2012 novembro at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para novembro, 2012

Perda de amigo

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A partir de certa idade não há como evitar o dissabor de receber notícias sobre o desaparecimento de pessoas que conhecemos ao longo da vida. Hoje fui surpreendido com nota de falecimento, publicada em jornal, sobre amigo com a qual trabalhei durante alguns anos. Éramos funcionários da mesma empresa e sempre trocávamos ideias nos intervalos das nossas atividades. Bons camaradas, estimávamo-nos mutuamente.

Há alguns anos não via esse amigo quando, por acaso, o encontrei. Na ocasião conversamos durante algum tempo e nos despedimos prometendo-nos não perder contato etc. Isso acabou não acontecendo pelos motivos de sempre, os tais compromissos inadiáveis que muitas vezes nos constrangem, sendo impossível evitá-los.

Agora recebo a nota fúnebre sobre o desaparecimento do amigo e me surpreendo com a discrição dele. Leio que ele nasceu num campo de concentração no qual estava sua mãe. O pai alistara-se no exército russo e lutou na Segunda Guerra. Mais tarde veio para o Brasil onde se encontrou com a mulher e o filho que já estavam aqui.

Quando estudante o meu amigo participou da política acadêmica e acabou sendo preso durante o período de ditadura militar. Vim a conhecê-lo muito mais tarde e nunca ouvi dele qualquer comentário sobre o seu passado, daí a minha surpresa.

O amigo a quem me refiro era engenheiro e dedicou-se à área de ensino, tendo lecionado Matemática a várias gerações de alunos. Dirigiu escolas em São Paulo e deixa saudades. Chamava-se Damian Schor. Tinha 69 anos de idade e faleceu devido a problemas cardíacos.

Escrito por Ayrton Marcondes

30 novembro, 2012 às 12:16 pm

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São Luís, Maranhão

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Nem pensar em recomendações para turistas atrás de lugares para gozar alguns dias de descanso. Isso é coisa para ser feita por gente da área de turismo, os caras que manjam do riscado e sabem separar bem o trigo do joio.

Turista ocasional eu viajo quando posso, quando a vida me dá oportunidade, sempre esses arranjos de datas quase impossíveis agregadas a algum feriado, somando-se a fins de semana e pronto, lá vamos nós para o desconhecido a ver o que é que existe por lá. A coisa começa com uma busca geral de opções - sempre pela internet, nunca através de pacotes oferecidos pelas companhias de viagem. Na última veio a curiosidade sobre o Maranhão do qual se falam maravilhas, enfatizando-se a capital São Luís cujo centro é lindo com as frentes de casas azulejadas - azulejos antigos trazidos por portugueses etecetera e tal.

O voo direto leva pouco amis de três horas – partindo-se de São Paulo - e você desembarca num aeroporto pequeno que dista cerca de 13 Km da cidade. O táxi que leva ao hotel custa R$ 50,00 e o motorista vai logo avisando que em São Luís o trânsito é de amargar, coisa que você confirma ao ver as longas filas de carros nos quais nem sempre se encontram motoristas que dirigem bem. Em todo caso é bom deixar claro, desde logo, que os brasileiros do Maranhão são pessoas muito corteses que tratam bem demais os visitantes.

São Luís não deixa de ser uma cidade diferente de vez que fica numa ilha onde a comunicação entre as partes se faz por longas pontes. Para quem a visita e vai permanecer por alguns dias o melhor é alugar um carro, sendo que, em geral, os preços das diárias ficam acima dos praticados em outras capitais do nordeste.

O centro de São Luís é de fato algo a ser visto embora o estado geral de abandono em que se encontra. Infelizmente muitas das casas antigas estão em péssimo estado e parece que não existe intenção próxima de revitalização do centro. Mas o lugar é bastante frequentado e nele se encontram muitas lojas nas quais se comercializa ótimo artesanato. Para quem curte fotografia o centro de São Luís, especialmente ao entardecer e à noite, oferece excelentes oportunidades para cliques fantásticos. Há que se considerar a proximidade do mar, as escadarias, os prédios antigos, enfim todo um mundo que realmente convida a uma imersão no passado. Não sem razão São Luís é considerada Patrimônio Histórico da Humanidade devido à arquitetura que reflete as ocupações francesa, holandesa e portuguesa ao longo de sua história.

