2009 junho at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para junho, 2009

As novas mídias

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Mande notícias do mundo de lá – diz a música de autoria Milton Nascimento e Fernando Brant. Notícias chegam, impactam, envelhecem e passam. Em curto período de tempo fomos bombardeados pela queda do Airbus no vôo 447, a crise do Irã, a crescente corrupção do Congresso brasileiro, a morte de Michael Jackson e milhares, milhares de outras notícias menores que dançam nas páginas de jornal e revistas além de ocuparem enorme espaço nos sites da Internet.

Dos jornais que chegavam da Europa através de navios às velozes notícias trazidas pelo cabo submarino no século XIX, pulamos para a instantaneidade dos meios de comunicação atualmente verificada. Mais interessante é o fato de as mídias disponíveis abalarem o monopólio de informações até agora de posse de grandes empresas de comunicação ou mesmo governos. O caso do Irã onde, apesar da restrição governamental, notícias e fotos sobre a crise são divulgadas por pessoas comuns, via Twitter ou outros meios, é só mais um na nova história que está sendo escrita sob o ponto de vista de observadores não credenciados.

De repente, acontecimentos nos são mostrados por informantes ocasionais que muitas vezes se limitam à transmissão pura e simples de fatos, sem crítica e até mesmo sem grande envolvimento. A febre da fotografia digital, a possibilidade de filmar qualquer pessoa ou acontecimento com um simples telefone celular e enviar o arquivo na hora sob a forma de torpedo instala uma nova fase nas relações humanas.

Não por acaso temos sido acossados por informações sobre fechamento de jornais e revistas e mesmo os livros estão sendo ameaçados por versões eletrônicas. As novas gerações estão à beira de substituir o prazer de abrir e folhear as páginas de um livro por um simples click de mouse ou o aperto de um botão.

Geram-se assim novos homens e uma humanidade que vai se distanciando de si mesma. Se isso é bom ou mau? Ao futuro pertence a resposta. Quanto a mim, só peço que não me seja tirado o prazer de ler livros impressos no bom e velho papel. Ontem mesmo reli partes daquela biografia de Charles Baudelaire escrita por Jean Paul Sartre. Esse livro pertenceu à minha família e hoje faz parte da minha pequena biblioteca. O curioso é que um seu antigo leitor deixou nas margens varias anotações sobre o texto. Esse leitor que tão bem conheci morreu há muito tempo, mas suas anotações me permitiram contato póstumo com ele. Não pude concordar com tudo que deixou escrito com sua letra miúda, mas no geral aceitei as suas ponderações.

Foi assim que nos reencontramos, eu e o falecido, alta madrugada, nas margens de um velho livro.

Escrito por Ayrton Marcondes

30 junho, 2009 às 10:48 am

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Infeliz e no escuro

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Convenhamos: Bruce Willis é “o cara”. Bonito, sensual, perfeito nos papéis que representa no cinema. A série de filmes “Duro de Matar”, estrelada por ele, arrastou milhares de pessoas para as salas de exibição. Mas Bruce é ator talhado para filmes em que o bandido que ele representa é um bom sujeito ou naqueles em que sua personagem é envolvida por um grande mistério como em “Os Sete Macacos” e “O Sexto Sentido”.

Bruce Willis está conosco desde os tempos da série televisiva “A Gata e o Rato”. Foi casado com a atriz Demi Moore e ganhou muito dinheiro. Ele tem até uma estrela na Calçada da Fama. Convenhamos: uma cara assim, com essa bola toda, só pode ser realizado e muito feliz. Sua vida deve ser uma espécie de sonho do qual é difícil acordar. A coisa toda deve ser tão boa que justifica a pergunta: você não gostaria de ser um cara como Bruce Willis ou pelo menos de ter uma vida com a dele?

Pois acredite: dias atrás Bruce Willis, que acaba de se casar, veio a público e declarou:

- Eu passei os últimos dez anos da minha vida solteiro, e a maior parte do tempo infeliz, num lugar escuro.

