2011 maio at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para maio, 2011

Mundo, vasto mundo

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Passageiros de um trem assustaram-se e houve pânico quando avistaram cobras venenosas debaixo de um banco onde se sentam passageiros. Eram cobras reais e estavam dentro de sacos plásticos semitransparentes. O fato aconteceu no Vietnam e relata-se que as cobras erguiam a cabeça para ver os passageiros.  Essa espécie é a maior serpente venenosa existente, podendo atingir 5 metros de comprimento. Não se sabe quem as levou ao trem e desconfia-se que estavam sendo contrabandeadas para serem vendidas a restaurantes onde são servidas como iguarias.

Enquanto isso, em Bangladesh, uma mulher apresentou-se à polícia para entregar um saquinho de plástico em cujo interior estava o pênis de seu vizinho. Segundo ela o vizinho há meses cortejava-a até que tentou estuprá-la, ocasião em que ela cortou o pênis dele para entregá-lo à polícia, como prova. A versão do vizinho é bem diferente: os dois eram amantes e a mulher passou a exigir que vivessem juntos, abandonando os respectivos cônjuges; tendo ele se negado ela aproveitou-se de um descuido para cortar o pênis. Segundo os médicos, dado a demora de entrega do pênis, tornou-se impossível o reimplante, daí a realização de cirurgia para que o homem possa urinar normalmente. Segundo a polícia, assim que o homem sair do hospital será preso.

Aqui o dia amanheceu nublado e um vento frio passa pela cidade, vindo do mar. A senhora que nos ajuda em casa relata que no bairro onde ela  mora um sujeito teve a carótida cortada à faca, na rua, por um desconhecido. O relato dela inclui um homem estrebuchando-se e muito sangue ao redor do corpo.

Com muito vento e frio aconteceu, durante a noite, a ressaca do mar: as águas invadiram a avenida e muretas foram destruídas. Segundo a meteorologia há possibilidade de que o tempo melhore e o sol apareça no período da tarde.

A verdade na política

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Afinal, o que é a verdade nos dias de hoje? Não cabem aqui citações filosóficas sobre o conceito e significado da verdade, de resto território de mentes privilegiadas que, ao longo de séculos, abordaram o problema. Ao cidadão comum interessa pouco mais que a separação entre o trigo e o joio, a delimitação da fronteira entre o certo e o errado e a exposição daquilo que se considera verdade sobre um fato para que a vida cotidiana possa seguir dentro de seus eixos e a confiança entre os seres humanos prevaleça. O contrário disso, a indefinição, o cotejo entre afirmações e desmentidos e a falácia de palavras que se amoldam às circunstâncias e interesses, contribuem para a erosão da credibilidade pública seguida de comemorativos indesejáveis.

Se o que nos interessa é a verdade a política brasileira, do modo como é praticada, presta um desserviço público e estabelece-se como fonte de péssimos exemplos. Tal é o emaranhado de versões acerca de um fato ocorrido que se torna impossível extrair-se delas a verdade. Veja-se, por exemplo, o caso do ministro de Estado sobre quem pesa a suspeita de enriquecimento ilícito. O vai-e-vem de informações sobre o assunto, ora acusativas, ora defensivas, embaralha o caso, confundindo a opinião. A pergunta é: afinal quem está dizendo a verdade? Impossível responder. Num dia a opinião adere aos que acusam dado que de fato o ministro amealhou, em curto período de tempo, somas consideráveis o que faz suspeitar de tráfico de influência. Noutro dia o ministro revida e apresenta documentos em sua defesa, levando a opinião a conceder a ele, pelo menos, o benefício da dúvida. Um dia depois noticia-se que o ministro realizou excelentes negócios justamente quando tinha acesso a dados confidenciais do governo. Mais uma vez a opinião fica do lado dos que acusam, podendo-se prever, nos próximos dias, oscilações de pontos de vista na medida em que novos fatos venham a público.

Dirão que não existe outro modo de condução do caso. Será? Então, inexistem provas cabais que inocentem o ministro, colocando ponto final na querela pública? Pois é desse imbróglio que emerge a expressão “vai dar em pizza” cujo significado é de conhecimento geral. A alternância entre denúncias e desmentidos gera instabilidade passageira que em geral acomoda-se com o passar do tempo. A coisa dura até que entre em pauta um fato novo, de repercussão maior, que lança o já desgastado caso anterior no limbo do esquecimento. A quem discordar disso recomenda-se a lembrança do “mensalão” que turbinou o noticiário do país durante bom tempo até ser deixado para trás sem que tenhamos, até hoje, o esclarecimento final do assunto.