As praias de São Luís, infelizmente, não são lá dessas coisas para isso contribuindo quase sempre estar impróprias para banho devido à poluição das águas do mar. Ainda assim a longa Avenida Litorânea recebe muita gente que frequenta as suas muitas barracas. Quando se pede aos ludovicenses indicação de praia em geral a resposta é Araçagy que fica a pouco mais de 10 km da cidade. Araçagy é praia interessante porque se entra nela como carro. As barracas mantêm cadeiras e chapéus de praia distantes umas das outras, deixando espaço suficiente para que carros possam ser estacionados. Você fica ali, tomando sol, ao lado do seu carro. É assim para todo mundo que frequenta a praia de Araçagy.

Come-se muito bem em São Luís. A cidade tem bons restaurantes nos quais peixes são preparados com admiráveis recursos de culinária. O preço de pratos que servem bem a duas pessoas varia entre R$ 70,00 e R$ 120,00. Há que se lembrar, também, dos ótimos bares que ficam na Lagoa do Jansen nos quais petiscos saborosos são servidos ao som de boa música.

Muita gente se preocupa com o que levar para São Luís. Não são necessárias malas grandes exceto se o turista quiser comprar muitas peças de artesanato. O sol é inclemente, quase nunca chove e as temperaturas são de 32ºC durante o dia. Venta muito. Recomendam-se roupas leves e cuidados com os raios solares que realmente queimam.

Para quem está em São Luís vale a visita à vizinha cidade de Alcântara através de travessia marítima em balsa que parte às 7 horas da manhã. Indispensável visitar Barreirinhas, cidade que dista 270 km da capital. Barreirinhas é a porta de entrada para os famosos Lençóis Maranhenses sobre os quais vale falar em outra ocasião.

Escrevo sobre isso ao sabor das boas lembranças que tenho de São Luís. Também porque quando me decidi a ir não encontrei informações detalhadas sobre o turismo no Maranhão.

Esclerose Lateral Amiotrófica

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A medicina progride, novos recursos permitem aumento da expectativa de vida. Entretanto, existem doenças para as quais não existe cura e o jeito é, como se diz, ir levando embora com muito sofrimento.

Uma senhora, mãe de dois filhos, me fala do marido que sofre de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). Trata-se de uma doença terrível e incurável. Alguns casos são provocados por problemas genéticos, mas na maioria das vezes não se sabe a que atribuir a doença na qual ocorre a degeneração de neurônios motores do cérebro e da medula espinhal. As consequências são fraqueza muscular e endurecimento dos músculos com posterior atrofia. Os pacientes relatam, inicialmente, o aparecimento de fraqueza num dos lados do corpo. Depois a doença progride afetando a sensibilidade e movimentos, chegando-se à situação na qual o doente já não consegue deglutir, tem dificuldades respiratórias e só consegue comunicar-se através do movimento dos olhos. Note-se que a capacidade mental é preservada. Embora a ELA seja doença rara, são muitos os casos e o que se recomenda é diagnóstico precoce para que se possa retardar a evolução do mal.

A senhora com quem falo refere-se ao marido de antes e depois da ELA. Homem inteligente, produtivo, em ascensão profissional, viu-se consumido por doença que o tornou inválido. Desde então a senhora tornou-se esteio da família, cuidando dos dois filhos. Trabalha fora, mas o marido depende completamente dela. Faz tudo por ele. Relata que a filha pequena demorou-se a se conformar como fato de o pai não andar. Ainda hoje, embora já crescida, a jovem se entristece com a condição de vida do pai.

O fato é que existe tendência a não observar com atenção problemas que não são diretamente ligados a nós. Mas, em relação à doença ELA, a omissão é imperdoável. Importa fazer o que estiver ao alcance de cada um para levar governos e instituições a investir em pesquisas relacionadas a esse grande mal.

