2014 abril at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para abril, 2014

Pichadores e depredadores

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Semana passada um casal foi preso no litoral paulista após se divertir pichando numa pedra as letras ABC. Moradores locais e turistas insistiram com eles para que apagassem o malfeito. Responderam mal. Não só se negaram como avisaram que pichariam todo o local. Ao que reagiram os ameaçados, tomando do casal os sprays de tinta e pichando-os com eles. A foto dos dois incautos com seus corpos inteiramente pichados foi publicada e deu o que pensar. Afinal, por que diabos queriam eternizar a passagem deles naquela praia, deixando marcas de pichação?

Há muitos anos estive no interior do México e fui conhecer pirâmides construídas por índios. A cidade indígena em ruínas é dessas coisas que emocionam dado que testemunham a evolução de um povo que foi massacrado durante a invasão espanhola. Na ocasião éramos conduzidos por um guia que nos fez entrar num prédio, não sem antes nos advertir que tomássemos o máximo cuidado com as relíquias que encontraríamos.

Havia no grupo cerca de vinte pessoas e o guia fez questão de parar na entrada para mostrar o desenho de um coração calcado na pedra. Tinha ele o nome de um casal e a inscrição do nome do país de origem deles: Brasil. O guia fez questão de repetir o nome do Brasil ao que os estrangeiros visitantes imediatamente me dirigiram seus olhares de reprovação. Foi assim que paguei o pato por algo que não fiz, justamente por ser brasileiro. Confesso que tive vontade de mandar aquela turma para os raios que os parta, mas me calei. Fiz que não era comigo. Mas mordi a língua de raiva por conta daquelas duas bestas do meu país que se deram ao desfrute de macular um local sagrado para a cultura mexicana.

Ontem um homem foi preso em Recife por arrebentar a estátua do poeta Ascenso Ferreira. Câmeras instaladas no cais da Alfândega filmaram a ação do vândalo. Munido de pedras ele as atirou no rosto e tórax da estátua, quebrando tudo. Ao final o rosto da estátua se tornou uma massa disforme.

O vândalo de Recife vestia uma camisa amarela com o número 10 nas costas. Foi preso minutos depois por policiais que passavam no local. Certamente não ficará preso, como aconteceu com o casal que, na passagem de ano, pichou a estátua de Drummond no Rio. O vândalo de Recife alegará bebedeira, quem sabe algum distúrbio mental. Em nenhum momento reconhecerá a sua covardia por atacar um bem público e desfigurar a imagem de um homem que teve reconhecimento de seu povo dadas as suas qualidades de poeta.

Pichadores e depredadores podem ser englobados num só bloco: o dos predadores. São predadores esses caras que se intrometem nas passeatas para destruírem o que encontram pela frente. São também predadores os saqueadores que invadem casas de comércio e carregam o que podem. Trata-se de um grupo em expansão que a cada dia amealha novos inscritos.

Mas, afinal, qual é mesmo a dos predadores, esses vândalos que andam por aí a espera de oportunidades para colocar em ação suas garras animalescas?

Pais e filhos

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Quase nada há para se acrescentar quando o assunto é a relação entre pais e filhos. Esse “quase nada” seria mesmo apenas “nada” não fossem as ações despropositadas de pais criminosos que chegam ao cúmulo de matar diretamente ou se envolver na morte de seus filhos. Agora mesmo corre um caso acontecido no Rio Grande do Sul onde o menino Bernardo foi assassinado pela madrasta, havendo dívidas sobre a participação do pai.

Filho é filho e ponto final. É assim, também, entre os animais. Nesta semana uma girafa deu à luz a uma girafinha num zoológico dos EUA. A foto da mãe carinhosa, encostando a cabeça na filha emociona. Agora o zoológico inicia uma campanha pedindo sugestões de nomes para serem dados à girafinha. Uma graça.

