2012 julho at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para julho, 2012

Medalha de Ouro

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Ouvi pelo rádio entrevista do ministro dos Esportes, Sr. Aldo Rebelo. Falava ele de Londres, relatando a emoção pela conquista da medalha de ouro pela judoca brasileira Sarah Menezes.  Lembrava o ministro a origem simples da judoca, natural do Estado da Paraíba, uma brasileirinha como tantos. Nela via o ministro um exemplo da capacidade de superação dos brasileiros dado que a judoca lutara contra adversários que são os melhores do mundo. Por fim confessava o ministro a grande emoção de ver a bandeira do país ser erguida e a execução do hino nacional em terras inglesas.

Excetuando-se o futebol conquistas esportivas de âmbito internacional são raras entre os brasileiros. De fato são poucos os ídolos do país praticantes de modalidades esportivas diferentes do futebol. Nas décadas de 50 e 60 do século passado Eder Jofre, no boxe, e Maria Ester Bueno, no tênis, entraram para a história esportiva do país graças às suas memoráveis conquistas.  Só anos depois vieram as grandes carreiras de Emerson Fitipaldi e Ayrton Sena, no automobilismo, e de Guga, no tênis. Isso sem falar em poucas medalhas conquistadas em olimpíadas por velejadores, judocas, atletas, nadadores e praticantes de outros esportes.

O Brasil tem pela frente difícil período na área esportiva. Sem falar sobre as obras preparatórias para a Copa do Mundo e as Olimpíadas de 2016 o país dispõe de pouco tempo para o preparo de seus atletas no sentido de que venham fazer a figura esperada de donos da casa nas futuras competições. No caso das Olimpíadas de 2016 urge o estabelecimento de planejamento nacional no sentido de estímulo ao esporte criando, assim, condições para que os nossos representantes possam competir em igualdade de condições com atletas de todo o mundo. Entretanto, é difícil acreditar que todo o atraso e falta de investimentos na área esportiva se resolvam nos quatro anos que nos separam das próximas olimpíadas.

Mas, tem razão Aldo Rebelo ao falar sobre a emoção de ver aquela mocinha de Teresina subir no pódio para receber a medalha de ouro. Desacostumados a tanto, vimos nela a nossa representante ideal , síntese dos brasileiros. Ao ver o rosto firme da moça no momento da execução do hino nacional do país pudemos imaginar o esforço, a luta dela contra as adversidades e a determinação que a conduziram à medalha de ouro. Parecia estar ela ali para lembrar-nos de que poderemos, sim, vir a ser bem sucedidos na área esportiva igualando-nos em resultados a outros países, afinal força, talento e criatividade para isso não nos faltam.

Candidatos às eleições

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Muitos brasileiros votam porque são obrigados. O voto é obrigatório no Brasil. Se você não aparece no dia das eleições tem a obrigação de justificar-se porque, caso não faça isso, poderá ter problemas no futuro. O que se espera é que ao votar o cidadão tenha plena consciência da importância de seu voto, afinal está-se a escolher alguém para representar o eleitor em cargo legislativo ou executivo. Entretanto, sabe-se que as coisas não funcionam bem assim: ao lado de uma parcela de eleitores que escolhem seus candidatos com convicção existe outra que pertence ao chamado vai-da-valsa. A este contingente pertencem os tais praticantes do voto de cabresto, os que votam para simplesmente se desfazerem da terrível obrigação e os que escolhem candidatos pela popularidade deles embora não tenham algo a ver com a atividade política,  etc. Em eleições recentes o palhaço Tiririca elegeu-se com expressiva votação a deputado federal pelo Estado de São Paulo sem que se soubesse ao certo a que viria ele durante a futura atividade parlamentar. Jogadores de futebol muito conhecidos nacionalmente, grandes ídolos do povo, elegem-se a cargos legislativos com alguma facilidade. Alguns se revelam bons políticos, mas essa parece não ser a norma mais frequente nesses casos. E não custa lembrar-se de casos passados em que animais obtiveram votação maciça do eleitorado dada a popularidade de que gozavam. Nesse caso a votação obtida pelo Cacareco tornou-se emblemática. Cacareco era um rinoceronte do Zoológico de São Paulo e foi o candidato mais votado nas eleições obtendo a soma de 100 mil votos. Votos nulos, de protesto ou o que for: o Cacareco era o maior e deu até samba de carnaval. Em 1988 o “Macaco Tião” do Zoológico do Rio de Janeiro obteve 400 mil votos nas eleições para prefeito da cidade. Não é demais lembrar de que nessa época os eleitores escreviam nas cédulas os nomes dos candidatos. Hoje em dia com o voto eletrônico votar em Cacareco e no Macaco Tião seria impossível.