No Brasil maus políticos apostam na sucessão de falcatruas que lancem as anteriores ao esquecimento. A lentidão do judiciário, a teia de conchavos e o desrespeito pela verdade favorecem práticas não recomendáveis e mesmo ilícitas. O caso do enriquecimento do ministro de Estado, atualmente na berlinda, pode ser resolvido depressa por ele mesmo submetendo-se aos questionamentos que se impõem dada a importância do cargo que ele ocupa. Mas, como em outros casos, é de se perguntar: a quem interessa esclarecer cabalmente a verdade?

Se eu fosse presidente…

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Olha aí que não seria nada fácil assumir a presidência da República. Há quem se apegue às vantagens do cargo: mordomias, viagens grátis, séquito de servidores adivinhando os desejos do presidente, presentes, vantagens, enriquecimento de filhos e até passaportes especiais para os familiares. Mas, convenhamos, isso não é lá muita coisa, exigindo-se de quem está no cargo certo grau de surdez e acomodação para que o presidente possa ser uma pessoa feliz.

Faltou dizer, no parágrafo anterior, que um dos atributos exigidos para que o presidente possa ser feliz é, também, o de ser meio cego, o suficiente para não ler o que se escreve sobre ele e seu governo. Note bem, tudo isso se o presidente fizer mesmo questão de ser feliz. O outro lado disso é a realidade, os deveres do cargo, o respeito pelo povo e pelo próprio país. Pois é, o diabo é que a realidade nua e crua em geral impede que a pessoa que ocupa a presidência seja realmente feliz, tantos os problemas a enfrentar.

A quem discordar do que se disse até aqui se recomenda dar uma olhada na situação de momento da atual presidente da República. Meus amigos, a grande verdade é que ela está numa sinuca de bico. Prensada pelos deveres a seus correligionários, abrigada sob a incômoda sombra de seu mentor que se recusa a sair de cena, obrigada a proteger um ministro que se não explica o seu enriquecimento, derrotada em votação no Congresso, a presidente certamente toma consciência de que terminou a sua lua-de-mel no cargo que ocupa. É, pois, chegado, para a presidente, o momento de escolher entre a felicidade – à custa de surdez, cegueira e acomodação – e o enfrentamento da realidade que, certamente, vai roubar a ela muitas horas de sono.

De fato, há que existir muita surdez e cegueira para não saber o que corre por aí. É impossível ignorar  comentários do tipo a presidente sumiu, seu padrinho cresce enquanto ela desaba, a prometida transparência  e rigidez contra desvios não passou daquela retórica de políticos desacreditados a que estamos, infelizmente, habituados.

Meu caro, ser presidente não e nada fácil. Eu ? Nem pensar em me envolver num embrulho desses, daí que inexiste, ainda que em sonhos, a hipótese de raciocinar em termos de “se eu fosse presidente”. Daí que o que me resta é recorrer às biografias de pessoas que ocuparam cargos importantes e neles se revelaram, justamente nos momentos de crise. Pois é nos momentos de crise, quando todos estão mais envolvidos com interesses pessoais que públicos, neles é que se revelam os verdadeiros líderes, aqueles que deixam de lado as facilidades e conchavos e partem para o enfrentamento de situações nas quais é preciso defender os interesses públicos, sempre acima de exigências pessoais e partidárias.

Dispõe, nesse exato momento, a presidente da República da singular oportunidade de firmar-se no cargo e ocupar o lugar que a ela é reservado na história do país. Firmeza, pulso, transparência, defesa intransigente dos interesses públicos e da própria República. Se agir assim, certamente descontentará muita gente e deixará de lado a felicidade fácil daqueles que optam por contemporizar. Alcançará, por outro lado, felicidade maior que consiste no respeito dos brasileiros e o reconhecimento da posteridade.

