferentes, mistura de culturas que por si só não se falam, mas se entendem como ninguém. Pais de frevo, atabaques, candomblé, Olodum, baianas girando com saias largas, matas virgens, rios imensos, enchentes. Pais de samambaias, arvoredos, pinheiros, matas fechadas, praias e mais praias. País tropical, país do samba, de mulher bonita, bumbuns saltitantes.

Pois tudo isso estava lá. Apresentando-se. Desnudando-se aos olhos do mundo. Certificando-os que assim somos nós.Com a simplicidade dos brasileiros. Fez-nos lembrar de nós mesmos. Mostrou-nos do jeitinho que somos, sem véus, sem efeitos especiais. Como bem somos nós, graças a Deus.

No campo o time fez o que pode. Ganhou com a falha do juiz que arranjou um pênalti que não houve. Mas, a rapaziada deu o sangue. E prometem melhorar. Essa turma vai crescer durante a Copa, acertar-se no jogo. Potencial eles têm. E cá entre nós: as gentes brasileiras merecem essas alegrias.

Do que não gosto é de tantos reparos. O Brasil tem críticos em demasia. Sobra gente para meter o pau em tudo. Na Copa de 58 um jornalista criticou tanto o time após a consagradora vitória contra a Suécia que quase foi linchado quando chegou aqui. Merecia. Mas, ficou no quase.

Deixem para os estrangeiros a pauleira. Agora que a Copa começou é hora de nos unirmos, ainda que falem tão alto as nossas diferenças e ressentimentos. Você não é nenhum inglês ou argentino, então pare falar tão mal do Brasil.

Escrito por Ayrton Marcondes

13 junho, 2014 às 11:19 am

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