Quem? O Bruce Willis disse isso? Deve ser piada dele, o cara simplesmente tem tuuuudo. Só pode ser coisa de ator, dirão. Vai ver ele estava com o saco cheio dos repórteres e disse qualquer coisa bombástica para se livrar deles. Paparazzi é um inferno mesmo, não?

Senhoras e senhores é hora de dizer que a vida passa e se a pessoa não se cuida chega o momento da capitulação das ilusões. Nesse pórtico só há salvação quando certos valores básicos, coisas rotineiras para as quais não damos a menor importância ou achamos piegas demais, prevalecem. Talvez por desprezar esse fato muitas pessoas errem por aí solitárias, infelizes e no escuro, ainda que por vezes muito bem acompanhadas. Deve ser isso que aconteceu ao Bruce e ainda bem que ele parece ter dado a volta por cima.

Mas isso tudo está tomando um jeito abominável de conselho sentimental, papo cabeça, recomendações de oráculo, lição de vida etc, coisas que quase sempre não funcionam. Daí que termino intrigado com essa declaração do Bruce: cá entre nós, por mais verídica que seja não dá para acreditar.

Cara, com o Bruce, não. Para!

Escrito por Ayrton Marcondes

28 junho, 2009 às 10:18 am

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Michael Jackson

com 2 comentários

michael-jacksonMichael Jackson cantou e dançou entre o real e o imaginário. Pertencia ele a um reduzido grupo de ícones do show business os quais simplesmente não podem ser de verdade. De fato, no mundo real parecem inexistir condições para a realização das várias figurações que Jackson assumiu ao longo de sua vida. Basta-nos lembrar que aos nove anos de idade ele já era uma estrela e observar as fases de sua ascensão para concluir: ele não poderia ser de verdade, gente como nós, de carne e osso.

Talvez por isso sua momentânea ausência esteja sendo tão chorada pelos seus fãs. Momentânea?  Ora Jackson morreu, é para sempre, dirão. Pois o caso do rei do pop é diferente: estávamos tão distantes de sua existência real e física que a morte nada mais faz do que abalar, temporariamente, as imagens do homem que canta e dança, fazendo o delírio das multidões.

Leio num jornal que Jackson morria na medida em que perdia a sua cor. Não é verdade. Jackson sempre foi um curioso caso de hibridização. Não seria preciso assistir ao desfecho de sua vida que hoje se nos apresenta para conhecê-lo. Ele não pertencia a esse mundo, à espécie comum que anda por aí. Em seu corpo e espírito travavam-se mutações contínuas fazendo dele um ser sem partido, mistura continua de dois lados, híbrido de branco e negro, híbrido de homem e mulher, talvez nada mais que uma experiência natural, um avanço no sentido de converter o homem em arte.

Sendo assim, a realidade nada mais foi para ele que uma mistificação. O “tudo pode” do mundo imaginário e o requinte do traçado impressionista a que entregava o seu corpo contrastava com a exigência de coerência de um mundo cartesiano, moldado entre eixos de cálculos que se querem precisos para acomodar a variedade da natureza humana.

Vai daí que Jackson não poderia dar certo. Mágico e oráculo da ilusão, Jackson digladiou-se com a imposição de uma realidade para a qual não foi feito ou preparado.  Bem que tentou compor-se com ela exacerbando-se em generosidades que contrastavam com erros primários determinados por seus instintos básicos, impossíveis de afogar. A visibilidade de ídolo contribuiu para que os olhares nunca o deixassem em paz e o flagrassem em desvios mínimos nos quais, finalmente, revelava-se a sua face humana.

Foi, assim, um incompreendido. Apaixonou multidões com sua arte, fez escravos, tornou-se rei inconteste. Obrigado a viver quando deveria, talvez, ter sido um anjo – bom ou mau que interessa? – não soube e nem pode compor-se com o mundo. Andou por aí desgarrado, sublimando-se em movimentos rítmicos, outro Nijinsky só que com outra loucura.

Dizem por aí que Michael Jackson morreu. Não acredito: seres imaginários não morrem. Eles vivem nos vídeos, comandando-nos através de controles remotos.