Chamam também a atenção em eleições candidatos que fazem uso de nomes estranhos procurando, assim, chamar a atenção do eleitorado que passa a simpatizar com eles. Só para se ter ideia para as eleições de 2012 estão inscritos candidatos como “Lindão”, “Bixa Muda”, ”Jesus do Hip Hop” e por aí vai.

Escrevo sobre isso por duas razões. A primeira delas é por achar que o voto não deveria ser obrigatório no Brasil coisa que, talvez, mudasse um pouco os resultados das eleições. A outra é porque em viagem numa estrada vi passar por mim um carro com a propaganda de um candidato chamado “Zé Porcão”. Infelizmente não consegui ver a placa do carro para identificar a cidade onde “Zé Porcão” concorre a um cargo legislativo ou executivo. Mas, vi bem a face do Zé estampada no vidro traseiro. Sujeito de boa aparência, mais para bonachão, cara de boa gente. Pergunto-me se ele usa o “Porcão” porque é seu apelido e as pessoas de sua cidade o conhecem assim. Terá ele as suas razões para inscrever-se como “Zé Porcão”, esperando tirar vantagem disso.

Entretanto, não é estranho. Na cidade onde moro há alguns anos foi eleito vereador certo “ Zé Macaco”, figura popular que circulava pelas ruas da cidade empurrando um carrinho de mão com som através do qual fazia a publicidade de algumas  lojas. Figura folclórica e muito querida o “Zé Macaco” conseguiu ser eleito com a segunda maior votação da cidade.

Bem, o que posso desejar é boa sorte ao “Zé Porcão” em sua trajetória eleitoral.

A abertura das Olimpíadas

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Começam as olimpíadas de 2012 na Inglaterra. Acabo de assistir, pela televisão, à cerimônia de abertura dos jogos. Os ingleses mostraram o que têm de melhor na opinião dos comentaristas. A grandiosidade da abertura, a queima de fogos, os cinematográficos efeitos especiais, as músicas, a chegada da tocha olímpica, o encerramento realizado com Paul McCartney cantando “Hey Jude” e levando a multidão à loucura: que festa! Que memorável festa!

Imagino que a cada pessoa mais impressione um detalhe entre tantos que se viram.  A mim emocionou o desfile de entrada das delegações participantes, cada uma representando o seu país de origem. Foram as faces dos atletas que me impressionaram. Estavam ali representantes de todas as vertentes do gênero e espécie humana. Os muitos caminhos seguidos pela espécie em suas diferenciações adaptativas passavam, um após outro, retratando em profusão aquilo em que, afinal, nos tornamos. De brancos a negros e amarelos, de olhos claros a escuros, de ocidentais a orientais, todos estavam ali presentes numa insuperável sucessão de tipos humanos oriundos dos quatro cantos da Terra.

Essa visão, a presença do homem plasmado em todas as suas etnias foi para mim o momento mais importante da cerimônia, o mais belo, aquele em que todas as diferenças raciais, políticas e ideológicas tonaram-se quiméricas, convidando à eternidade da paz sugerida naqueles momentos.

Invenção dos gregos as Olimpíadas são muito mais que uma competição esportiva. Elas têm o poder de juntar num mesmo lugar os homens permitindo-nos verificar que as diferenças entre eles na verdade pouco importam. Eram ramos de uma mesma árvore, nutridos por uma mesma raiz aqueles que vi passarem, desfilando cada um sob as cores de sua bandeira, durante a cerimônia de abertura das olimpíadas.