Há, na internet, um vídeo gravado pelo ator Luciano Szafir no qual ele relata a situação de famílias que convivem com doentes de ELA. Szafir tem uma irmã que sofre da doença. Também ela se comunica com o mundo apenas através do movimento de seus olhos. O vídeo também apresenta fotografias de vários pacientes que sofrem de ELA, mostrando-os antes e depois da doença. O vídeo pode ser acessado pelo link abaixo:

http://www.youtube.com/watch?v=476NEFl74Ng.

Voltando ao caso da senhora não há como não ver nela exemplo de luta e abnegação. Acima dos problemas que enfrenta diariamente, mantém-se ela otimista. Consciente da desgraça que acometeu seu marido não perdeu ela a alegria de viver, levando-me a pensar no quanto tantas vezes valorizamos problemas que nada representam diante de uma situação terrível como um caso de ELA.

Corrupção forever

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Quando você se declara cansado de receber notícias sobre corrupção, quando você se ilude pensando que os corruptos darão um tempo porque existem punições à vista, então você fica boquiaberto por ser obrigado a reconhecer que as tramoias seguem soltas no país.

Não é impressão, não é palpite, trata-se de fato: em grande parte dos organismos que cuidam dos bens públicos existe corrupção. Se analisados com cuidado, se passados a pente fino, dificilmente não se deixará de encontrar algum desvio, favorecimento ou seja lá o que for de ilegal.

O caso da hora é a chamada Operação Porto Seguro que envolve, nada mais, nada menos, que a ex-chefe de gabinete da Presidência da República em São Paulo. Indiciada por corrupção tinha ela relações diretas com membros do alto escalão da República. A Operação Porto Seguro trouxe à luz uma rede de pareceres fabricados sob encomenda, todos produzidos pelo escritório da Presidência da República em São Paulo.

Diante de fato tão escabroso o governo agiu rápido, acionando a guilhotina usada para banir companheiros que são descobertos com a mão na massa. Mas é preciso dizes que a chefa demitida, Rose, não é qualquer uma: fez inúmeras viagens ao exterior com o ex-presdiente Lula e trabalhou durante vários anos com José Dirceu.

Está em andamento um movimento de repúdio ao STF pela condenação dos réus acusados no processo do mensalão. Condenados se colocam como injustiçados sob a alegação de que o julgamento obedeceu a interesses puramente políticos.

Do lado de cá ficamos nós, os espectadores de tudo isso a quem no máximo é dada a possibilidade de rejeição através de voto por ocasião de eleições.  O que há a se fazer é torcer para que a corrupção venha a ser banida no país, isso em respeito aos cidadãos brasileiros que trabalham e alimentam a sempre faminta viúva que come muito através de impostos.

Mas fica a pergunta: corrupção forever?

Crimes em Jussiape

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Jussiape, Bahia, população de 8000 habitantes. Um homem saí à rua, armado até os dentes. Leva consigo revólver e espingarda, três cinturões e uma bolsa cheia de balas. Ao se aproximar de um bar o homem atira na cabeça - e mata - o gerente da empresa de saneamento básico da cidade. Depois se dirige à casa do prefeito e, com dois tiros, fulmina a primeira dama. Em seguida vai ao consultório do prefeito, um médico, e, também, o mata.

Não é difícil imaginar a confusão que se estabelece na cidade: pessoas correndo, comércio fechando, portas das casas sendo trancadas. Os poucos policiais de Jussiape pedem reforços nas cidades vizinhas. Quando chegam trava-se tiroteio com o homem que é atingido e morre, não antes de ferir um dos policiais que, agora, está hospitalizado, em estado grave.

