2012 janeiro at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para janeiro, 2012

Internet e engenhocas

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Um estudante de 24 anos fala sobre a sua experiência de permanecer dois meses sem internet e telefone celular. Viciado confesso em utilização de redes sociais o estudante chegou a algumas conclusões como a de que a vida amorosa pode ser melhor e andar de bicicleta é muito interessante.

É de se imaginar o que aconteceria se, da noite para o dia, os jovens não mais tivessem à disposição internet, celulares, tablets e outras engenhocas. Como reorganizariam as suas vidas num mundo desconectado?

O problema é que os aparelhos eletrônicos tornaram-se extensões das pessoas. Há pouco tempo fui comer uma pizza com um casal mais jovem e a moça não conseguiu, durante todo o tempo em que estivemos à mesa do restaurante, se desvencilhar do celular especial que mantinha nas mãos. Ela recebia mensagens o tempo todo, comentava sobre o que estavam dizendo a ela e respondia de imediato aos seus interlocutores distantes. Mesmo quando a pizza foi servida ela não abandonou a engenhoca que deixou ao lado do prato e da qual não tirava os olhos.

De fato é difícil imaginar um mundo sem as possibilidades de comunicação hoje existentes. Entretanto, é bom lembrar que há muito pouco tempo nada disso existia e as coisas se acertavam de modo diferente, mas se acertavam. Eu mesmo percorri quase 50 anos de minha vida sem ter acesso a esses meios de comunicação porque eles simplesmente não existiam. Mais: nos meus tempos de menino as ligações telefônicas eram pedidas à telefonista que as completava e nos colocava em contato com as pessoas com quem queríamos falar.

E como era a vida nesse mundo assustador em que não havia internet, celulares, TV a cabo etc? Como era esse terrível mundo em que vivíamos? Ora, perfeitamente normal, a ponto de sabermos por experiência pessoal que andar de bicicleta era muito bom, as relações íntimas saborosas e assim por diante. E olhe que essas coisas boas não eram conseguidas sob o peso, o verdadeiro martírio das pessoas se imporem períodos de afastamento de telefones, internet etc.

E, bom que se diga, à falta de tantas atrações eletrônicas, os jovens eram mais convidados à leitura. Através dos livros entrava-se em contato com os mistérios da vida e punha-se a cabeça a cismar sobre o papel que nos era reservado no mundo.

Não se está aqui a falar sobre tempos melhores em termos de passado e presente. Cada época tem o seu encanto, seu ritmo e as pessoas adaptam-se ao modo de vida nela corrente. Mas, não deixa de ser curioso o fato de a juventude de hoje nem sequer imaginar com seria o mundo sem a parafernália eletrônica hoje disponível. Entretanto, isso não parece ter importância numa época em que se louva o fato de crianças que ainda não aprenderam a ler virarem-se muito bem com computadores – conta-se que chegam, com 4 anos de idade, a fazer pesquisa pelo Google. No mais a tecnologia avança velozmente e muitas novidades eletrônicas deverão aparecer nos próximos anos de modo que parece não adiantar muito aos jovens realizar experiências de isolamento para ver como seria a vida sem todas essas engenhocas em que se viciam tanto.

Depois do transe

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A queda de três prédios no Rio continua a impressionar. Dezessete corpos já foram retirados dos escombros, mas ainda há desaparecidos. Ruas centrais da cidade, próximas à Av. Rio Branco, continuam interditas, incluindo-se a Rua 13 de maio onde ficavam os prédios.

Os escombros estão sendo retirados e procura-se neles corpos de desaparecidos. Fato que chamou a atenção foi o de operários que trabalham nos escombros terem se apropriado de pertences que encontraram. O prefeito do Rio chamou de delinquentes aos operários flagrados desviando material retirado dos prédios.

Como não poderia deixar de ser, no entorno de uma grande tragédia como essa circulam várias histórias, muitas delas comoventes. Há o desespero de famílias que ainda não sabem o que aconteceu a um de seus membros que trabalhava no local no momento do acidente. Há o caso do rapaz que conta sua singular aventura de escapar da morte por ter-se atirado dentro do elevador no momento em que o prédio em que estava vinha abaixo. Há o caso do dentista cuja clínica desapareceu e com ela as fichas de clientes atendidos em mais de quarenta anos de atividade. E o caso da dona de um dos prédios que lamenta demais a tragédia envolvendo o seu imóvel.

