2016 agosto at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para agosto, 2016

Testamento político

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Eu tinha sete anos de idade em agosto de 1954, no dia em que Getúlio se suicidou. Soube da morte do presidente na rua, chão de terra, do distrito em que morava. Meninos como eu repetiam: o Getúlio morreu.

Notícia espalhada a molecada correu à casa do seu Getúlio. Era ele o funcionário da Sul Mineira, companhia de eletricidade. Mas, o seu Getúlio estava bem vivo. Só aí compreendemos tratar-se de outro Getúlio que era o presidente da República, fosse lá o que isso fosse.

Ao entrar em casa com os pés descalços e sujos de sempre minha mãe me fez voltar e limpá-los. Chão de terra na rua, mas dentro de casa asseio e limpeza! Era a regra.

Encontrei meu pai e dois homens com os ouvidos grudados no rádio da sala. Ouviam notícias do Rio. Não me lembro de uma só palavra dita na ocasião, mas ficaram-me imagens das faces dos homens diante do rádio. Faces tensas, preocupadas, uma delas mal contendo as lágrimas.

A todo instante a carta-testamento de Getúlio era lida, causando grande impacto nos ouvintes. Só anos mais tarde eu viria a compreender o “saio da vida para entrar na história”. Era o fim de um ídolo amado pelas multidões, figura controversa, ditador e mais tarde presidente eleito que não resistiu ao episódio da Rua Toneleiros.

Lembrei-me do dia da morte de Getúlio ao ver a presidenta Dilma defender-se no Senado. Era julgada por crimes fiscais cometidos na presidência. A certa altura o impeachment foi comparado com assassinato político. Dilma fez seu testamento político e comparou-se a Getúlio. Mas, a carta de Getúlio fora a ”carta de um morto”, daí a impossível comparação.

No Brasil existem fatos e datas inesquecíveis. A derrota de 50 no Maracanã, o suicídio de Getúlio…  Não parece que o impeachment de Dilma, caso aconteça, possa ombrear-se, em igual relevância e memórias, com os grandes acontecimentos que tanto nos marcaram.

O Inferno do telemarketing

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Outro dia me ligou o Moacyr Franco. Adoro o Moacyr. Certa vez o vi, pessoalmente, num clube de São Sebastião. Não tive coragem para me aproximar dele. Queria perguntar sobre o Ronald Golias sobre quem me falara um ator da famosa “Família Trapo”. Desta vez Moacyr entrou em contato comigo através de uma ligação telefônica gravada. Aliás, entrou inúmeras vezes. O telefone tocava e lá vinha a voz do Moacyr. Até eu ficar com raiva dele…

A turma do telemarketing não respeita ninguém. A Editora Abril dispõe de um eficiente serviço do gênero. Não só ligam muitas vezes ao dia como nos horários mais impróprios. Ser acordado num sábado às 8 da manhã por uma moça, vendendo assinaturas é uma delícia. Ou na sexta à noite justamente quando se começa a relaxar. Ou durante todo o dia. Tantas vezes que decidimos não assinar mais as revistas da editora. E olhe que minha mulher assina algumas.

O problema é que não dá para não atender o telefone. Pode ser algum filho, um parente com problema, um amigo querendo bater um papo, um recado, um convite. Não é que o telefone é útil?

Entre outros também se destaca o cara do cemitério que sempre liga, tentando vender um lóculo, explicando que não terei problemas em caso de falecimento porque tudo já fica acertado. É tudo simples, basta morrer e enterrar. Na última vez disse a ele que na verdade já morri e estava enterrado. Atendia de dentro do meu caixão. Ele deu um tempo, mas voltou a ligar. Acho que deve ser algum adivinho, prevendo que estou no fim dos meus dias, querendo me preparar.

E os corretores de imóveis? Pelo amor de Deus, não quero comprar unidades em hotéis. Será que ninguém entende isso? Sem falar nas ofertas de carros, financiamentos a juros baixos, empréstimos pessoais vantajosos, etc.

Infelizmente, sei que não adianta reclamar. Nem pedir que, pelo amor de Deus, respeitem o meu sossego.

Aviso: está em ação um exército de vendedores que não se importam com o sossego de ninguém. O inferno do telemarketing veio para ficar.