Mísseis iranianos na Venezuela

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Em sua edição de hoje o jornal La Nacion, de Buenos Aires, informa que o presidente Hugo Chaves fez acordo com o presidente iraniano, Mahamoud Ahmadinejad, para a instalação de uma base de mísseis iranianos na Venezuela. O governo venezuelano nega, mas, La Nacion informa ter recebido confirmação através de um militar da Venezuela.

A notícia também se refere a aspectos conhecidos da personalidade de Hugo Chaves que sempre toma como modelo a Fidel Castro. Desta vez o presidente busca repetir o episódio da instalação de mísseis russos em Cuba, questão que, na época, deixou o governo dos EUA em grandes dificuldades e próximo de uma guerra nuclear.

Já faz tempo que Hugo Chaves age a seu modo, perigosamente, perseguindo adversários políticos, restringindo a liberdade de imprensa e devastando a economia da Venezuela. Infelizmente o governo brasileiro tem sido muito condescendente com Chaves, havendo quem afirme ter havido, por parte do presidente venezuelano, manipulação do ex-presidente Lula. Manipulação ou não, o fato é que resquícios do pensamento esquerdista no Brasil – hoje representado por personalidades no poder - guarda singular atração pela rebeldia, seja de quem for, contra a grande potência do norte.

De resto, todo mundo sabe a que sempre vieram e vem os EUA com suas políticas de dominação, hoje em certo declínio, mas ainda muito atuantes em todo o mundo. Em todo caso, não se justificam atitudes isoladas de governos e governantes que coloquem em risco a segurança do continente. Informa-se que a base de mísseis na Venezuela terá localização estratégica para atingir os EUA e, ainda, que engenheiros iranianos já estão na região, preparando o terreno para a instalação da base.

A ver como reagirá desta vez o governo brasileiro, sempre lento e condescendente - caso seja confirmada a notícia publicada por La Nation.

A rebelião das pequenas coisas

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De tempos para cá, certamente por erros de calendário, a minha idade tem aumentado. O fato é que não concordo com a progressão do calendário e me revolto com as imagens que os espelhos me devolvem. Não me reconheço nelas, definitivamente não sou eu, não tenho dúvida de que está em andamento uma conspiração atrás dos espelhos cuja finalidade é deturpar a minha aparência. O mais terrível é que a trama que se passa nos espelhos é progressiva, vejam-se os fios de cabelos brancos que aumentam a cada dia, a pele que devagar e metodicamente perde a sua flexibilidade e um mundo de transformações que acontecem à minha revelia, sem que eu as aprove.

Entretanto, isso não é o pior. De repente coisas inanimadas se rebelam contra mim como se em algum momento eu as tivesse ofendido ou a elas declarasse guerra. A situação tem se tornado tão grave que está a exigir algum tipo de atitude de minha parte, embora eu não saiba exatamente qual. É verdade que algum incauto, ao ler essas linhas, poderá deduzir que enlouqueci afinal coisas inanimadas não se rebelam etecetera e tal. Será que não? Pois afirmo que comigo tem acontecido e posso provar. Aliás, não vou citar aqui mais que o necessário. Basta dizer, por exemplo, que fatal e progressivamente, de tempos para cá os objetos, todos eles, têm ficado mais pesados. Coisas que sempre carreguei com pequeno esforço passaram a exigir cada vez mais empenho e força para que eu possa movê-las. Uma bolsa, uma pequena mesa que tenha que se arrastar de um canto a outro, as sacolas de compras de minha mulher que, como de costume, ficam a meu encargo. Todas as coisas - prestem bem atenção - todas decidiram que ficariam mais pesadas e parece não haver nada que eu possa contra essa fatalidade que tanto me apoquenta e me causa até dores musculares.

Obviamente, o problema é mais profundo e não se resume a isso. Existe um inferno de pequenas coisas que todo mundo tem a fazer em sua rotina diária e que, para mim, injustificadamente, têm se tornado difíceis. Imagine-se que algo tão simples como amarrar os sapatos de repente enche-se de dificuldades coisa que atribuo a uma engenhosa resistência dos fios ao contato com os meus dedos. Realmente é impressionante como os fios se negam aos mais simples dos nós e, mesmo quando amarrados, muitas vezes se desfazem sem a menor explicação. Tenho comigo que talvez a intenção dos fios seja a de me fazer tropeçar neles, provocando quedas com consequências imprevisíveis.