De Saigon, Vietnam do Sul, chega a notícia de ex-soldado norte-americano à procura de filho que teve com uma jovem vietnamita. Fica-se sabendo que ao final da retirada dos EUA do Vietnam soldados deixaram muitos filhos resultantes de suas relações com mulheres locais. Essas crianças não eram bem aceitas pelos vietcongs dado serem filhas do inimigo. Eram levadas por parentes para viver em florestas até as coisas esfriarem. Quanto ao ex-soldado ele pretendia se casar ao final do conflito, mas inesperadamente se viu retirado do país. Depois disso nunca mais soube da namorada, nem do filho que não chegou a ver nascer.

Passados 40 anos o ex-soldado finalmente localizou o filho que fora trazido aos EUA e criado por pais adotivos. Consta que muitos dos soldados que combateram no Vietnam retornaram aquele país em busca de seus filhos, havendo casos de reencontro.

Na ligação entre pais e filhos existe algo que ultrapassa os limites da compreensão. Trata-se do amor em sua forma mais pura. Brigas e discussões sempre são permeadas por recaídas de afeto. Por essa razão não dá para concordar quando se taxa como animal o comportamento de pais que matam seus filhos. O fato é que nem entre os animais esse comportamento é comum. Quem dúvida que observe os cuidados que os pássaros têm com os filhotes, trazendo comida que introduzem em seus bicos. Ou um casal de leões cercados pelos leõezinhos.

Enfim, a vida é bela.

Tá ligado?

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Já vou adiantando que não tenho nada contra essa turma de MCs. Se não curto a música deles e nem entendo perfeitamente o significado das mensagens que propagam faço mea culpa: deficiência minha.

Mas, assisti a um programa de TV no qual o entrevistado era o conhecido MC Guime. Rapaz… Como eu nunca tinha ouvido nenhuma música dele entrei no Youtube onde podem ser encontrados vários clipes. Se você não o conhece e quer saber o que rola no mundo dele dê uma olhada. Tem um clip de muito sucesso cujo título é  ”Na pista eu arraso”. Uma das estrofes da letra desse clipe é muito elucidativa. Diz o seguinte:

E o pior é ter que ouvir de alguns “bico sujo” que a gente não presta
Porque de segunda a segunda, ha!, é nóis nas festas
Isso é o que nos resta, pra mim e pra minha gangue
Ainda mais depois que eu lancei meu novo Mustang
Da cor vermelho sangue pra chamar atenção
De longe, bem distante, enxerga a condição.

Como se vê a letra é bastante simples. Nos outros versos verifica-se a utilização de rimas fáceis das quais o MC se serve para enviar as suas mensagens. Aliás, mensagens que são recebidas e decodificadas por uma legião de fãs. É impressionante o delírio dos fãs quando MC está no palco com a gangue dele. A banda o segue com uma batida meio padronizada e pouco inventiva, mas que cai como uma luva na composição dos Raps.

O que constata num show de MC Guime é a formalização de uma nova via de contato entre pessoas. MC fala a língua que o seu público quer ouvir e é capaz de repetir suas palavras enquanto ele canta. MC Guime de fato arrasa no palco, movimentando-se loucamente, agitando os braços, circundado por mulheres que fazem da exibição de seus corpos sensuais o motivo principal de suas presenças. Sem camisa, exibindo o tórax e os braços cobertos por tatuagens, o boné pregado à cabeça e uma malandragem bem estudada MC Guime torna-se, de fato, o cara em cima do palco.

Na entrevista dada à TV vê-se um rapaz simples que fala depressa. Sua linguagem faz-se com a utilização de muitas gírias bastante usadas no mundo dos MCs. O repertório de cultura de MC Guime não ultrapassa os limites de suas pretensões. Ele não responde a certas perguntas e evita qualquer comprometimento político. Tem ele a noção exata de sua origem pobre e sabe que conseguiu, a duras penas, furar o bloqueio para chegar até onde agora está.

MC Guime nos transfere a imagem de um rapaz responsável e bom sujeito do qual não se deve esperar nada amais do que ele realmente é. Rapaz bem dotado para o Rap deixa-se levar pelas armadilhas preparadas por um hábil entrevistador. É assim que confessa, publicamente, que seu grupo movimenta cerca de 700 mil reais por mês, cabendo a ele um salário de 450 mil.