A quinta força

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De que estamos ainda longe de ver até onde a tecnologia pode chegar não existem dúvidas. Quem acompanhou as evoluções tecnológicas dos últimos 50 anos certamente sabe que novas descobertas e avanços virão por aí deixando conquistas como celulares e computadores atuais para trás. Isso para ficar no mínimo.

A verdade é que o homem ainda não conseguiu dominar completamente as variantes físicas e químicas do planeta. Que dizer, então, do universo que nos cerca? O espaço continua a ser um grande mistério com seus buracos negros, explosões de estrelas etc.

Até agora sabia-se da existência de quatro tipos de forças na natureza: eletromagnetismo, gravidade, forças fortes e forças fracas entre átomos. Agora os cientistas anunciam uma quinta força decorrente de evidências da existência de uma partícula 30 vezes mais pesada que um elétron. A pesquisa de cientistas húngaros não deixava claro se a partícula seria de matéria ou teria força. Posteriormente outros cientistas identificaram uma nova força estabelecida entre as partículas descobertas e elétrons e nêutrons interagindo em espaço muito curto.

Explica-se que a quinta força é responsável pela interação chamada spin-spin de longo alcance. Já conhecemos interações desse tipo de pequeno alcance como, por exemplo, atração por imãs e aço nas geladeiras.

Novas experiências são necessárias para analisar a quinta força. Para nós, leigos, tudo isso parece coisa de filme. Cientistas avaliam que a descoberta da quinta força poderá mudar completamente o entendimento atual sobre o universo.

Informações sobre o assunto em artigo do Nature News.

Sobre periquitos

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Discreto, amável, contido e de fala mansa o careca do táxi mais parecia alguém robotizado para integrar-se à máquina que dirigia. Circulava devagar, cuidadosamente. Depois que dei a ele o endereço de para onde seguiríamos, recolheu-se meditativo.

Fui eu quem interrompeu o silêncio, perguntando a ele se circulara pela região da Ponta da Praia. Respondeu-me que passou apenas perto porque o trânsito fora interrompido. A ressaca marinha de véspera fora grande, com as águas invadindo a avenida. Comentei sobre a força do fenômeno. Ondas de 2,60m de altura, ventos de 82 km. O mar derrubara a mureta da praia, atravessara a larga avenida, inundara as garagens dos prédios onde carros flutuavam. Na avenida e ruas adjacentes carros moviam-se boiando na água. E pedras enormes foram trazidas pela água até a avenida. Na manhã de hoje bombeiros trabalhavam para resolver a situação.

Foi quando passamos defronte a uma clínica veterinária que o rapaz me falou sobre seu animal de estimação:

- O meu periquito está internado aí.

-Periquito? - perguntei.

Seguiu-se o relato sobre a vida do periquito. Ele achara-o na rua. Levara-o para casa, cuidara do bichinho. Daí nascera a amizade. O periquito retribuía a ele todo o afeto e carinho. De repente parou o táxi. Sacou do bolso o celular e pôs-se a procurar foto do periquito. Quando a encontrou, passou-me o aparelho e disse comovido:

- Somos nós.

Eram ele o periquito sobre a sua cabeça, os pés assentados na área calva. Nesse momento vi o motorista de frente e surpreendi uma lágrima furtiva em seu rosto.

Perguntou-me se eu acreditava na inteligência dos animais. Para ele o periquito tinha inteligência porque o reconhecia. Toda vez que entrava em casa lá vinha o periquito, procurando-o.

Mas, por que raios o periquito fora parar numa clínica? A culpa fora do vento. Embora morasse em apartamento fora impossível conter o vento fortíssimo que entrava pelas frestas das janelas. E o periquito adoecera. Na verdade o veterinário não dera muita esperança. O caso era grave, que esperasse pelo pior, só mesmo por milagre.

Chegamos ao nosso destino. Deixei no táxi um homem sofrendo, tamanha sua paixão pelo periquito. Já em casa fui procurar detalhes sobre o pequeno psitaciforme. Descobri que o periquito - Melopsittacus undulatus – é uma ave cuja expectativa de vida, em cativeiro, é de 5 a 10 anos. Alimenta-se de sementes. Talvez o que tenha abalado a saúde do periquito tenha sido o fato de seu dono alimentá-lo com ração imprópria para a espécie. Por isso o motorista do táxi colocara a culpa no vento. A tantas me confessara que não suportaria o fato de ser o responsável pela morte do animal, caso viesse a acontecer.