Não é possível, ainda, diagnóstico preciso sobre as causas do desabamento. Técnicos especulam sobre obras realizadas num dos prédios, fadiga de material que levaria à falha estrutural e problemas na fundação de um dos prédios. Entretanto, estima-se que só se chegará a um laudo conclusivo dentro de algum tempo.

Passados os primeiros momentos após a tragédia e estando em andamento a busca de restos mortais entra-se na fase em que a busca de razões – e de possíveis culpados – ganha corpo. Chama atenção a necessidade de uma explicação que recoloque as coisas em seus eixos e, se possível, sirva para acalmar os ânimos. No fundo é em torno dessa explicação que gira o interesse do público. O fato é que precisamos de esclarecimentos para que nossas vidas continuem dentro da rotina e nos sintamos seguros.

As tragédias ocorridas nos últimos dias, pelo tamanho delas e gravidade, despertam insegurança nas pessoas. Ouvi de gente que conheço declarações sobre não embarcar em navios e perguntas sobre o estado dos prédios em que moram. O fato é que o naufrágio do navio de cruzeiros no mar Mediterrâneo e a queda  de prédios no Rio pertencem à categoria de eventos negativos  que influem na confiança que temos no mundo em que vivemos.

Mas, vai passar, tudo se transforma em passado muito depressa. Muito antes do que possamos imaginar no local dos prédios desabados outros serão erguidos e mesmo a memória do naufrágio do navio de cruzeiros pouco será lembrada. Isso de esquecer, de deixar-se levar pelo novo que acontece serve-nos como meio de fuga da realidade difícil de  aceitar, por vezes intolerável. Mas, é assim que somos, assim as coisas se apresentam a nós, intensas, agressivas, desmedidas, tanto que precisam a custo ser olvidadas.

Minisséries

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Descobri que em alguns canais da TV paga os filmes dublados em português podem ser assistidos com som original e legendas. Trata-se do mistério do tal PIP que afinal existe, graças a Deus. Digo isso porque acho que filmes dublados perdem parte de seu encanto, embora muitas vezes seja muito bom o trabalho dos dubladores.

Creio que na medida em que se envelhece vai-se perdendo um pouco da sede de novidades e vontade de fazer coisas. As notícias parecem ser as de sempre, exceto por um ou outro grande acontecimento como essa queda de três prédios no Rio de Janeiro que está nos envolvendo tanto. Até agora a Defesa Civil não conseguiu chegar a uma conclusão sobre as causas da tragédia, suspeitando-se de obras que se realizavam numa empresa do 9º andar de um dos prédios. Mas, deixa pra lá, eu queria mesmo é concluir que na medida em que envelhecemos ficar em frente a um aparelho de televisão sem fazer nada até que se torna razoável distração.

Vai daí que por vezes deixo os filmes e frequento as minisséries da Globo e aquele programa meio louco, por vezes exagerado, que tem o nome de “Agora é Tarde” veiculado pela Bandeirantes. No caso das minisséries acompanhei os capítulos de “Dercy De Verdade” que recapitulou a trajetória dessa grande artista a quem vimos em palcos e na telinha por anos a anos. O grande problema de “Dercy”, assim como de algumas outras minisséries, é o fato de nelas as personagens serem por demais estereotipadas. Em “Dercy” por mais que se quisesse fugir ao apelo da caricatura não se conseguiu totalmente, fato que nos levou a conhecer uma pessoa que se casava bem com o que sabíamos dela enquanto artista, mas faltando-lhe um pouco mais enquanto ser real. A Dercy da minissérie é um monumento de irreverência 24 horas por dia, fato que nos fez vê-la sempre em ação e com pouca interioridade. Entretanto, valeu a pena embora ficássemos com a sensação de que faltou algo, algo mais sobre uma artista que fez parte do cenário de nossas vidas por longo tempo, ela que, entre outras, conseguiu a façanha de viver até os 101 anos de idade.