Quanto a você que talvez possa ter alguma resistência ao estilo Rap saiba que milhares de jovens adoram essa música e participam de bailes e festas que varam noites inteiras ao som dela. Trata-se de um fenômeno cultural para o qual muita gente dá de ombros, mas que a cada dia cresce mais no país.

Tá ligado?

A vergonha

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Você tem em seu passado algum fato que o faça envergonhar-se? Acho que pouca gente - ou ninguém - escapa de ter cometido um pequeno deslize ou algo desagradável. Existem atitudes impensadas, realizadas tantas vezes sem querer, que magoam pessoas. São as tais ofensas involuntárias que podem causar dor em quem as recebe. Ou, mesmo, voluntárias de que muita gente se arrepende mais tarde.

Um amigo certa vez me confidenciou que sentia vergonha por algo que fizera na mocidade. Disse tratar-se de vergonha do tipo que faz o sujeito cobrir o rosto no escuro quando acorda durante a madrugada. A história dele era simples: tivera uma namorada por quem se apaixonara. A moça pertencia a uma família amiga, conhecia-a desde criança bem como a seus pais e demais familiares. Estavam de casamento marcado e as famílias faziam muito gosto na união que se seguiria por festa cujo preparo vinha sendo providenciado. Pois faltando apenas uma semana para o casório deu-lhe na telha de não querer casar-se. Entendeu ele que a noiva não seria a mulher que escolheria para toda a vida, encheu-se de coragem e disse isso a ela. Segundo me disse as consequências de sua decisão foram muito maiores do que pudera imaginar. A noiva entrou em depressão, a família dela jamais o perdoou e mesmo os pais dele o recriminaram: ninguém podia entender porque levara o caso tão longe para vir a desistir nas vésperas.

Há casos e casos. Penso que quem lê este texto possa parar por um instante e puxar do fundo de sua memória algo de que nem mesmo goste de lembrar-se. Quanto a mim creio seja melhor calar-me porque nunca fui dado a confissões em público. Mas, deixo claro que tenho lá uma meia dúzia de coisas inconfessáveis das quais me arrependo e me envergonho. Não se imagine que eu tenha cometido algum crime ou qualquer barbaridade. Mas, há uma época na vida em que somos mais jovens e talvez inconsequentes. Em certas idades os hormônios agem mais violentamente e torna-se difícil segurar os impulsos.

A vergonha faz parte do caráter do homem. Sentir vergonha revela-nos humanos e sensíveis. Talvez por isso eu não consiga compreender boa parte da atividade de muitos políticos. Mentem em público diante de um país que sabe que estão mentindo. Negam o seu passado de malfeitos com a maior cara de pau.  Pegos em flagrante ainda assim tem o desplante de subir à tribuna para discursar e jurar inocência.

Não imagino como esses homens públicos voltam para suas casas e encaram suas famílias, nem mesmo como se veem diante do espelho. Creio que a política faz com que aqueles que a praticam sejam compulsoriamente conduzidos a criar uma máscara com a qual se apresentam em público. A máscara, imaginam, cobre o verdadeiro eu que estaria perdoado. Existiria, portanto o “eu individual” separado do “eu político” cujas atitudes em nada maculariam o anterior.

Dirão que isso é bobagem, que o homem é um só e sobre ele recai o peso de suas atitudes quaisquer que sejam. Mas, então, como entender que seres que receberam a confiança do povo através do voto se mostrem capazes de tanta desfaçatez? Questão de caráter?

Playboys

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Não tenho notícias sobre a existência de grandes playboys - reconhecidos internacionalmente - hoje em dia. Vez ou outra fala-se sobre pegadores de mulheres nem sempre bem recebidos como é o estranho caso do ex-presidente do FMI Strauss Khan. Mas nem de longe ele se aproxima da imagem de um playboy.

A verdade é que um mundo sem playboys perde parte de seu encanto. Para os homens o playboy figura como representante da raça. Ele dorme com aquelas mulheres que todos anseiam ter ao seu lado ainda que só por um instante. O playboy é personagem de sonhos cujas façanhas, ficcionais ou não, empolgam. Vidas regadas a noitadas, festas intermináveis, luxo e muito, muito dinheiro. Para quem acorda no horário em que o playboy vai dormir, para aquele que começa a trabalhar nas primeiras horas da manhã o playboy pode até não passar de uma ficção, mas representa, talvez, uma vingança contra a ordem do mundo.