Escrito por Ayrton Marcondes

22 agosto, 2016 às 9:47 pm

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A má vontade dos ricos

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Existem falhas, mas ao olimpíadas no Brasil são um sucesso. Aliás, sucesso que confronta a teia de maus augúrios sobre a realização dos jogos no país. De fato, poucos dias atrás o Brasil estava nas manchetes dos meios de comunicação dos países desenvolvidos. Inquietavam-se com a realização dos jogos num país politicamente instável, assolado por epidemias, em crise econômica, com violência incontrolável, enfim o fim do mundo. Atletas se recusavam a participar dos jogos pelo receio de contraírem a Zica. Nossas cidades estariam sob a ação de viroses e vir para o Brasil poderia resultar em catástrofe.

Mas, para espanto geral, a abertura dos jogos foi um sucesso. O país que não teria condições para organizar evento de tal grandeza surpreendia.  O país incapaz de instalar uma rede hidráulica satisfatória na vila olímpica começava bem. Mas, as críticas sempre sobrepujaram as boas realizações.

Agora, deu no NYT. O jornalista Roger Cohen daquele jornal escreve que “existe algum sentimento no mundo desenvolvido que não gosta de ver que um país emergente também pode organizar um grande evento esportivo.” Cohen também escreve:

“Esse texto é para falar basicamente que este jornalista americano está cansado de ler histórias negativas sobre os Jogos Olímpicos brasileiros - a raiva das favelas, a violência que continua, o abismo entre ricos e pobres, …”

Recentemente recebi alguns norte-americanos que vieram ao Brasil para participar de uma cerimônia de casamento. Um deles confessou-me que temia muito vir ao país. O pouco que sabia sobre o país era desencorajador. Não chegou a dizer, mas trazia consigo a imagem de um lugar extremamente perigoso, violento, assolado por constantes epidemias e de governos instáveis. O homem surpreendeu-se com a existência de uma megalópole como São Paulo e a beleza do litoral paulista. Quase disse a ele que tiráramos das ruas os índios armados com arcos e flexas apenas para protegê-lo…

O sentimento do mundo desenvolvido em relação ao Brasil não se restringe a não gostar de ver a organização de um grande evento esportivo. Existe uma declarada má vontade em relação ao país. Boas realizações são ensombrecidas pelo destaque a fatos menores. Há sempre que se pegar as coisas pelo que elas têm de menor. Nesse sentido a realização dos jogos tem se mostrado favorável ao país. Expondo-nos aos olhos do mundo e mostrando que nossa extensão e diversidade foram positivas para a construção da nação quem sabe alavanquem-se novos negócios internacionais e mesmo o turismo ainda hoje bem distante do que poderia ser.

Dia dos pais

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Certa vez um amigo me disse que tentava dar aos filhos o que não recebera de seu pai. Referia-se a amor, carinho, atenção e cuidados. Em viagem que fizeram juntos - o avô, meu amigo e os netos – houve um incidente. Meu amigo brincava com as crianças quando seu pai, subitamente, disse que se arrependia por não ter dado atenção igual a ele. Ao ouvir o pai meu amigo se retraiu. Depois, disse-me que não seria agora a ocasião de acertar as coisas. O pai fora ausente, nunca dera carinho a ele e isso sedimentara-se a ponto de tornar-se definitivo. O amigo ressentia-se, entre ele e seu pai as portas estariam para sempre fechadas. Nesse assunto específico relações irreconciliáveis.

Penso que, talvez - ressalte-se o talvez - os pais nascidos na primeira metade do século XX não teriam sido educados de forma a se abrirem em contatos menos formais com os filhos. Pode ser exagero, mas não me lembro de ter presenciado, em minha infância, tantas amabilidades entre pais e filhos de diversas famílias. Não se trata, obviamente, de afirmar que pais e filhos não se amassem. Apenas, não demonstravam, pelo menos em público, a afetividade que hoje vemos a toda hora. Verdade que eram outros tempos, outro mundo. Homens, chefes de família, tinham seu lugar de honra na estrutura familiar. Mulheres na maioria dos casos dedicavam-se a cuidar da casa e dos filhos, situação muito diferente da que hoje se observa, tal o grau de conquistas que o sexo feminino tem conseguido no mercado de trabalho, embora ainda insuficientes.