A casa de Zweig

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Stefen Zweig (1881-1942) foi romancista, biógrafo, tradutor, ensaísta, poeta, jornalista e dramaturgo  de grande expressão na primeira metade do século XX. Nascido em Viena, a partir da década de 20 tornou-se um dos escritores mais publicado e lido em todo o mundo. Segundo escreveu seu “principal interesse em escrever sempre foi a representação psicológica das personagens e suas vidas e esta também foi a razão que me levou a escrever vários ensaios e estudos biográficos de personalidades bem conhecidas”.  Extremamente prolífico e traduzido em todo mundo  Zweig fez viagens a vários países tendo estado na África, América do Norte, América Central, Rússia e Índia.

Há muitos anos entrei em contato com a obra de Zweig através de um de seus livros traduzido no Brasil com o título “Os Construtores do Mundo”. Nesse trabalho Zweig traça o perfil biográfico de alguns grandes autores que não contavam com a simpatia do século XIX dadas as circunstâncias em geral trágicas de suas vidas. Um dos melhores ensaios do livro aborda a vida e obra do grande poeta alemão Friedrich Hölderlin que muito cedo enlouqueceu.

Zweig era judeu e com a ascensão do nazismo na Europa mudou-se para a Inglaterra. Em 1940, após o sucesso de várias palestras realizadas na América do Sul, instalou-se no Brasil, onde passou a residir em Petrópolis( RJ). Vivia come ele sua segunda mulher, Charlotte Altmann, vinte e sete anos mais nova que o marido. O isolamento, o afastamento do mundo cultural europeu e o medo de que o nazismo se espalhasse em todo o mundo foram decisivos para a decisão de Zweig em suicidar-se juntamente com a mulher. No dia 24 de fevereiro de 1942 o casal matou-se ingerindo veneno, sendo depois os dois encontrados mortos na cama onde dormiam.

Decorridos 70 anos desde a fatídica data de morte de Zweig a casa onde ele viveu em Petrópolis será aberta ao público como museu. A abertura do museu foi possível graças à iniciativa do jornalista Alberto Dines que, aliás, é autor de uma biografia de Stefen Zweig.  O projeto foi bancado por amigos e admiradores do escritor austríaco. Trata-se de inciativa de grande valor cultural que homenageia um escritor importante de cuja obra faz parte um livro escrito por ele enquanto viveu aqui cujo título é “Brasil, país de futuro”.

O crime do Coringa

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Um rapaz entra num cinema em cidade do estado do Colorado e começa a atirar: mata 12 pessoas, fere mais de 50, algumas ainda em estado grave. A polícia prende o rapaz e descobre que o apartamento onde ele mora está com várias armadilhas para acionamento de bombas caso alguém entre. Dois dias depois o rapaz comparece a um  tribunal e é fotografado. Cabelos amarelos e aspecto facial de alienação. Parece não se dar conta de seu terrível feito.

Ao ser preso o rapaz declarou ser o Coringa, vilão das histórias de Batman. Não por a acaso no momento dos crimes exibia-se na tela do cinema a sessão de estreia do novo filme do herói Batman. Como se sabe Batman, o homem morcego, é na verdade o milionário Bruce Wayne que teve os pais assassinados quando ainda era criança. Mais tarde o rapaz Wayne decidiu-se ao combate ao crime daí derivando várias histórias de enfrentamento com grandes vilões, entre eles o Coringa.

Há quem discuta a influencia do cinema violento no qual as cenas de assassinatos são muito comuns. Teriam as imagens de tiros e muito sangue espalhadas nas telas banalizado o fato de pessoas tirarem a vida de seus semelhantes com tanta simplicidade. É muito provável que seja assim dado que o cinema especializou-se em cada vez mais aprimorar a forma de assassinatos em cenas filmadas com alta tecnologia. Entretanto, ao ver o jovem de cabelos pintados sentado no tribunal a primeira impressão que me veio não era a de observar o assassino do cinema, mas o próprio Coringa. Eis ai um caso para análise mais profunda no qual a ilusão da fantasia pode ter se sobreposto à de realidade. Penso se o rapaz assassino tem consciência exata da extensão da barbaridade que perpetrou, da dor imensa que gerou nas famílias e no terror que implantou nas mentes da sociedade americana. Ato digno mesmo de um mestre do mal, de um Coringa saído justamente da tela de um cinema  para, em carne  e osso, executar os espectadores ávidos por  assistir à projeção do filme.