Para não dizer que não existem mais playboys vale citar o príncipe saudita Abdul Aziz Al Saud tido como o maior do mundo na atualidade. O cara é muito rico. Viaja num Boeing 777 com dez banheiros adaptados e no qual carrega seu Rolls-Royce branco. Suas comissárias são mulheres recrutadas nos países ocidentais e devem ficar disponíveis nas 24 horas do dia. O príncipe é famoso por suas noitadas e chega a dar gorjetas de 80 mil euros. Agora, pelo menos nas fotos não se vê no príncipe a aura de um playboy capaz de encantar as multidões.

O Brasil teve no passado os seus playboys de nível internacional. Um deles, Jorginho Guinle, foi fiel à categoria até na hora de sua morte. Guinle morou no Copacabana Palace e as mulheres acreditavam que ele fosse o dono do hotel. Herdeiro de grande fortuna Guinle dilapidou-a, tendo problemas financeiros no final de sua vida. No dia em que morreria Guinle hospedou-se numa suíte do Copacabana, pediu um jantar com comida e bebida dos sonhos e só depois disso morreu. Saiu do mundo pela porta da frente, encarando a eternidade com ironia.

Famoso e inesquecível playboy foi Porfírio Rubirosa que nasceu pobre na República Dominicana. Um conjunto de circunstâncias favoráveis fez dele o maior playboy de todos os tempos. Fazem parte da lista dele mulheres desejadas das gentes tais como Doris Duke (bilionária), Barbara Hutton (bilionária), Dolores Del Rio, Veronica Lake, condessa Nicola-Gambi, rainha Alexandra (da Iugoslávia), Zsa Zsa Gabor), Eartha Kitt, Rita Hayworth, Ava Gardner e a imperatriz Soraia do Irã. Rubirosa era conhecido por não trabalhar (recebeu fortunas nas dissoluções de seus casamento) e por possuir um pênis descrito por uma de suas mulheres como os últimos 30 cm de um taco de beisebol. Morreu aos 56 anos de idade, em Paris, num acidente automobilístico após ter passado a noite bebendo numa festa.

Como se disse, hoje em dia o mundo dos grandes playboys anda desfalcado. Eles sempre foram notícia. Baby Pignatari, playboy e industrial brasileiro, mereceu, certa vez, desfile de seus amigos defronte o hotel onde se hospedava uma atriz norte-americana por quem ele se apaixonara. Exibindo cartazes com os dizeres “GO HOME LINDA” os amigos de Baby fizeram furor, gerando notícias e comentários em toda parte. No mundo de hoje talvez as pessoas não tivessem tempo e talento para uma ação daquele naipe.

O homem enjaulado

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Chama a atenção uma iniciativa do Canal BandNews que, em meio aos noticiários, passa a exibir alguns minutos de boas notícias. Boa notícia é coisa tão rara hoje em dia que não há como não se parar para ouvir o que o locutor diz. Nesta semana fala-se sobre evolução no tratamento de tetraplégicos.  Estimulados eletricamente alguns deles tem conseguido movimentar as pernas. Um dos paraplégicos apresentados consegue manter-se em pé por alguns instantes. A boa notícia faz referência ao ator Christopher Reeves, aquele que fez no cinema o papel de Super-Homem. Reeves estava no auge da carreira dele quando, ao praticar equitação, caiu de um cavalo. A queda provocou lesão irreversível na medula espinhal, tornando-se o ator tetraplégico. A partir daí Reeves dedicou-se a estimular as pesquisas para tentar reverter a situação dele e de outras pessoas. Infelizmente Reeves faleceu antes de poder assistir a alguns progressos da medicina no tratamento de seu mal.