Eram homens mais empertigados, diferentes dos pais de hoje, esses mais despojados que a todo momento abraçam e beijam as crias.

Não me lembro de um só abraço ou beijo fraterno de meu pai. Éramos e sempre fomos distantes. Durante toda a vida dele não conseguimos alcançar nível de relacionamento semelhante ao que hoje se observa. Verdade que no fim de sua vida meu pai tentou aproximar-se. Mas, era tarde. Homem formado e há muito morando em outras cidades não me empenhei em reconstruir algo de que tanto me ressentia.

Se me arrependo? Não sei. Creio que para pessoas como meu amigo e eu, nascidos na virada dos anos 40 para os 50, certas coisas acabaram pesando demais. Entretanto, a cada ano quando nos aproximamos do dia dos pais, não deixo de pensar naquele homem que foi meu pai. Repasso situações vividas e daria tudo para estar com ele por alguns instantes. Teríamos, talvez, muito a nos dizer. Ou ficaríamos calados, olhando-nos, tentando romper barreiras que sempre impediram que nos abraçássemos.

É o que temos para hoje

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O “Fora Temer” continua em ação. O Senado Federal deu mostras de que a presidenta afastada não terá chances de voltar ao poder. Aliás, ela e seu partido batem cabeças. Dilma prepara-se para publicar em carta seu testamento político. Preocupa-se com sua biografia. Fala-se em outra carta pedindo novas eleições. O PT teme que ela ataque o partido ao qual já atribuiu culpa pelo caixa 2 de campanha. O mar não está pra peixe para os petistas acusados por todos os lados e clamando por inocência de seus pares.

“Fora Temer”? Bem, Temer é o que temos para hoje. Goste-se ou não. Não se acredita que Dilma, caso volte ao poder, possa gerir o país. A presidenta afastada caiu em descrédito para grande parcela da população. Por suas características pessoais ficou de mal com os congressistas que se recusam a apoiá-la. Tem, sim, seus seguidores, cada vez em menor número.

Então: “Fora Temer”? Se pudéssemos passar borracha em tudo, apagar tudo, desligar as memórias e vir-nos diante de um quadro novo, com pessoas novas: que maravilha. Mas, só temos o Temer que, aliás, foi eleito juntamente com a Dilma. Se ele sair a solução ocorrerá por vias indiretas e sabe-se lá no que vai dar.

São admiráveis essas pessoas, os contrários e os favoráveis ao retorno da presidenta. Golpe e democracia são, a todo instante, palavras arroladas em intermináveis embates de opinião. Acusações e defesas se alternam em acaloradas discussões.

Mas, o que não se pode negar é que, devagarinho, o país parece começar a voltar aos trilhos. Nada resolvido, mas respira-se, é verdade que ainda com dificuldades. O sufoco de políticos enfrentando-se e o país paralisado refluiu. É preciso trabalhar.

Então, o “Fora Temer”…

A sessão “Mortes”

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De poucos anos para cá não deixo de ler a sessão “Mortes” dos jornais. Os obituários passaram a me interessar e me pergunto sobre a razão. Fulano de tal tinha tantos e tantos anos e será enterrado em tal cemitério. Em alguns jornais publicam-se informações sobre a trajetória de vida de algum dos falecidos. Nasceu em tal cidade, imigrou ou não para o Brasil, fazia isso ou aquilo, tinha bons amigos, empenhava-se em tal atividade, deixou viúva e filhos. Pequenas histórias sobre a vida de pessoas em geral desconhecidas que no fundo funcionam como sinal para os vivos: um dia tudo acaba.

Percebo que o que mais interessa nos obituários é a duração da vida. Quantos anos esteve entre nós aquela senhora desaparecida ontem? Estamos morrendo mais tarde como dizem os que alertam sobre o envelhecimento da população? Estarei entre os que partem mais cedo ou terei, ainda, pela frente uns aninhos?