Escrito por Ayrton Marcondes

27 junho, 2009 às 10:51 am

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Vida no espaço

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Volta e meia as atenções se voltam para a possibilidade de vida no espaço. A nossa solidão dentro da vastidão do universo incomoda e estimula a imaginação. Filmes sobre ataques de alienígenas fazem sucesso destacando-se neles a curiosidade pelo aspecto dos extraterrestres. Como são eles? Falam as nossas línguas? De uma coisa estamos certos: já que chegaram aqui, vencendo formidáveis distâncias espaciais, só podem ser mais evoluídos que o homem.

Até o momento a ciência tem como estabelecido que a vida surgiu em nosso planeta há cerca de 4,5 bilhões anos. O mais provável é que os primeiros seres vivos fossem microscópicos e resultantes da união de moléculas que reagiram entre si e se organizaram através de uma sequência de eventos proporcionados pelas condições primitivas da Terra. Depois disso, uma longa história de evolução permitiu a diferenciação progressiva de espécies até o aparecimento das que atualmente conhecemos.

Entretanto, existem hipóteses de que a vida tenha vindo do espaço sob a forma de microrganismos que sobreviveram nos mares primitivos. Contra elas labora o fato de que, durante a travessia espacial até a Terra, essas formas primitivas de vida encontrariam barreiras como altas temperaturas que as destruiriam.

O fato de a vida ter sido gerada em nosso próprio planeta não exclui a possibilidade da existência de seres vivos fora daqui. Frequentemente recebemos notícias sobre a possibilidade  da existência de água em outros planetas, condição favorável pelo menos ao  surgimento de vida. Mais recentemente cientistas fizeram reviver uma bactéria, batizada com o nome de Herminiimonas glaciei, a qual esteve adormecida sob o uma montanha de 3 km de gelo na Groenlândia durante 120.000 anos. Além de fornecer importantes informações sobre a vida em nosso próprio planeta a bactéria ressuscitada demonstra que seres semelhantes podem ter sobrevivido em condições semelhantes em outros planetas.

A volta à vida da Herminiimonas glaciei pode parecer, à primeira vista, pouco importante. O fato é que sempre esperamos provas contundentes como a comprovação de que naves extraterrestres já estiveram na Terra deixando por aqui alguns de seus tripulantes, aqueles que os governos teimam em esconder. Seria esse, talvez,o caso de Roswell que tanto pano para manga tem dado termos de ficção. Entretanto, nunca será demais lembrar que todos os fatos relacionados ao aparecimento da vida levaram bilhões de anos para acontecer.  A civilização em que vivemos teve seus primórdios cerca de 6000 AC. Antes disso os nossos ancestrais vagavam por aí e ainda procuramos detectar com precisão o momento em que puderam realmente ser caracterizados como pertencentes à espécie Homo sapiens. Por essa razão, cada passo no sentido de esclarecer o surgimento da vida na Terra ou a possibilidade de existência dela em outros corpos celestes será sempre um enorme avanço.

Escrito por Ayrton Marcondes

26 junho, 2009 às 11:22 am

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Futebol e crise

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Está acontecendo no Irã: a crise política em que o governo é acusado de fraude nas eleições chega ao futebol. Os jogadores que usaram fitas verdes (sinal de simpatia com a oposição) estão banidos para sempre da seleção nacional do Irã. Entre eles está o melhor jogador e ídolo do país.

Coisa sempre indefinida é o tal termômetro da crise. Na economia, por exemplo, ele quase nunca funciona. Especulações aparecem e analistas se debruçam sobre índices, mas o cara que lê o jornal fica sempre com a sensação de estar num barco sem rumo, governado pela força das ondas. Além disso, todo mundo sabe que economista no leme é sempre um perigo.

E para as crises no futebol, existe termômetro? Creio que vários deles possam ser citados, mas o melhor é representado pela torcida dos outros times. Quando torcedores rivais diminuem a gozação e mostram certa pena do time para o qual torcemos fica claro que a crise é tremenda.