Como disse anteriormente, não é o caso de apresentar provas contra uma rebelião que se passa a olhos vistos.  Entretanto, não resisto e lamento falar sobre algo que muito me incomoda, qual seja a desavença que os zíperes passaram a ter comigo. Não sei ao que atribuir esse fato porque nada fiz contra os zíperes e sempre os tive como fiéis aliados e protetores. Pois agora deixaram de sê-lo dado que se recusam a obedecer aos meus comandos manuais de abrir e fechar. Por natureza detesto ser explícito, mas não posso fugir a isso em relação aos zíperes das calças que deram de travar justamente quando mais se precisa deles, em banheiros, por exemplo, por ocasião de realizar necessidades fisiológicas.

Deixo aqui essas observações que, na verdade, constituem-se em advertência para muita gente. Repito que há uma rebelião de coisas inanimadas em andamento e talvez pouca gente se dê conta desse fato. Lembre-se, caro leitor, que também pode suceder a você o que acontece comigo. Fique de olho no espelho, veja se não estão a mexer na sua imagem, na sua pele, na tonalidade dos seus cabelos que, misteriosamente, começam a ser refletidos brancos. Esse é o sinal do começo de uma trama complexa que poderá alterar drasticamente o ritmo da sua vida.

Fique atento, é tudo que posso recomendar porque ainda não me ocorreu solução para o grande problema que tenho enfrentado.

Os perigos da ironia

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Foi quando assisti, por acaso, na televisão, ao filme Dogville que passei a prestar atenção ao trabalho do cineasta Lars von Triers. Foi ele, juntamente com Thomas Vinterberg, o fundador do movimento Dogma 95 que preconiza 10 regras para fazer filmes, entre elas a de não serem usados cenários.

Dogville é um filme que impressiona. Estrelado por Nicole Kidman e Paul Bettany, dele não se pode dizer que não tenha cenários. Na verdade Triers faz uso de cenários extremamente simples, bastando-se dizer que o filme foi inteirinho rodado dentro de um galpão localizado na Suécia. Dogville é uma pequena cidade que em realidade não sai do chão porque a delimitação entre as casas é feita por marcas no próprio chão, praticamente inexistindo cenários. Nesse ambiente, a um só tempo restrito e infinito, vive a população da cidade, destacando-se a falsa moral que dita as regras dos relacionamentos. Tudo isso é conduzido pela voz de um narrador onisciente que, num mundo propositalmente ficcional, conduz a trama de modo a revelar o perfil e comportamento dos cidadãos. Filme de atores, filme de diretor, aberto a interpretações, rico em referências – o teatro de Bertold Brecht é uma delas – chama atenção por suas inovações na arte de filmar e pela excelência das interpretações do elenco. O final é um ajuste de contas contra o falso moralismo e os descalabros cometidos pelas pessoas em nome da vida em sociedade.

Pois é esse Von Tries que acaba de ser expulso do Festival de Cannes. Desta vez a postura de rebelde do diretor de cinema não deu certo de vez que ele logrou atravessar a linha imaginária que delimita o chamado bom-senso: durante entrevista de lançamento de seu novo filme, von Triers afirmou identificar-se com Hitler e o nazismo fato que provocou justa revolta entre os jornalistas presentes à coletiva. Ato continuo houve a expulsão, seguida da proibição ao diretor de aproximar-se a distância inferior a 100 metros da sede do Festival.

Não deixam de ser interessantes as declarações de von Triers após ter sido expulso. Afirmando que se referiu ao nazismo por pura ironia – a inconfessável tentação de causar sensação e escândalo – reconheceu o diretor seu erro ao falar nos termos em que usou no momento em que se dirigia à imprensa mundial. Declarando que fizera uso da linguagem comum em contato com amigos von Tries deu-se conta de seu grande erro, indesculpável e sem remédio.

Do que se extrai alguma coisa sobre a metodologia dos irônicos e o perigo das ironias. Pano de fundo de participações pessoais infelizes é o descaso pela dimensão do meio onde se atua. Lars von Triers, aclamado diretor, deu uma tremenda bola fora ao se referir ao nazismo, ainda que ironicamente. Tipo da piada em hora e lugar errados, ato realizado para chamar a atenção com consequências bastante previsíveis.