Não é ficção. Aconteceu mesmo. O homem era conhecido como Coló e dono de pequeno quisoque em Jussiape. Matou por vingança, para punir o prefeito que, segundo acreditava, traiu um companheiro de partido, ex-prefeito cassado pela Câmara Municipal. Coló achava que o atual prefeito tinha a obrigação de apoiar a candidatura da mulher do ex-prefeito, mas não o fez, vencendo-a nas eleições. Por essa razão Coló percorreu as ruas mantando gente.

Fez-me lembrar do filme “Um dia de Fúria” no qual um sujeito perde o controle e faz o diabo. Mas, afinal, o que de fato leva uma pessoa à prática de atos tão extremos? Coló seria assassino em potencial que finalmente deparou-se com situação que o motivou à prática de crimes? Teria ele em seu passado algum outro tipo de delito praticado? Ou não passaria de alguém considerado normal para os padrões da sociedade que, simplesmente, de uma hora para outra pirou?

Ações como a de Coló mais se enquadram em tramas ficcionais desenvolvidas nos filmes. Um cangaceiro, cinturões envolvendo a barriga e armas na mão, sai à cata de pessoas às quais pretende matar. O que o move, suas razões profundas, o possível desequilíbrio mental, o desvio de comportamento, tudo isso morre com ele e nos convida à especulação diante de prática tão terrível.

Conheci um homem que, quando jovem, caracterizou-se por ser extremamente briguento. Temperamento forte era ele um cavalheiro no trato, mas não levava desaforo para casa. Certa vez perguntei a ele se na sua história de confusões teria matado alguém. Ele me respondeu:

- Toda vez que atirei, atirei para acertar, para matar. Mas, nunca me aconteceu matar alguém.

Percebendo a minha surpresa ele completou:

- Deus não quis.

O técnico da seleção

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O presidente dos EUA é considerado o homem mais poderoso do mundo. Nos últimos anos mulheres têm ocupado postos de alta relevância: Angela Merckel na Alemanha, Cristina Kishner na Argentina e Dilma Roussef no Brasil são as primeiras mandatárias de seus países.

Para muita gente no Brasil a importância da presidência da República é dividida com o cargo de técnico da seleção brasileira de futebol. Técnico da seleção nacional é um cara pra lá de importante porque detentor de poder paralelo na chamada pátria de chuteiras. Diz-se que em cada brasileiro existe um técnico de futebol e raramente existe concordância geral com as preferências daquele que comanda a seleção. Quando o Brasil venceu a Copa de 58 sob o comando do pacífico Vicente Feola nem assim houve acordo geral. Lembro-me de jornalista que baixou o pau sem seus comentários pelo rádio nos minutos que se seguiram à grande vitória sobre a Suécia e, depois, salvou-se de apanhar quando apareceu no Pacaembu para comentar jogo local. Que dizer do falecido Cláudio Coutinho que conseguiu unir o país contra si a ponto do técnico Osvaldo Brandão declarar-se pronto para assumir a seleção, isso com a Copa do Mundo de 78 em andamento? O time escalado pela torcida não era aquele que Coutinho colocava em campo. No fim o Brasil foi “campeão moral” e as coisas ficaram do jeito que ficaram: nó na garganta de um povo apaixonado por futebol.

Agora o Brasil prepara-se para sediar a Copa do Mundo de 2014. As obras - que a todo dia se nega estarem atrasadas  - correm soltas país afora.  Estádios, aeroportos, hotéis, meios de transporte, aparatos de segurança e outras providências vêm sendo tomadas para que o país não faça feio diante do mundo. Quanto ao futebol nem pensar no repeteco da tragédia de 1950 no Maracanã quando a seleção perdeu o título mundial para o Uruguai de Obdúlio Varela. Entretanto, embora a proximidade da Copa - e antes dela a Copa das Confederações - a seleção brasileira continua indefinida não se sabendo ao certo quais os jogadores que vestirão as camisas que tanto encantam ao povo. A começar pela demissão do presidente da CBF sob acusações de corrupção e seguindo-se ontem pela mudança de técnico pode-se dizer que, em termos de selecionado brasileiro, voltou-se à estaca zero. Ninguém sabe quem será o próximo técnico daí ser impossível fazer-se ideia sobre os nomes que ele escolherá para compor o plantel da seleção.