De que a vida hoje em dia está bem mais complicada não restam dúvidas. Os homens seguem perdendo a capacidade de chegar a acordos, muitas vezes por falta de uma simples conversa. O seu vizinho passou a ser potencialmente um inimigo. As pessoas com as quais você cruza nas ruas podem não ser confiáveis. Existe sempre a possibilidade de que algum malfeitor surja diante de você com a intenção de roubá-lo ou matá-lo. O valor da vida está em baixa no mercado e atrocidades acontecem a toda hora. Os maus exemplos proliferam nos altos escalões de modo que a confiança geral está abalada. Desvios de somas formidáveis de dinheiro acontecem e são encobertas para não expor publicamente os interesses de grandes beneficiados. Escândalos explodem a toda hora, mas ninguém acredita que venham a ser apurados e os responsáveis punidos.

Eis aí, em andamento, a era do homem enjaulado. As paredes de sua casa funcionam como última muralha dentro das quais você se esconde, torcendo para que a sua precária segurança não venha a ser devassada.

Ler ou não jornais? Assistir ou não aos noticiários? Isolar-se? Fazer de conta que tudo está bem e a alegria nos espera em bons momentos que nos façam sentir realmente humanos?

Como não é possível prever o futuro e nem esperar que a situação melhore, resta-nos torcer pela chegada de boas notícias. Que se inaugure um dia de paz no qual nenhum crime seja praticado; dia em que não ocorra nenhum naufrágio com muitas perdas de vida, nenhum avião desapareça misteriosamente, nenhuma guerra prossiga, nenhuma tortura seja praticada, nenhuma mulher seja estuprada. Será um belo dia esse. Dirão que a ilusão não resolve problemas. Mas, então, será que nem sonhar ainda podemos?

O discurso do padre

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Era um homem entrado em anos e algo fanhoso. Quando as beatas pararam de cantar ele levantou-se e foi, vagarosamente, até o púlpito. Instalou-se ali como alguém que voltasse à casa depois de muito tempo. Na frente dele um microfone do qual demorou-se a se aproximar. Tinha os olhos perdidos no altar, vagando entre as imagens de santos como a se decidir a qual deles pediria socorro.

Apinhados em todas as partes do templo os fiéis esperavam. Terminara a pouco a procissão de Senhor Morto que íntegra o ritual católico da Sexta-feira Maior. A essa altura Jesus repousava em seu leito de morte, defronte o altar, coberto de flores como convém aos que morreram. Era bem um morto diferente - todos sabiam - porque ressuscitaria na noite da Aleluia.

Aquela gente toda que percorrera as ruas na procissão das velas acesas, seguindo o esquife do Senhor morto, agora esperava que aquele homenzinho de batina que ocupava o púlpito falasse a eles sobre o mistério do momento em que o Senhor estava ali, morto, preparando-se para ressurgir entre os vivos. Ele sofrera nas mãos dos algozes romanos, fora pregado na cruz, deixara-se torturar pela rendenção justamente dos homens, de pecadores como eles que, contritos, esperavam pela voz do padre.

Então o homem da batina começou, finalmente, a falar embora nada do que dissesse fosse entendido. De sua boca saiam frases que soavam desconexas, sem sentido. A idéia anterior não se ligava à posterior e entre elas produzia-se uma lacuna que alguém mais tarde diria terem sido soluços abafados.

Divagou o padre por mais de meia hora num discurso incompreensível cujo significado ainda hoje permanece obscuro. Quando terminou seu sermão houve um grande silêncio como se as palavras pronunciadas precedessem um grande cataclismo, talvez até mesmo o fim do mundo. Mas, nada aconteceu. O padre desceu do púlpito e desapareceu em meio à turba de Madalenas chorosas.

Houve quem dissesse que naquela noite se operara um milagre. O padre teria experimentado um momento de elevação e, durante a transcêndencia, falara a linguagem dos deuses, frases que só os anjos poderiam compreender.

Foi esse o início da trajetória de um homem que passou a ser considerado santo. Conta-se que milagres se operaram ao tempo da vida do padre e ainda hoje se operam aos que a ele rogam favores. Na cidade onde o padre serviu a prefeitura mandou fazer uma imagem, réplica dele, ponto onde se reúnem as romarias que vêm de toda parte em busca de milagres.