Fatos e linhas editoriais

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Imagino qual não sejam as dificuldades dos editorialistas de jornais para a escolha dos assuntos de seus escritos diários. O jornal vive do imediatismo e as notícias envelhecem muito rapidamente. A página impressa de hoje embrulha peixe amanhã, fato esse sempre citado. Talvez por isso as memórias dos leitores sigam o ritmo das notícias dado que os fatos não duram o tempo necessário para serem arquivados.

Mas, há fatos e fatos. Às vezes acontece de uma nova ocorrência despertar a memória para casos passados. Nesse caso pode-se dizer que a dinâmica do processo consiste na ligação entre passado e presente, sendo o primeiro regatado pelo segundo ao qual está ligado. Veja-se, por exemplo, a atual acusação de que o ministro Antônio Palocci multiplicou por 20 o seu patrimônio, isso no prazo de quatro anos. Esse enriquecimento, lícito ou não, trouxe à tona episódios passados da vida do ministro, episódios esses aparentemente esquecidos e agora reavivados pela nova ocorrência.  Note-se que num caso assim o passado retorna com grande parte da intensidade original, contribuindo até para o pré-julgamento do fato presente. Em outras palavras, seria mais fácil encarar o enriquecimento de Palocci caso não tivesse ele sido acusado anteriormente de outros deslizes.

Há casos em que um passado desconhecido subitamente é revelado por uma nova situação. Como se sabe o diretor do FMI, Dominique Strauss-Kahn, está nos EUA, acusado de agressão sexual a uma camareira do hotel em que esteve hospedado. A perplexidade em relação a esse lamentável acontecimento é geral, ainda mais porque se reconhece o prestígio e a importância do diretor para o encaminhamento de grandes problemas econômicos envolvendo vários países. Não bastasse, entretanto, a ocorrência atual, eis que surge, contra Strauss-Kahn, a acusação de uma mulher que afirma ter sido vítima de tentativa de estrupo por parte dele, no passado. Está aberta, para o diretor do FMI, a caixinha de surpresas não se sabendo o quanto existe ainda por se revelar.

Se ficarmos apenas com os dois casos anteriormente citados poderemos ter uma vaga ideia dos problemas que envolvem a atividade dos articulistas de plantão. Sendo a verdade o que mais interessa, que assunto escolher e a linha a adotar em relação à escolha adotada?

Esse texto tem a pretensão de despertar nos leitores a curiosidade em relação às linhas editoriais dos jornais. Deixando-se de lado possíveis interesses corporativos e econômicos vale observar os diferentes modos como assuntos em voga são tratados e mesmo os artifícios utilizados para dizer e não dizer, tantas vezes sem se comprometer. Que se diga: não se trata de simples cautela, dado que alguns articulistas não se negam a ir diretamente ao ponto. O fato é que ninguém é dono da verdade e, no geral, a regra é sustentar uma linha editorial, seja ela qual for, quando respaldada por provas conclusivas. O resto é especulação e são especulativas a maior parte das linhas editoriais que lemos diariamente.

Brincadeiras de crianças

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Leio que, na China, um garotinho ficou preso entre duas paredes quando brincava de esconde-esconde. O menino ficou três horas retido num espaço de quinze centímetros e foi preciso a ação de bombeiros para retirá-lo do lugar.

Sou capaz de me lembrar de várias situações, digamos desconfortáveis, ocorridas nos meus tempos de criança. Numa delas enfiei dois dedos numa lata de massa de tomate e, com os outros dedos, fechei a tampa que fora aberta com um abridor. O resultado foi que os dedos ficaram presos pelas beiradas cortantes da tampa, sendo necessário que alguém cortasse a lata com uma ferramenta para que eles fossem retirados. Não perdi os dedos: trago nos dois indicadores as cicatrizes do acidente, daí certo horror que tenho a abrir latas e afins.

Eventualmente crianças passam por circunstâncias impressionantes cujo desfecho pode ser grave e até mesmo alterar o destino de pessoas. Meu pai contava sobre o dia em que ele, ainda menino, escondeu-se dentro de um baú. Na ocasião aconteceu que os familiares dele -meus avós e tios – saíssem de casa para assistir a uma missa. Depois disso, percebendo a casa vazia, meu pai decidiu sair, surpreendendo-se porque o fecho do baú se travara por fora.