Hoje se publicam as mais diferentes opiniões sobre a demissão do técnico Mano Menezes. Há quem veja manobra política e momento inoportuno. Outros acham que o técnico deixou a desejar e apontam diferentes razões que justificariam a demissão. A verdade é que faltou a Mano Menezes o carisma que gera confiança. Não teve ele a presença que empolga e não logrou transferir segurança à enorme torcida brasileira. Não que não seja bom técnico, o problema foi e é a dimensão do cargo. Presidentes da República têm à sua volta um mundo de ministros, assessores e todo tipo de ajuda para que mesmo seus erros muitas vezes não transpareçam. O técnico da seleção não goza da mesma sorte. Ele é visível demais, cada decisão sua é avaliada no momento em que é tomada, Demais, futebol é resultado. E os resultados obtidos por Mano Menezes no comando da seleção deixaram a desejar.

Rindo no caixão

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Sonhei com o Carvalhaes. Confesso que há muito não me lembrava dele, sabe como são as coisas nesta vida corrida em que não sobra tempo nem para reminiscências.

No sonho o Carvalhaes estava como em seus bons tempos, tipo magro, ossudo, boca desproporcionalmente larga impressa na face estreita.  Logo que me viu, veio ele com aquele vozeirão que Deus lhe deu, dizendo bobagens, “um monte” como ele mesmo definia a sequência de barbaridades que era capaz de engatar de uma só vez.

O Carvalhaes era um cara da noite. Encontrá-lo só depois de certa hora, em noites que ele chamava progressivas. Dia tem luz, tudo às claras, dizia. É na penumbra que mora o mistério e as pessoas se deixam levar pelos baixos instintos, acrescentava. Era ele dado a fervores estranhos, terreiros de umbanda e leitura da sorte, mas desconfio que no fundo não acreditasse em nada disso. O que o movia, de verdade, era a sedução do mulherio. Louco por mulheres era proprietário de fantástico rol de histórias sobre suas aventuras nas quais sempre suprimia os lances sexuais. Levava o interlocutor até a porta da alcova, passava a ele os possíveis encantos da mulher, mas calava-se quanto ao desenlace. Era canalha, sim, mas tinha classe.

Embora o conhecesse a bem da verdade nunca o vi acompanhado de nenhuma mulher. Como o Carvalhaes era papo prá lá de interessante os amigos gostavam mesmo era de vê-lo falar as suas bobagens, destacando-se sua incrível capacidade para contar piadas. Tinha ele o talento da piada, da rapidez e precisão do comentário certo, jocoso, proferido na hora exata. Fazia rir e ria com a boca grande, mostrando os dentes que surgiam de repente sob o bigode que se erguia durante a gargalhada.

Nunca soube detalhes sobre a vida do Carvalhaes que não fossem ligados aos nossos fortuitos encontros. Eu conheci o Carvalhaes da noite; o do dia-a-dia para mim sempre foi um enigma.

Mas, como acontece a todo mundo, certo dia a morte surpreendeu o Carvalhaes. Amigo comum me avisou e fomos nos despedir da figura. E não é que Carvalhaes tinha mulher e filha, as duas chorosas no velório do cara? Agora, é preciso dizer que aquele morto não era qualquer um daí o velório também ser incomum. A certa altura apareceu lá uma mulher que chorou copiosamente. Depois veio outra e até uma terceira que choraram a perda do encantador. Coisa de filme, não?

Ia o velório adiante quando a última das mulheres aproximou-se do caixão e, de repente, exclamou:

- Mas, o danado está rindo!

Comoção geral. Seria um caso de catalepsia, mais uma piada do Carvalhaes, estaria vivo o morto? Quando me aproximei do caixão reparei que aquela boca grande não se acomodara bem na morte, rasgando-se para os lados, como se sorrisse, rindo, talvez, de todo nós que ficávamos com as aventuras dele e suas histórias.

Foi um velório e tanto. Inesquecível.