É certa intolerância em relação ao embarque no barco de Caronte o que me move a buscar notícias sobre a morte. Não tenho a menor ideia sobre a vida das pessoas que desertaram do planeta. Mas eles me atraem, talvez pela parceria de condição. Vivemos como se a vida jamais tivesse fim. Conheci doentes terminais que, no leito de morte, clamavam pelo destino de seus negócios. O vínculo da vida é forte, muito forte. Num jogo sem saída, no qual ou se vive ou se morre, não resta lugar para ilusões. É viver ou morrer.

Muito raramente topo num obituário com o nome de alguém que posso ter conhecido. Nesses anos descobri em obituários de jornais dois nomes de pessoas a quem de fato conheci, uma delas meu colega de bancos de faculdade. Mas, de que teria morrido ele? Tinha a minha idade, levara-o a doença? Um acidente? Vítima de um crime? De que morrera aquele colega de tantos anos com quem eu perdera o contato e de repente o reencontrava num anúncio para a missa de sétimo dia?

Através de outros amigos vim a saber que o colega tivera vida profícua, destacando-se em seu âmbito profissional. Entretanto, o mesmo não ocorrera em sua vida particular. Circunstâncias desconhecidas agravaram seu estado psíquico, levando-o ao suicídio. Entretanto, não soubera como dar fim à vida, sobrevivendo à tentativa e ficando em estado vegetativo. Permaneceu assim durante alguns meses até sua morte vir publicada no jornal.

Houve tempo em que pensei na morte. Se acordava de madrugada sempre me entregava à suposição sobre o tempo que me restava de vida, a possível circunstância da minha morte e o sofrimento. Lembrava-me de meu pai morrera quase que instantaneamente enquanto minha mãe sofrera durante alguns anos até o seu óbito.

Hoje em dia a morte não mais me preocupa. Não tenho medo de morrer. O fim da vida parece-me algo natural e nem mesmo vejo razões para preparara-me para o fim. Acontecerá, sei lá quando, e ponto final.

Então, por que a atração pelos obituários? Não sei. Pergunto-me sobre o meu possível interesse caso houvesse nos jornais a sessão “nascimentos”. Lembro-me de que, no passado, alguns órgãos de imprensa publicavam notas sobre a vinda ao mundo da criança tal, filha do ilustre casal tal etc. Mas, teria eu interesse sobre esse assunto?

No fim das contas é a proximidade da morte que começa a governar nossos passos cada vez mais claudicantes. Não é bom racionalizar o assunto, exagerar sobre o inevitável. Mas, não deixa de ser estranha a sensação de que nos aproximamos cada vez amis do fim, que tudo que somos a acreditamos ficará encerrado sob uma lápide. Ou num cantinho de jornal.

Perigo iminente

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Era um negro alto e muito forte. Trazido por policiais ao PS -pronto-socorro - apresentava cortes num dos braços. Sangrava bastante. Os policiais fizeram-no deitar-se na maca da sala de atendimento. Eram cinco. Um deles ficava à distância, com a mão sobre o revólver preso à cintura. Os demais posicionaram-se, dois de cada lado. Segurança.

O médico estranhou. Chamou um dos policiais de lado e perguntou sobre a razão de tanto aparato. Ouviu que não sabia com quem estaria tratando. O bandido fora preso durante um assalto. Era chefe de gang, muito procurado. Perigosíssimo.

Acostumado ao inesperado o médico não se abalou. Eram quatro da manhã, o sono pesava. Aproximou-se do homem sobre a maca, limpou o ferimento do braço e preparou-se para a anestesia local. No momento em que ia enviar a agulha no braço, o bandido se retraiu. Alterando a fisionomia, estamparam-se em sua face sinais de receio. Ao que bradou:

- Injeção não tomo de jeito nenhum.

Em vão o médico explicou que se tratava de anestesiar o braço. Anestesia local sem o que a dor pela sutura seria insuportável. O bandido sacudia a cabeça: não, não e não.

A essa altura um dos policiais, temendo uma reação mais forte, perguntou ao homem se o médico poderia costurá-lo sem anestesia. Ao que ele respondeu de pronto, mandando seguir em frente.