Quanto ao médico que tentou explicar que o padre sofrera um derrame tendo sido afetada a coordenação de suas idéias consta que foi acusado de herege e teve que trabalhar noutra freguesia. A cidade tinha seu santo e isso era o que de fato importava.

A volta de Michael Jackson

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Ninguém volta da morte? Até hoje não existe resposta definitiva para isso. Vez ou outra surgem casos, depoimentos de pessoas que afirmam ter ficado mortas por alguns minutos e foram ressuscitadas. Há relatos de visões do mundo depois da morte, em geral contatos com gente que já morreu e agora habita o outro lado. Entretanto, nenhum desses casos tem a ousadia apresentada num programa da TV Record no qual se afirmava que Michael Jackson não teria morrido.

Você dirá: bom, mas não se trata de um desses casos de retorno da morte. De fato, em gênero e espécie não mesmo. Mas, a essa altura quando todo mundo sabe que Michael está bem morto e enterrado só mesmo uma ressuscitação poderia explicar o seu reaparecimento no mundo dos vivos.

Na verdade o apresentador do programa falava o tempo todo que não queria provar nada. Sua missão era apenas a de apresentar um cidadão que dizia ter provas de a morte de Michael Jackson ter sido um engodo.

Talvez você se pergunte por que, afinal, alguém se daria o desfrute de assistir um programa desses. Ora, por simples curiosidade, para ver no que algo tão sem sentido iria dar.

O programa durou mais de 40 minutos e no fim das contas o cidadão apresentou como prova um vídeo do momento em que Michael era levado em uma ambulância. Muita chuva em terra já muito molhada. Nada de novo. Mas ficou a impressionante força de um artista que mesmo depois de sua morte continua a atrair a atenção do público, ainda que sobre ele se falem bobagens.

No mundo eletrônico as celebridades correm mesmo o risco de não morrerem. James Dean continua muito vivo e falando nas fitas de celulose. Celebridades deixam atrás de si um rastro duradouro que talvez nunca se apague. Talvez nisso esteja pelo menos parte da transcendência que tanta gente almeja. Enfim, o sucesso também opera milagres.

Crimes

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Tem hora em que a gente fica sem saber o que pensar. Diariamente recebemos montanhas de notícias sobre crimes que nos deixam estarrecidos. A violência incontrolável faz-nos reféns da bandidagem que governa as ruas. Não é exagero. No início das noites programas de TV exibem reportagens nas quais a prática de crimes torna-se moeda corrente. Não há um só dia em que os apresentadores possam dizer que, finalmente, nada de grave aconteceu. Pessoas de bem são colhidas por marginais, inesperadamente, em situações que quase sempre terminam em mortes.

Como parece ser impossível conter a criminalidade resta-nos exigir medidas mais duras contra os criminosos. Embora exista oposição há certo consenso na necessidade da redução da idade de maioridade penal. Medida acertada ou não, o que vale é se fazer alguma coisa. Mas, criminosos entrevistados declaram que ao praticar seus crimes nunca pensam nas possíveis penalidades simplesmente porque não acreditam que serão presos. A lógica do contraventor é, portanto, diferente daquela que julgamos ser acertada.

Uma das faces do crime do país, frequentemente citada, é a ação de criminosos oriundos de condições sociais menos favorecidas. A desigualdade social estaria por trás de muitas condutas criminosas. Embora não se possa generalizar não pode negar que muitos jovens são atraídos e conduzidos ao crime por não encontrarem opções e oportunidades para melhorar de vida. Drogas e criminalidade andam de mãos dadas e as políticas adotadas para combater o tráfico de drogas têm se mostrado ineficientes em todo o mundo. Em entrevista recente o presidente Mujica do Uruguai defendeu a legalização do uso de maconha em seu país dizendo que assim se poderá conter o crescimento do uso de drogas mais potentes como a cocaína e o crack.