Escrito por Ayrton Marcondes

23 novembro, 2012 às 1:52 pm

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O cara de roupa vermelha

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Aquele cara vestido com roupa vermelha foi goleiro do Flamengo. A cada vez que o acusado da morte de Elisa é nomeado cita-se o fato de que foi goleiro do Flamengo. Na verdade “goleiro do Flamengo” tornou-se sinônimo de “Bruno” que é o nome do cara de vermelho.

Não sei por que os presos usam uniforme vermelho. Deve ser para que possam ser distinguidos das outras pessoas.

O julgamento sobre a morte de Elisa está acontecendo em Minas e recebe cobertura nacional. Diariamente sabemos sobre o que acontece no fórum e assistimos ao estranho desfile de advogados metidos em togas que conferem solenidade a eles. A certa altura um repórter avisa que a troca de advogados por parte dos réus se deveu ao fato de temerem por um júri constituído por nove mulheres e dois homens. Diz-se que mulheres agem mais pela emoção e o que está sendo julgado é o assassinato de uma mulher que tinha um bebê.

Eu não daria importância a esse assunto de vez que a toda hora chegam notícias sobre crimes que acabam de acontecer. São Paulo vive onda de crimes que desafia a polícia e a segurança pública. De modo que o crime ora julgado em Minas seria apenas mais um. Mas, não é. Por quê? Bem, trata-se de morte sem cadáver dado que Elisa despareceu. Um primo do cara de vermelho - já morto - contou que deram fim ao corpo de Elisa sem que sobrassem vestígios dele. Chegou-se a falar em partes do corpo servidas para alimentação de animais.

Mas, dizia, não daria importância a esse crime se alguém não tivesse, ontem, me perguntado: e se o cara de roupa vermelha for inocente?

Confesso que desde o primeiro dia acreditei que o goleiro do Flamengo fosse culpado. É acusado de ser o mandante do crime: não pôs a mão na massa, mas contratou a morte. Mas, e se…?

Os advogados de defesa se batem na tese de que não existe morto sem cadáver, nem assassinato sem vítima. Agora, observe bem o cara de roupa vermelha que jogou no Flamengo. Verifique a postura dele: ele não esconde a cara, professa inocência. Olha para o mundo de frente, passando certeza de que sairá dali inocentando porque de fato é inocente.

Que embrulho! Duvido que existam pessoas que acreditem na inocência do cara de roupa vermelha. Para mim ele é um enigma. Faz-me lembrar do francês, matador de mulheres, a quem foi perguntado, minutos antes de ser guilhotinado, se confessava seus crimes. Existiam montanhas de provas contra ele, mas o assassino respondeu: sou inocente.

Exceto por manobras jurídicas bem executadas o cara de roupa vermelha acabará sendo condenado. Vai dizer até o fim que é inocente. Os detalhes dessa horrível história será que um dia serão esclarecidos?

A capacidade de perdoar

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Nem todo mundo é capaz de manter em pé, vida afora, um ódio que não tem cura. Há quem diga que não deseja nada mais que a punição de alguém que o prejudicou gravemente. Diariamente, em programas policiais exibidos pela televisão, ouvimos pessoas que perderam parentes assassinados afirmarem que a elas basta a prisão dos assassinos. Outros discordam: se pudessem eles fariam justiça com as próprias mãos tão grande o ódio por aqueles que os ofenderam.

Há os dissimulados, os que fingem perdoar. Muitos desses esperam calmamente a oportunidade de dar o chamado troco. Trata-se bem da imagem do indivíduo que fica na margem do rio, esperando pelo dia em que o cadáver do inimigo vai passar.

Entretanto, existe gente dotada de uma imensa capacidade de renúncia para quem o perdão é muito mais que uma simples palavra ou disposição. Hoje se noticia o caso de uma iraniana que caminhava pela rua quando um homem, inesperadamente, atirou um líquido em seu rosto. Era ácido. Ela diz que a última coisa que viu foi o tênis do agressor. Mas, no Irã as coisas são resolvidas de modo diferente, a lei é outra. Daí que a iraniana, rosto deformado, ganhou na Justiça o direito de se vingar: ela poderia cegar o seu agressor.