Não é difícil imaginar o que se seguiu. Debatendo-se e com o ar cada vez mais rarefeito meu pai pode antever a própria morte que, evidentemente, não aconteceu. Salvou-o o acaso da chegada de um parente que há muito não visitava a família. Pois, justamente naquele momento de agonia esse homem entrou na casa e ouviu os gritos de meu pai dentro do baú, abrindo-o incontinente para resgatar o menino.

Meu pai contava essa passagem de sua vida sob o crivo daqueles que acreditam nas maquinações das fatalidades. Não dizia, mas extraía de sua singular história algo de grande que justificaria a existência dele. Caracterizando ou não o fato ocorrido como obra do destino, ou mesmo milagre, estendia a nós, seus filhos, o beneficio de seu salvamento. Afinal, caso ele tivesse morrido dentro do baú não teria crescido, casado com minha mãe, gerado filhos, ou seja, não teríamos nascido. Daí que o caso do baú desde logo tenha se tornado, para mim, uma experiência muito real com a possibilidade do não ser, não vir a existir, levando-me a deduzir que a vida não passa de um acidente, tantas vezes determinada por fatores até maiores que aquela terrível competição entre milhões de espermatozoides em busca de um único óvulo.

Talvez pela história contada por meu pai eu sempre ouça com estranheza as notícias que dão conta da perda da vida de jovens, muitas delas determinadas por assassinatos. Nesses tristes episódios é comum que ouçamos sobre vidas ceifadas muito cedo e bestamente, impedindo-se os que morreram de continuar suas trajetórias, constituir famílias etc. Casos assim nunca me parecem distantes, há neles algo familiar para mim, como se fizéssemos parte de um vasto contingente de pessoas em que alguns tiveram a sorte de vir à luz, outros nem chegaram a ser concebidos.

Escrito por Ayrton Marcondes

19 maio, 2011 às 10:32 am

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O público e o privado

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A questão que se impõe, no caso Antônio Palocci, é a exata delimitação entre o público e o privado. Palocci, ministro da Casa Civil, é acusado de aumentar seu patrimônio em mais de 20 vezes no curto período de quatro anos. Comprou ele um apartamento de milhões de reais, um escritório e justifica-se dizendo que declarou seu patrimônio à Receita Federal. Quanto à origem do dinheiro afirma o ministro ser resultado de consultorias dadas através de sua empresa.

Não é a primeira vez que Antônio Palocci se vê envolvido em escândalos. O atual divide a opinião, curiosamente abrigando em lados opostos até mesmo correligionários e adversários do ministro: José Serra, opositor, declara-se contrário à investigação da origem do patrimônio; um deputado do PT considera importante o esclarecimento da situação.

Para os partidários de Palocci a fortuna adquirida nesses quatro anos é mais que normal, citando-se até os casos de FHC e Lula que teriam ganhado muito dinheiro em apenas um ano, fazendo palestras. Pensam de modo diferente os opositores para quem o ministro tem a obrigação de se justificar, declarando a quem prestou serviços de consultoria e o quanto recebeu de cada um. Por trás do discurso oposicionista existe a suspeita de tráfico de influência que muito pano tem dado para manga na história política do país. Nesse sentido é bom lembrar que, recentemente, a revista Veja publicou reportagem acusando um ex-ministro de governo de tráfico de influência.

Em relação ao caso Palocci a questão se situa entre dois polos opostos. De um lado fica o cidadão que, ao tempo em que não está a serviço do governo, trabalha, recebe por isso e declara seus ganhos à Receita. A esse cidadão deve-se o respeito ao sigilo de seus negócios desde que não figurem ilícitos à Receita Federal. Isso quer dizer que se Antônio Palocci não fosse figura pública ou ministro de Estado seu enriquecimento possivelmente se perderia entre outros tantos que acontecem por aí, às vezes miraculosamente.

O segundo polo é aquele em que Palocci, a partir do momento em que ocupa cargo público do alcance de um ministério, tem por dever a transparência de tudo o que faz, esclarecendo a fundo suas transações comerciais. Isso significa que, até certo ponto, ao assumir um cargo público abdica da algumas prerrogativas que possui enquanto cidadão comum. Se a essa sopa acrescentarem-se os interesses políticos da situação e da oposição em relação ao caso do ministro poderemos avaliar a complexidade da questão.