O tempo e a justiça norte-americana decidirão sobre o futuro deste terrível assassino. É possível que venha a ser condenado à morte de vez que a pena capital faz parte das leis dos EUA. Mas, o ato dele, o fato de jogar bombas de gás no cinema e sair pelo corredor central atirando contra desconhecidos ofende a noção que temos de normalidade mental e do próprio contato com a realidade. Quanto a isso só o tempo poderá nos trazer alguma resposta se é que ela existe.

Na esquina da São Gabriel

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Imagine você um jovem italiano - 26 anos de idade - que decide se mudar para o Brasil onde pretende se fixar. Ele é bancário. Marca, previamente, algumas entrevistas em busca de emprego e desembarca em São Paulo na  sexta-feira.

Dia seguinte, sábado, o italiano está dentro do carro de um amigo espanhol, andando pela cidade. Quando chegam à esquina da Rua São Gabriel com a Av. 9 de julho, um bandido, carona de uma moto, começa a bater no vidro do carro exigindo a entrega de bens. O italiano fica confuso, não entende o que o bandido está falando. Resolve abrir a porta e desce do carro para falar com o bandido. Este alveja o italiano no peito e desaparece. O italiano é levado para um hospital, mas, seis horas depois, morre.

A família do italiano – vivem no norte da Itália – declara-se abalada com a morte e pede ao Consulado no Brasil que não revele detalhes sobre a vida do rapaz. Até agora não há pista dos bandidos que participaram do assassinato do italiano e a polícia espera pelos filmes das câmeras de segurança dos prédios situados no local onde ocorreu o crime.

Um tiro no tórax: simples assim, gratuitamente, rápido desfecho para uma vida que nem chegou a começar na cidade, na verdade durou apenas 24 horas desde o desembarque do italiano em São Paulo.

Violência incontrolável

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Digam o que quiserem, desculpem-se, justifiquem-se, prometam melhora rápida, mostrem seriedade nas declarações, mas nada disso encobre a dura realidade dos dias de hoje: a violência tornou-se incontrolável.

No caos envolvendo a segurança as pessoas não sabem em quem confiar. A situação da polícia é complicada e erros previsíveis acontecem, infelizmente com vítimas. O assunto do dia é a morte de um empresário de 39 anos abordado pela polícia após perseguição por dez minutos. Quando parou o carro o empresário foi morto a tiros. Os policiais afirmam que o empresário pegou o telefone celular que foi confundido com arma daí atirarem. Uma série de erros de abordagem resultou na morte do empresário que gera protestos. Por outro lado policiais confessam em “off’ a tensão de seu ofício dadas as mortes de alguns deles pelo crime organizado. As autoridades negam tensão na polícia e chamam a atenção para o treinamento dos policiais. O governador do Estado vem a público para  garantir que tudo será apurado e os responsáveis por erros serão punidos.  Ouvimos isso e damos de ombros porque o perigo nos ronda nas ruas, e mesmo as casas já não estão seguras, vejam-se os arrastões e invasões de domicílios.

As notícias policiais têm grande destaque e ocupam a maior parte dos noticiários. Ouve-se tanta barbaridade que não há como não ter medo. Confesso que fico nervoso quando paro o carro e sou obrigado a ficar dentro dele, seja para estacionar na rua, seja em congestionamentos. Todo mundo sabe que a bandidagem não dá o menor valor à vida e atirar tornou-se exercício simples, hábito, quase brincadeira. A todo instante repete-se que as leis brasileiras estão desatualizadas não correspondendo ao que hoje se necessita para combater a criminalidade.  Bandidos matam para exercitar o poder de tirar a vida, por simples prazer e desamor.  A eles não importam as tragédias familiares decorrentes de seus atos. Agem animalescamente porque sabem que não ficarão muito tempo presos, mesmo quando condenados. Criminosos gozam de benefícios, indultos, folga para o natal em casa etc. Saem das prisões para o natal e matam pessoas no mesmo dia.