Isso é o que está acontecendo com o São Paulo atualmente. No início as derrotas do time vencedor causaram frisson nas torcidas adversárias. Mais resultados ruins e a demissão do técnico campeão tiraram um pouco a graça das gozações. Derrota que vira rotina é desgraça e aí o torcedor adversário começa a se ver chutando cachorro morto.

Na cabeça dos torcedores do São Paulo a crise vai passar, tem que passar e logo. Entretanto, outra nuvem negra paira sobre a nação tricolor. Trata-se da opção de o clube empenhar-se na reforma do Morumbi, gastando uma fortuna que não possui. A própria diretoria já avisa que os gastos da reforma exigida pela FIFA refletirão sobre o elenco. Aí sim a torcida poderá ter idéia do que é uma verdadeira crise, com termômetro ou sem ele.

Os mais novos não sabem, mas durante a construção do Morumbi o São Paulo ficou alguns anos sem dar alegrias à sua torcida. A coisa ficou muito feia. Para que se tenha idéia, anos depois o presidente do clube na época da construção do estádio, Laudo Natel - depois governador do Estado de São Paulo - contou que certo dia, ao chegar em casa, depois de uma partida em que o São Paulo venceu o Taubaté, ouviu da sua mulher a seguinte pergunta:

- Quanto foi?

- 5 a 1, respondeu ele.

E ela:

- Quem fez o nosso?

Então é isso. Existem coisas um tanto difíceis de compreender para o cidadão comum. Afinal, na ponta do lápis qual é a relação de custo/benefício com a realização da Copa do Mundo no Brasil? Para um clube particular como o São Paulo que vai custear a reforma do estádio, como fica a situação? E para o Brasil, país no qual impera a desigualdade social e onde setores como a educação, a saúde e a segurança reclamam grandes investimentos o que representa a realização da Copa do Mundo?

Respostas e cálculos devem existir, certamente vantajosos para as partes envolvidas. Se tudo estiver em acordo, ótimo. Afinal, a nossa paixão pelo futebol não tem limites.

Escrito por Ayrton Marcondes

25 junho, 2009 às 11:24 am

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Falando com o futuro

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Um homem está diante de uma filmadora, resolvido a gravar impressões sobre coisas que venham à sua memória. É o dia do seu aniversário, data em que se torna, finalmente, um sexagenário. A idéia é realizar um depoimento que, talvez um dia, venha a ser visto pelos seus descendentes. Anima-o não ter conhecido os seus avós: o que não daria ele para receber agora uma mensagem de seus antepassados, vê-los em suas plenitudes, enfim conhecê-los?

O projeto parece-lhe interessante, talvez seja um meio de preservar valores, estabelecer identidades, quem sabe alertar as gerações futuras sobre a solução de embaraços vivenciados anteriormente. Além disso, não se trata de coisa que se faça sem emoção: é para um público ainda inexistente que o homem se dirigirá, gente desconhecida, mas que, espera ele, pertença ao seu clã, carregue em seu genoma pelo menos alguns de seus genes.

Os primeiros momentos diante da filmadora são de absoluto silêncio. A imagem do homem vai sendo gravada e ele percebe que está sendo observado pelos olhos do futuro. Então sua condição lhe parece inevitavelmente retrógrada. Diante da filmadora ele se converte, a um só tempo, em presente e passado. Passa-lhe pela cabeça que talvez esteja se expondo ao ridículo e possa ser, no futuro, objeto de troça de seus próprios parentes. Que terá feito ele na vida para deixar como legado às gerações futuras? Que experiências acumulou que possam acrescentar algo à existência dos que o assistirão? Poderá ele ser honesto em suas declarações, ainda que obrigado a omissões de alguns desvios, mesmos aqueles que lhe foram impostos pelas circunstâncias?