O caso que envolve o ministro Antônio Palocci faz lembrar a velha história da mulher de Cesar de quem se dizia que não bastava ser honesta, ela também tinha que parecer honesta. Não sendo esta a primeira vez de Palocci fica ele na posição da mulher de Cesar. Demais – e principalmente – existe a opinião pública, a gente que trabalha dando duro para receber seu dinheirinho, bem distante de negociatas que muitas vezes rendem milhões. É para a imensa legião de brasileiros que se reclamam esclarecimentos de Palocci, mantendo firme a confiança que as pessoas têm no trabalho e nos ganhos lícitos. Ainda assim, que não se desmereça o aspecto jurídico da questão, não se negando ao ministro os direitos que a ele cabem enquanto cidadão.

Posição difícil e complexa a do ministro, mas que não deve apoquentá-lo porque, para ficar com o dito popular, quem não deve não teme. Mais cedo ou mais tarde a verdade dará a suas caras, assim como o Sol insiste em brilhar a cada manhã.

Quando fala mais alto o lado animal

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“A pátria, a honra, a liberdade nada existe: o universo gira em torno de um par de nádegas”. Essa afirmação, de autoria do filósofo existencialista Jean Paul Sartre, ganha atualidade no momento em que o diretor do FMI (Fundo Monetário Internacional) é preso, acusado de agressão sexual, retenção ilegal e tentativa de estupro de uma camareira de 32 anos em um quarto de hotel em Nova York.

É preciso dizer que Dominique Strauss-Kahn, o diretor do FMI, não é qualquer um. Membro do Partido Socialista francês ele aparece nas pesquisas como principal adversário do atual presidente, Nicolas Sarkozy , nas eleições presidenciais a serem realizadas em abril do ano que vem. Quanto à acusação divulga-se que, após a tentativa de estrupo, Strauss- Kahn saiu às pressas do hotel em direção ao aeroporto JFK e foi preso, dentro da aeronave que o conduziria à França. Detalhe: Strauss-Kahn se reuniria, no dia seguinte, com a chanceler alemã,  Angela Merkel, fato que por si só revela a importância do cidadão.

No que isso vai dar não se sabe. Strauss-Kahn já contratou, para sua defesa, um renomado advogado norte-americano. A linha da defesa será a de alegação de inocência, afinal trata-se da palavra de uma camareira contra a do poderoso diretor do FMI. Evidentemente, as circunstâncias do episódio serão apuradas lembrando-se que, segundo a camareira, o diretor saiu nu do banheiro e a atacou. Contará também em favor da camareira o fato de Strauss-Kahan ter mantido, anteriormente, caso com uma funcionária do FMI, mulher casada.

Duas coisas impressionam em relação a esse caso que repercute internacionalmente. A primeira é a presteza da polícia norte-americana que saiu no encalço de personagem tão importante e o prendeu dentro do avião prestes a decolar. É de se imaginar se em outros países, particularmente nos chamados emergentes, isso ocorreria. Será que a queixa de uma camareira de hotel no Brasil resultaria na prisão do diretor do FMI que acabara de se reunir com a presidente da República?

A segunda coisa a impressionar é a atitude animalesca de homem tão ilustrado, caso venha a ser confirmada. O fato é que não se espera de um homem como Strauss-Kahn ato não só irresponsável como inadmissível, absurdo ultraje a uma mulher. Comportamentos de tal ordem alinham-se com personalidades pervertidas às quais escapa o controle de seus instintos básicos. Em casos assim fala mais alto o lado animal, exteriorizando-se taras aninhadas sob o verniz de civilidade que as encobre.

A reação da imprensa em todo o mundo é cautelosa. O FMI decidiu manter seu diretor cargo e acompanhar a evolução do caso.  A agressão sexual, caso se confirme, passará a fazer parte de uma vasta galeria de escândalos sexuais envolvendo celebridades da esfera política e econômica. Quanto a Dominique Strauss-Kahn os franceses estão perplexos e dando por encerrada a carreira pública dele . O fato é que o diretor do FMI se meteu numa encrenca daquelas, maior ainda caso a agressão venha a ser confirmada.