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Perigo iminente

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Era um negro alto e muito forte. Trazido por policiais ao PS -pronto-socorro - apresentava cortes num dos braços. Sangrava bastante. Os policiais fizeram-no deitar-se na maca da sala de atendimento. Eram cinco. Um deles ficava à distância, com a mão sobre o revólver preso à cintura. Os demais posicionaram-se, dois de cada lado. Segurança.

O médico estranhou. Chamou um dos policiais de lado e perguntou sobre a razão de tanto aparato. Ouviu que não sabia com quem estaria tratando. O bandido fora preso durante um assalto. Era chefe de gang, muito procurado. Perigosíssimo.

Acostumado ao inesperado o médico não se abalou. Eram quatro da manhã, o sono pesava. Aproximou-se do homem sobre a maca, limpou o ferimento do braço e preparou-se para a anestesia local. No momento em que ia enviar a agulha no braço, o bandido se retraiu. Alterando a fisionomia, estamparam-se em sua face sinais de receio. Ao que bradou:

- Injeção não tomo de jeito nenhum.

Em vão o médico explicou que se tratava de anestesiar o braço. Anestesia local sem o que a dor pela sutura seria insuportável. O bandido sacudia a cabeça: não, não e não.

A essa altura um dos policiais, temendo uma reação mais forte, perguntou ao homem se o médico poderia costurá-lo sem anestesia. Ao que ele respondeu de pronto, mandando seguir em frente.

Foi assim. O corte era profundo de modo que foram necessários muitos pontos internos. A cada passagem da agulha de sutura o homem da maca se contraia, sempre quieto. Em vão o médico tentou explicar que cada passada da agulha de sutura corresponderia à picada para a anestesia.

Terminado o atendimento o bandido sentou-se para ser levado. O médico tirava as luvas quando ouviu de seu estranho paciente a confissão de que, na verdade, morria de medo de injeções. Desde criança. Aliás.

Em pé o bandido mais parecia um gigante. Saiu cercado pelos cinco policiais. Na porta voltou-se e disse ao médico que acaso precisasse dele estaria à disposição. Agradecia ao favor.

Era um bandido famoso, como se disse procurado pela polícia. Sabe-se lá o que o levara o crime. Mas, debaixo daquela armadura que tanto impressionava, vivia um menino. Um menino que tinha medo de injeções.

Foi Freud quem nos alertou sobre a falsa suposição de que nós, adultos, somos donos dos nossos narizes. Há sempre uma criança intrometendo-se em nossos atos e decisões.