O que segue é um breve currículo pessoal, comentários sobre pessoas próximas, um breviário sobre atuação profissional e impressões desarrumadas sobre a sociedade globalizada. Uma pitada sobre a violência, outra sobre crises econômicas, um recuo na história recente, a declaração de amor ao time de futebol preferido, um rascunho sobre a corrupção e explicações sobre a mudança de hábitos proporcionada pelos incríveis avanços tecnológicos verificados nos últimos anos. Há também pausas, numa delas a presença de lágrimas diante da idéia romântica de que quando isso for assistido ele não estará mais aqui. O deixar de existir e a permanência de sua imagem num futuro incerto o emociona.

Como termina? Deixo o fim em aberto. Pode ser que o homem se enforque em seguida, daí o filme ter sido o seu modo de despedir-se do mundo; também pode ser que o homem desligue a filmadora e guarde o filme para que seja visto no futuro; e existe a possibilidade de que ele simplesmente conclua sobre a inutilidade de seu ato e apague a fita em que gravou o seu depoimento.

Fica a critério do caro leitor a escolha do final que achar conveniente para a história do homem que pretendeu falar com o futuro.

E, vale a pergunta: se você estivesse diante de uma câmera para deixar algo gravado para a posteridade, o que diria? Como se apresentaria aos seus bisnetos?

Você tem uma filmadora?

Escrito por Ayrton Marcondes

24 junho, 2009 às 10:24 am

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Postado em Cotidiano

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Oscar Wilde

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wildeO fato é que o escritor e dramaturgo Oscar Wilde (1854-1900) é mais citado pelas suas preferências sexuais que pela obra que deixou. Isso pode causar alguma surpresa nos leitores de hoje, habituados a existência de megaeventos como a Parada do Orgulho Gay e casamentos entre homossexuais.  

Wilde notabilizou-se pela sua carreira na qual seus romances, peças de teatro, polêmicas e as resenhas de livros misturavam-se com altas doses de extravagâncias. Seu incontestável sucesso granjeou-lhe projeção e prosperidade. Em suas biografias há insistência sobre o fato de ele possuir família constituída e ao mesmo tempo ser um dândi:  gastava horas cuidando da aparência e, para delírio dos cartunistas, usava roupas e gravatas extravagantes e tirava fotos em poses lânguidas.

Embora estranha, a modernidade de Wilde foi razoavelmente tolerada durante a época vitoriana do Império Britânico.  Sua prosperidade perdurou até o seu envolvimento amoroso um jovem chamado Alfred Douglas, conhecido como Bosie. Wilde apaixonou-se por Bosie um jovem encantador, mas inescrupuloso e egoísta.  Recorde-se que, na época as relações entre homens eram consideradas criminosas em alguns países. Na reforma do Código Penal da Inglaterra, a partir de 1885 a sodomia entre homens tornou-se passível de pena de dois anos de prisão com trabalhos forçados.

Um desentendimento entre Wilde e o pai de Bosie deu início a um processo no qual Wilde foi condenado e preso. Suas peças foram retiradas de cartaz: de escritor celebrado Wilde passou à condição de criminoso. Era o revide do puritanismo vitoriano tão atacado por Wilde. A imagem de “criminoso pervertido” veiculada pela imprensa não se separaria de Wilde até a sua morte.

Existem críticos ferozes que abominam toda a obra de Wilde. Entretanto, a leitura do romance “O Retrato de Dorian Gray” continua a ser obrigatória para os amantes da boa literatura. O livro pode ser encontrado em livrarias e às vezes aparece entre as séries vendidas nas bancas de jornal.

No prefácio de “O Retrato de Dorian Gray” há uma frase de Wilde que define bem o seu posicionamento em relação à arte:

“Um livro não é, de modo algum, moral ou imoral. Os livros são bem ou mal escritos”.

Treinamento para fuga

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Numa roda de pessoas conhecidas a conversa gira sobre violência e chega-se à conclusão de que só nos resta rezar para que nada nos aconteça. Cada qual fala sobre pelo menos um crime recente, revelando espanto sobre a ousadia dos bandidos e a ineficácia dos mecanismos de proteção individual e coletiva. Por trás de toda a conversa existe a certeza de que o mal é rotina sem que os que o praticam sintam-se culpados. Uma criança atira e mata pessoas, maquinalmente, como num jogo. O criminoso é um cidadão amoral e isso diz tudo.