Está circulando na internet um vídeo no qual um idoso está no caixa de um supermercado quando chega um bandido para assaltar. O idoso tem a infeliz ideia de brincar com o rapaz assaltante dizendo a ele que é um policial. O rapaz não tem a menor dúvida: encosta o revólver na cabeça do idoso e atira, matando-o.

O que mais impressiona em relação à criminalidade já nem é o fato de estarmos expostos a ela. O mais impressionante é que a aberração dos crimes praticados em grande quantidade passou a ser “normal”, parte do cotidiano. Já não nos lembramos dos tempos em que a vida era mais segura e não só se dizia como se praticava o axioma “lugar de bandido é na cadeia”. Hoje as cadeias estão superlotadas e menores infratores cometem crimes em série, mas se refugiam num código ultrapassado que os devolvem à liberdade aos dezoito anos de idade.  Há tanto crime que talvez as autoridades estejam perdidas em relação ao modo de colocar um fim a este triste e terrível estado de coisas.

Imagens que não se plasmam

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Vi a foto de um homem que tem 89 anos e até poucos meses atrás esteve bem de saúde. De repente dores nas pernas, dificuldade para andar e o diagnóstico: câncer.

Ele teve câncer no intestino diagnosticado há dez anos. Fez cirurgia, quimioterapia e foi dado por curado. Agora a doença retorna e de forma terrível. Os médicos informam que o paciente tem metáteses nos ossos, nos órgãos abdominais. Ele reclama de dor, muita dor e não sabe o que o espera. Ativo como sempre foi acha que a situação é temporária, isso vai passar e logo poderá voltar a andar por aí.

O que não bate nesse quadro é a sobreposição das imagens do passado com a de agora. Eu conheci esse homem quando ele tinha pouco mais de quarenta anos de idade. Sujeito forte, disposto, pau para toda obra, solidário e grande camarada. Viajou por este Brasil, dirigindo caminhões com cargas do governo. Conhecedor de rotas, mestre do volante, contador de histórias ouvidas e vividas nas churrascadas de beira de estradas.

Hemingway escreveu que a vida dobra qualquer um, mesmo aqueles que continuam fortes nas partes dobradas. Do homem de quem falo parece que a vida insiste em dobrá-lo ainda mais, embora ele resista. Morrerá resistindo, não aceitando o fim, querendo-se o forte de sempre, intrépido, talvez achando que de um momento para outro poderá se levantar e entrar no caminhão para levar cargas do governo a rincões distantes no Brasil.

Morrerá lutando contra a luz que quer se pagar, recusando a tornar-se passado.

A tentação do smartphone

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O meu celular não é um smartphone. Trata-se de um aparelhinho da Nokia com telinha na qual aparecem os ícones de algumas poucas funções. É pequeno, cabe bem no bolso da calça e posso dizer que dá bem para o gasto. Não filma, mas permite tirar fotos de baixa qualidade. Com grande esforço é possível acessar a internet, mas isso não dá muito certo porque a tela é de fato pequena. No mais permite armazenar na memória os telefones para os quais ligo com frequência e tem um joguinho de destruição de blocos que ajuda a manter a paciência em ordem nas salas de espera de médicos.

O problema - ah o problema! - é que agora todo mundo tem um smartphone. Falam-se maravilhas sobre os smartphones, a começar pelo fato de que você simplesmente não se pode negar a essa modernidade que o coloca na primeira linha das engenhocas eletrônicas. Os smartphones filmam em full HD e permitem fotografar com qualidade para impressão. Acessam a internet facilmente daí que o usuário dispõe de notícias em tempo real, isso sem falar na troca de mensagens e e-mails. No fundo são muito mais que telefones, aliás, telefonar é a função mais básica deles. Isso sem falar na infinidade de aplicativos disponíveis para downloads. O proprietário de um smartphone tem à mão a possibilidade de escolher os aplicativos de seu interesse, inclusive os que podem ajudá-lo profissionalmente. Pode, também, falar em tempo real com outra pessoa vendo a imagem dela através de um programa chamado Skype.