Foi assim. O corte era profundo de modo que foram necessários muitos pontos internos. A cada passagem da agulha de sutura o homem da maca se contraia, sempre quieto. Em vão o médico tentou explicar que cada passada da agulha de sutura corresponderia à picada para a anestesia.

Terminado o atendimento o bandido sentou-se para ser levado. O médico tirava as luvas quando ouviu de seu estranho paciente a confissão de que, na verdade, morria de medo de injeções. Desde criança. Aliás.

Em pé o bandido mais parecia um gigante. Saiu cercado pelos cinco policiais. Na porta voltou-se e disse ao médico que acaso precisasse dele estaria à disposição. Agradecia ao favor.

Era um bandido famoso, como se disse procurado pela polícia. Sabe-se lá o que o levara o crime. Mas, debaixo daquela armadura que tanto impressionava, vivia um menino. Um menino que tinha medo de injeções.

Foi Freud quem nos alertou sobre a falsa suposição de que nós, adultos, somos donos dos nossos narizes. Há sempre uma criança intrometendo-se em nossos atos e decisões.

Praga no futebol

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Não adianta somos um povo apaixonado pelo futebol. Aliás, perdidamente apaixonado, justificando-se a tal história da pátria de chuteiras.

Não me lembro da Copa de 54. O Brasil perdeu para fortíssima Hungria de Puskas e voltou para casa. Creio que o primeiro jogo de seleção de que me recordo – tinha então 6 anos de idade - foi o do Brasil com a Inglaterra, em 1956. O jogo foi transmitido pelo rádio e meu irmão ouviu a narração. Foi o tal jogo em que o “velhinho” Stanley Mathews, de 40 anos, fez o diabo com o Nilton santos, lateral esquerdo do escrete que, mais tarde, ficaria conhecido como a “Enciclopédia do Futebol Brasileiro”. O Brasil perdeu por 4 a 2, jogando no estádio de Wembley completamente lotado. O técnico era Flávio Costa, o mesmo do vexame de 50 no Maracanã.

Depois disso vieram as glórias. Campeão em 58 e 62, tricampeão em 70 e por aí foi até o pentacampeonato. Então os deuses parecem ter se cansado de nosso futebol. Participações medianas em copas, excetuando-se as competições de 82 e 86 que perdemos, mas seriam nossas.

O fato é de alguns anos a este a coisa toda assumiu ares de maldição. Os deuses parecem não só ter-nos virado a face como amaldiçoado. Uma grande praga, enorme, talvez tenha siso mesmo lançada sobre o futebol brasileiro que, da noite para o dia, parece estremecer diante de seus antigos fregueses. Na Copa de 2014 realizada no país estampou-se ao mundo a maior vergonha da história de nosso futebol, maior até que a derrota para o Uruguai, no Maracanã, em 50. A seleção da Alemanha humilhou aos nacionais, simplesmente irreconhecíveis, sob o placar de 7 a 1. Poucas vezes se verificou maior silêncio em nossas ruas. O país entrou em transe que demorou a passar.

Mas, praga é praga. Quando pega atinge todos os níveis. Agora ela pesa sobre a seleção olímpica do Brasil que desencanta ao não conseguir vencer seleções de países sem qualquer tradição futebolística. Ontem, diante do Iraque, deu-se mais um passo nessa sequência de tristes apresentações. Empatar por zero a zero com o Iraque, cá entre nós, é o fim do mundo.

Mas se temos bons jogadores, se temos tradição, por que isso aconteceu? Meus caros, a culpa só pode ser dos deuses. De algum modo a glória de nosso futebol deve tê-los incomodado. Talvez por colocá-los em segundo plano, encobrindo-lhes o natural brilho.

A solução? Bem, feiticeiros não faltam no país. Quem sabe um trabalho realizado nos terreiros, de norte a sul, resolva o problema. É hora de convocar pais-de-santo que, em esforço conjunto, poderão reverter a atual situação.

Você não acredita nisso? Então vá se preparando. A seleção principal corre risco de não se classificar nas eliminatórias para a próxima copa. E a olímpica está, nesse momento, correndo ladeira abaixo. Talvez, um grande esforço geral, muita mandinga, ajude a convencer os deuses que ficaram de mal com o nosso futebol. Porque esperar pelas pernas de nossos jogadores e suas chuteiras…