A certa altura alguém se posiciona contra os indultos, aquela história dos presos serem liberados para visitar as suas famílias com data estabelecida para retorno ao presídio. O fato é que muitos não voltam e boa parte sai da prisão para praticar novos crimes durante as “férias” que lhes foram concedidas. Argumentos contrários a isso não surtem efeito: os presentes endossam a opinião de que os indultos são absurdos, favorecendo o aumento do número de criminosos nas ruas e, potencialmente, o perigo para a população.

Mas o que mais escandaliza aos presentes é a notícia de que, na Bahia, existe um presídio no qual os detentos são treinados para fugir. Obviamente, existe uma explicação para o fato: o presídio, com capacidade pra 250 detentos, foi construído numa área entrecortada pelos dutos do Pólo Petroquímico de Camaçari, a 30 km de Salvador. Trata-se de uma área na qual, em caso de emergência, há necessidade de evacuação em 10 minutos. Por essa razão, os presos são orientados sobre rotas de fuga e existe a obrigatoriedade de abertura eletrônica dos portões para que eles possam sair caso ocorra emergência.

De nada adianta explicar que o presídio destina-se somente a presos em regime semiaberto. A construção do presídio, a apenas 400 metros dos dutos, é considerada absurda. E por mais que as pessoas se esforcem ninguém se convence da utilidade de uma prisão onde detentos recebem orientações para fugir.

- Só no Brasil, afirma um rapaz.

Não sei não. O mundo anda tão louco que talvez esse tipo de coisa aconteça também em outros países. Pode não ser coisa só nossa.

Escrito por Ayrton Marcondes

22 junho, 2009 às 10:39 am

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A mancha do nazismo em “O Leitor”

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Um amigo sugere que eu escreva sobre o filme “O Leitor”(The Reader - 2008). Digo a ele que assisti já há algum tempo e talvez alguns detalhes me escapem. Em verdade a minha afirmação esconde certo desconforto de abordar uma história que se preocupa em revelar faces ocultas do nazismo. Existe um mistério latente quando se desce do plano do hitlerismo e suas ações em massa para a vida particular de cidadãos alemães que, querendo ou não, envolveram-se com o nazismo. Nunca será demais lembrar que dentro das fronteiras de um país em guerra e sob a ideologia do nazismo podem ser observados fatos e comportamentos anormais,daí a dificuldade do julgamento de culpabilidades em certas ações pessoais.

A culpa alemã em relação ao Holocausto parece não ter fim. Quem lê escritores alemães ou freqüenta o noticiário do país percebe que as referências ao nazismo e nazistas são recorrentes. Trata-se, talvez, de um processo de autopurificação.  É preciso exterminar todos os demônios, enfrentando-os um a um.

A edição de 25 de junho do semanário Der Spiegel noticia a proximidade do julgamento de um ucraniano - John Demjanjuk - que colaborou com os nazistas no campo de extermínio de Sobibor. O fato dá ensejo a uma equipe do Der Spiegel para comentar que o assassinato em escala de seis milhões de judeus é de responsabilidade dos alemães; entretanto, aconteceu com o conluio de outros países europeus daí o julgamento de Demjanjuk servir para projetar luz sobre os estrangeiros que ajudaram Hitler. Essa reportagem provocou forte reação na imprensa polonesa que acusou os alemães de tentarem colocar a culpa de seus próprios crimes nazistas nos outros.

Como se vê, o nazismo permanece vivo. Dele ocupa-se também o cinema que recentemente utilizou o tema em novos filmes.

Em “O Leitor” um adolescente, Michael Berg, apaixona-se por uma mulher mais velha que ele, Hanna  Schmitz. No período em que se encontra com Hanna, Berg lê para ela romances e poesias. Depois de algum tempo Hanna simplesmente desaparece. Berg desespera-se e não a esquece. Oito anos depois Berg é um estudante de Direito que vai assistir a um julgamento de mulheres que trabalharam em campos de concentração. Numa das audiências reconhece Hanna, uma das acusadas.