Mas, o dito no parágrafo anterior pode estar errado. E os crimes continuam crescendo, alguns deles abalando a opinião. No momento fala-se muito sobre o caso do menino Bernardo, 11 anos de idade, que dias atrás desapareceu de sua casa na cidade de Três Passos, Rio Grande do Sul. Desaparecido o menino o pai, um médico, e a madrasta deram queixa na polícia. Dias depois o corpo de Bernardo foi encontrado dentro de um saco plástico numa cidade distante cerca de 80 km de sua casa. Agora o pai e a madrasta estão presos sob suspeita de terem matado o menor. Uma terceira pessoa estaria envolvida no crime.

A morte de Bernardo estarreceu e comoveu a opinião. Fala-se sobre o caso em todo o país. O crime faz lembrar outro no qual o casal Nardoni foi condenado e preso por ter jogado a filha Isabella, de 5 anos de idade, pela janela do apartamento situado no sexto andar do prédio onde moravam.

Mas, afinal, o que vai pela alma dos seres humanos?

Os preparativistas

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Você está preparado para enfrentar algum tipo de catástrofe? Filmes sobre catástrofes são frequentemente produzidos e fazem sucesso. Depois dos tsunamis uma onda de filmes sobre o assunto encheram as telas. Dias atrás um canal de TV passou, durante alguns dias, o filme “Impossível” baseado numa história real. Uma família em férias num lugar de praia é surpreendida por um tsunami. As cenas das águas varrendo tudo o que encontram pela frente são de tirar o fôlego. Depois da catástrofe os membros da família passam a procurar uns aos outros, havendo a suspeita de que possam ter morrido. O filme é tenso e nos leva a pensar sobre o que faríamos caso nos víssemos diante de uma imediata catástrofe por acontecer.

Há quem pense que o fim do mundo está próximo. Viradas de séculos e de milênios causam arrepios em muita gente dado a possibilidade do fim dos tempos. Há quem se preocupe com a trajetória de asteroides ou de uma inesperada explosão solar de grande magnitude. Hoje em dia com o avanço da degradação ambiental, verificam-se mudanças climáticas importantes e ameaçadoras. Dias atrás discutiu-se mais uma vez a possibilidade de certas regiões litorâneas desaparecerem em consequência dos efeitos do aquecimento global. E está nas telas do cinema o filme Noé para lembra-nos de que houve um tempo em que tudo desapareceu, salvando-se apenas os escolhidos para se abrigarem na arca. Está na Bíblia e não se sabe se aconteceu mesmo ou não.

Há, também, quem se preocupe em preparar-se para o caso de algo grandioso destruir a nossa civilização. São os tais preparativistas sobre quem fala um artigo do jornal norte-americano “The New York Times”. Relata o jornal a realização da terceira Exposição Nacional de Sobrevivencialistas e Preparativistas. Trata-se de evento de inclinação apocalíptica na qual se vendem soluções para calamidades. A ideia é a de que uma pessoa comum possa estar preparada para o caso de ocorrer uma grande calamidade.

Sacos para mortos em massa, canivetes táticos, filtros de água movidos a gravidade, desfibriladores automáticos e outros equipamentos podem ser adquiridos por pessoas que se preocupam com acontecimentos trágicos de grande magnitude.

Meu pai era um menino pequeno quando da passagem do cometa Halley em 1910. Lembrava-se ele da comoção causada pela visão do belo corpo celeste próximo da Terra. Consta que algumas pessoas chegaram a se matar tanto medo tiveram de um colisão que destruiria a Terra. Falava-se, também, sobre a existência do gás letal cianogênio na cauda do cometa fato que gerou um clima de pânico global. Em 1986 vi o Halley no céu. Passava ele, 76 anos depois, mais longe que na vez anterior de modo que o víamos pequeno. Ainda assim, foi possível imaginar o efeito que causara sobre a gente de 1910, época em que não se dispunham das informações que hoje temos.

A verdade é que não estamos preparados para catástrofes, vejam-se as consequências do terremoto que atingiu região do Chile dias atrás. De modo que o melhor a fazer é não pensar no assunto. A civilização humana pode até vir a ter um fim, mas socorre-nos o fato de não fazermos a menor ideia de quando isso acontecerá. Então o que mais vale é aproveitar a vida e o mundo enquanto ele durar.