Fantásticos esses smartphones, não? E como são lançados modelos cada vez mais eficientes e aperfeiçoados deles. Daí que causam verdadeiro encantamento nas pessoas conforme qualquer um pode verificar ao passar defronte uma loja que vende telefones. Em geral é preciso pegar senha e esperar bastante para ser atendido por um funcionário das companhias telefônicas. Sempre tem gente esperando na fila, caso queira você pode observar de perto a febre que os smartphones despertam nos consumidores.

Mas, volto ao começo: não tenho um smartphone e resisto bravamente a adquiri-lo. Não se trata de implicância, nem resistência a fazer parte do modismo. Confesso que dá para perceber o olhar de reprovação de algumas pessoas quando toca o meu celular e tiro do bolso o meu pobre Nokia. Mas, que se danem esses metidos. Para mim o problema de passar para o smartphone é me convencer de que de fato preciso dele. Acontece que o meu celular dá conta das minhas pequenas necessidades em relação à telefonia. Então, se tudo está bem, por que mudar?

Escrevo sobre isso porque dias atrás tive a oportunidade de manusear um smartphone durante algum tempo. No começo achei aquilo tudo uma grande bobagem, mas essas engenhocas foram inventadas para atrair o desejo até mesmo dos usuários mais resistentes. Pois não é que, de repente, notei que estava me adaptando ao smartphone, achando-o muito interessante?

Agora estou na fase da dúvida. Ontem me peguei olhando para o meu velho celular com algum enfado.  Nele não recebo notícias em tempo real, não posso usar o Skype, nem tenho joguinhos para matar o tempo…

Ihhhh….

Dona Maria

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Passou por aqui a Dona Maria, primeira funcionária contratada na empresa onde trabalho há 30 anos. Lembro-me bem da primeira vez que a vi, surgida do nada, sem ser chamada. Viu a porta aberta, entrou, disse que queria trabalhar. Perguntada sobre o que fazia torceu a boca e respondeu: o que vocês mandarem.

Passou pela limpeza, produção de café e lanches para funcionários, um punhado de funções menores, mas de suma importância, essas coisas nas quais não se presta muita atenção, mas que, sem elas, nada funciona.

Dona Maria é da casa pela qual sempre teve e tem grande amor. Acompanhou pessoas que trabalharam na empresa ao longo dos anos e guarda na memória o nome de cada uma delas. Há dois anos a saúde dela baqueou daí ter-se afastado. Conta sobre dores nas pernas e nos braços e percebe-se alguma dificuldade respiratória nela enquanto fala.

Pergunto a Dona Maria sobre a idade dela. Ela me diz que se viver até setembro completará 69 anos. Brinco com ela perguntando quando retornará ao serviço. Ela sorri e avisa que talvez nunca mais volte porque a saúde não vai deixar. Diz isso e sorri. Acrescenta que é a mais velha entre seus irmãos daí que será a primeira a partir para o outro mudo.

Dona Maria passou bem uma meia-hora comigo. Falou mais de mortos que de vivos, do neto de quem cuida e agora tem 11 anos de idade. O menino é autista e ainda não fala. Adora rasgar papel e isso exige muito cuidado. Ontem mesmo pegou a bolsa de D. Maria e rasgou documentos dela mais duas notas de 20 e uma de 10 reais.

Para animar digo a Dona Maria que ela ainda vai viver pelo menos mais 30 anos. Ela ri. Depois, séria, diz que não quer morrer até ver o neto falando e sendo capaz de se virar no mundo.

- Ele já entende as coisas. Antes quando entrava num comércio pegava coisas e ia saindo. Agora já sabe que é preciso pagar: pega e vai para o caixa comigo. E está na escolinha que só têm autistas. Pensei em colocar ele numa maior, de inclusão, mas hoje em dia tem muita criança malvada e poderiam judiar dele.

Dona Maria se despede de mim com um abraço. Já não é a mulata forte e decidida que certo dia entrou no prédio e se ofereceu para trabalhar. Mas, o coração é o mesmo, com a bondade de sempre e a resistência que a faz suportar sem reclamar as vicissitudes da vida.

Escrito por Ayrton Marcondes

18 julho, 2012 às 12:51 pm

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