O interessante no julgamento de Hanna é o modo como ela entende o seu trabalho no campo de concentração. Ela explica que exercia uma atividade normal obedecendo a ordens que deviam ser executadas, ainda que essas ordens representassem a escolha de judeus para a câmara de gás. Tratava-se de uma rotina de trabalho como outra qualquer que a mandassem desempenhar. Escapa-lhe de todo o horror de sua conduta: havia um trabalho a fazer e ela fora designada para fazê-lo. Senão, quem o faria?

Hanna é condenada porque acaba confessando responsabilidades maiores que as suas no extermínio de judeus. Assistindo ao julgamento, Berg descobre que Hanna tem um segredo e em nome dele assume a culpa. Esse fato ligará a trajetória de Berg à de Hanna durante os seus anos de prisão.

O enigma da admissão dos crimes de Hanna é esclarecido aos espectadores e confere sentido à trama.  Entretanto, saímos do cinema intrigados com a personagem vivida por Kate Winslet. Não é só o segredo que ela se nega a revelar que nos surpreende: a noção de responsabilidade de uma mulher simples ao cumprir com determinação ordens terríveis extrapola a nossa capacidade de entendimento.

 “O leitor” revela o desejo da sociedade alemã de expurgar de seu seio a mancha do nazismo. Para os espectadores é difícil sentir pena de Hanna. Somos, sim, sensibilizados pela sua tragédia pessoal. Mas a sombra do nazismo permeia os passos da ex-funcionária de um campo de concentração. Não importa muito que Hanna nos seja apresentada como personagem bastante humanizada: ela ama, trabalha, é correta, mulher como outras mulheres, mas dual: sobre ela pesam os crimes que precisam ser julgados, condenados e esquecidos.

“O Leitor” é um grande filme, daqueles que nos fazem pensar.  Reconhecemos na trama personagens convincentes envolvidos por um clima de culpa e necessidade de punição. Kate Winslet está maravilhosa no papel de Hanna; Ralph Fiennes é perfeito na interpretação do Berg adulto.

 

Escrito por Ayrton Marcondes

21 junho, 2009 às 8:50 am

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Notas sobre o fim do mundo

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Meu irmão dizia que, por ocasião de sua morte, gostaria que seu espírito vagasse, eternidade afora, nos altos da Serra da Mantiqueira. Morto há muitos anos, não sei lhe foi concedido esse privilégio. Morreu cedo e levando a sério a filosofia de Nietzsche a qual, segundo minha mãe, custou-lhe muito.

De minha parte não sonho com o outro mundo, nem com as variantes do melhor jeito de aproveitá-lo. Para os meus limites de delírio pessoal basta pedir que o fim do mundo aconteça num dia de infinito azul, verdes quase agressivos e um sol exuberante realçando os detalhes da boa e velha Mantiqueira.

E olhe que não falo sobre nenhum absurdo já que é conhecida a previsão do fim dos tempos para 2012. Profecias e calendários antigos apontam para esse ano no qual, segundo os astrônomos, a Terra e outros corpos celestes estarão num alinhamento que poderá influir em suas forças gravitacionais. Nesse caso, uma espetacular hecatombe se abateria sobre a Terra com inversão de sua rotação, movimento abrupto dos continentes, colisões, invasão das águas oceânicas e, obviamente, o fim de todas as espécies. Terminaria assim a nossa civilização que só voltará a existir se a teoria do eterno retorno de Nietzsche for correta.

Tudo isso é muito holiwdiano para que realmente aconteça, mas quem sabe? E se Nostradamus estiver certo? Lembrem-se: o calendário da desaparecida civilização maia termina em 2012. E se os maias estiverem certos?

Pois se o mundo acabar, que seja num dia como este: nenhuma nuvem no céu, placidez absoluta, silêncio respeitoso ante um mundo que parece nos dizer que se exibe em toda a sua beleza natural porque está a se despedir.

Alpha et Omega.