Se você ainda não sabe o que aconteceu eu o convido a se perguntar o que faria se estivesse no lugar da iraniana. Cegaria o malfeitor?

Bem, a iraniana conta que esteva prestes a cegar o homem que a agredira quando decidiu perdoá-lo. Justificou-se dizendo: não sou selvagem.

E olhe que essa história não é tão simples. Na verdade o agressor perseguia a vítima, ameaçando-a caso ela não concordasse em se casar com ele. Prometeu que iria prejudicá-la caso não fosse sua mulher. E o fez. E ela o perdoou.

A mulher iraniana perdeu a visão de um olho. Na foto aparece com o rosto deformado, isso depois de passar por tratamentos na Espanha. Para ela a Lei de Talião não funciona: nada de olho por olho, dente por dente.

Do que se conclui que neste mundo há humanos mais humanos que outros; existem até mesmo humanos selvagens e selvagens que tentam se passar por seres humanos.

Por um triz

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Você já escapou a um acidente por um triz? Sabe aquela coisa terrível da qual alguém se livra por milésimos de segundos? Um segundo além e você estaria no lugar exato onde teria sido atingido por uma bala perdida. Mas será a isso que chamam de sorte? Quer dizer que algumas pessoas têm sorte, outras não? Ou no fundo tudo não passa de acasos, coincidências etc.

Um sargento de 33 anos de idade se casa. Na festa que se segue à cerimônia ele tropeça e cai. Acontece que ele carregava no bolso da calça um copo que se quebra no momento da queda. Os cacos de vidro cortam a veia femoral do sargento, a hemorragia é grande e ele morre. Sorte? Azar? Acaso?

Casa pessoa tem um código de entendimento quanto ao que pode lhe ocorrer. Você diz: isso que aconteceu ao sargento não ocorreria comigo. Não? Quem pode saber? A verdade é que acontecimentos inesperados acontecem diariamente. Aqui mesmo, na cidade onde moro, há uma avenida onde se formam filas de carros quando o sinal de trânsito fecha. Refiro-me especificamente a essa avenida porque, semana passada, dois rapazes abordaram um carro e exigiram do motorista que entregasse a eles carteira,  dinheiro, enfim o que tivesse consigo. O motorista era um idoso e, assustado, confundiu-se ao pegar seus pertences. Ia entregá-los, mas não teve tempo porque um dos bandidos atirou na cabeça dele, matando-o. Na reportagem sobre o crime uma testemunha comentou o fato de ter sido justamente aquele carro, entre tantos, o escolhido pelos bandidos. Era como se a morte estivesse na esquina, esperando pela pessoa à qual deveria dar cabo naquele instante.

Sempre penso que a sorte me favorece em momentos difíceis, embora não acredite em sorte. Trata-se de um pensamento mágico. Não tenho medo de acidentes aéreos porque tenho certeza de que não morrerei em acidente. Ontem mesmo, a bordo de um avião, fiquei muito tranquilo durante longo período de turbulências. Claro que as minhas certezas não passam de bobagens, mas o fato é que me fio nelas, sinto-me protegido por elas.

Não imagino qual seja a sua opinião sobre esse tipo de assunto. De tudo fica a impressão de que para algumas pessoas as cosias não costumam dar certo. Conheci uma mulher que garantia a existência de gente que atrai desgraças. Ela citava pessoas que passaram por desgraças em série e concluía dizendo que isso de modo algum poderia ser atribuído ao acaso.

Sobre o sargento que se acidentou e morreu durante a festa de seu próprio casamento fica a interrogação. Que estranha conjunção entre alegria e tristeza cercava a vida desse homem? Entre mil e tantas oportunidades de que algo de terrível pudesse suceder a ele por que justamente o acidente fatal em meio a um momento de festa e realização pessoal?

A vida é estranha.