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Dona Maria

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Passou por aqui a Dona Maria, primeira funcionária contratada na empresa onde trabalho há 30 anos. Lembro-me bem da primeira vez que a vi, surgida do nada, sem ser chamada. Viu a porta aberta, entrou, disse que queria trabalhar. Perguntada sobre o que fazia torceu a boca e respondeu: o que vocês mandarem.

Passou pela limpeza, produção de café e lanches para funcionários, um punhado de funções menores, mas de suma importância, essas coisas nas quais não se presta muita atenção, mas que, sem elas, nada funciona.

Dona Maria é da casa pela qual sempre teve e tem grande amor. Acompanhou pessoas que trabalharam na empresa ao longo dos anos e guarda na memória o nome de cada uma delas. Há dois anos a saúde dela baqueou daí ter-se afastado. Conta sobre dores nas pernas e nos braços e percebe-se alguma dificuldade respiratória nela enquanto fala.

Pergunto a Dona Maria sobre a idade dela. Ela me diz que se viver até setembro completará 69 anos. Brinco com ela perguntando quando retornará ao serviço. Ela sorri e avisa que talvez nunca mais volte porque a saúde não vai deixar. Diz isso e sorri. Acrescenta que é a mais velha entre seus irmãos daí que será a primeira a partir para o outro mudo.

Dona Maria passou bem uma meia-hora comigo. Falou mais de mortos que de vivos, do neto de quem cuida e agora tem 11 anos de idade. O menino é autista e ainda não fala. Adora rasgar papel e isso exige muito cuidado. Ontem mesmo pegou a bolsa de D. Maria e rasgou documentos dela mais duas notas de 20 e uma de 10 reais.

Para animar digo a Dona Maria que ela ainda vai viver pelo menos mais 30 anos. Ela ri. Depois, séria, diz que não quer morrer até ver o neto falando e sendo capaz de se virar no mundo.

- Ele já entende as coisas. Antes quando entrava num comércio pegava coisas e ia saindo. Agora já sabe que é preciso pagar: pega e vai para o caixa comigo. E está na escolinha que só têm autistas. Pensei em colocar ele numa maior, de inclusão, mas hoje em dia tem muita criança malvada e poderiam judiar dele.

Dona Maria se despede de mim com um abraço. Já não é a mulata forte e decidida que certo dia entrou no prédio e se ofereceu para trabalhar. Mas, o coração é o mesmo, com a bondade de sempre e a resistência que a faz suportar sem reclamar as vicissitudes da vida.

Escrito por Ayrton Marcondes

18 julho, 2012 às 12:51 pm

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