Nesta noite será apresentado o último capítulo da minissérie “Brado Retumbante” cujo principal personagem é um político que chega à presidência da República pelo acaso da morte num acidente do presidente em exercício e de seu vice. “Brado Retumbante” é boa diversão e tenta estabelecer comparações com os deslizes frequentes observados nos dia-a-dia da política nacional. Em alguns casos existem referências claras a incidentes reais acontecidos recentemente no país e não são de todo inexatas as comparações de algumas das personagens com políticos atualmente em atividade. Mas, como em Dercy, há excesso de estereótipos, a começar pelo presidente da República o qual notoriamente não poderia ser “de verdade”. O presidente tem pinta de galã, envolve-se com mulheres, enfrenta problemas domésticos terríveis, é abandonado pela mulher, sofre atentado e se apresenta como um campeão na intolerância e combate à corrupção. Mas, como disse um comentarista a trama de “Brado Retumbante” mais parece um cenário onde pipocam picuinhas pessoais que resultante de uma estrutura envenenada e corrompida. Por outro lado, “Bravo Retumbante” chama a atenção do público, caricatamente é verdade, para os males da vida política nacional que a todo custo os donos do poder querem apresentar como absolutamente normal.

As observações acima correm o risco de serem afrontadas pelo fato de que, afinal as minisséries são trabalhos ficcionais e no mundo da ficção as regras são outras. Entretanto, vale lembrar que nesses dois casos um envolve personagem real, o outro um novelo de situações que diz respeito à vida atual dos brasileiros. Isso não é pouco, ainda mais num país em que a indecisão sobre o verdadeiro caráter das pessoas é motivo de tanta preocupação.

Escrito por Ayrton Marcondes

27 janeiro, 2012 às 12:34 pm

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Pernas de políticos

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Quem não viu ou não se lembra da foto do ex-presidente Jânio Quadros, flagrada num momento em que as pernas dele estavam torcidas e os pés virados para lados diferentes? Jânio era de fato um tipo muito estranho, talvez por ser muito diferente tão adorado pelos seus patrícios que o conduziram à presidência da República. Mas, Jânio trairia a confiança de seus eleitores renunciando à presidência num episódio que ainda hoje suscita especulações apaixonadas. Da renúncia de Jânio ao começo da ditatura militar passaram-se apenas três anos, nos quais o governo do então presidente João Goulart deu assunto a valer para historiadores, biógrafos e toda sorte de escribas que têm tratado do assunto.

O caso é que a estranha foto de Jânio é exibida em quase toda vez que se decide citá-lo e mostrar a sua impressionante figura. Ela parece revelar o verdadeiro Jânio, proprietário de muitas esquisitices que compunham o seu modo de ser. Inteligente, possuidor de uma verve fantástica que utilizava em seus pronunciamentos, era todo ele a imagem escancarada do inesperado, daquele a quem não se sabe bem o que poderá fazer em seguida.  

Mas, nos últimos tempos quem tem frequentado a berlinda é o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. Tendo saído do DEM e fundado um novo partido, o PSD, Kassab tem sido criticado por gregos e troianos pelo seu senso de oportunismo, negociando alianças na base do que poderá render mais politicamente. Nada de projeto político para o país, nada de convicções: a aliança a ser estabelecida para as próximas eleições municipais poderá ser feita com o PT ou com o PSDB, isso tudo dependendo dos juros políticos conseguidos na negociação. Isso é o que se propaga, o que se fala por aí.

Entretanto, as coisas não andam tão bem para Kassab que, aparentemente, mudou muito desde o tempo em que assumiu a prefeitura de São Paulo. Pois não é que entre tantas coisas que atraem a atenção sobre ele o prefeito conseguiu repetir a famosa cena da foto de Jânio?

Aconteceu ontem, na catedral da Sé, onde o prefeito estava para assistir à missa rezada por ocasião do aniversário da cidade de São Paulo. A foto mostra o prefeito com as pernas torcidas e os pés apontando para direções diferentes, posição muito semelhante à de Jânio na célebre foto dele já citada.

Se fotos estranhas representarem algum tipo de revelação é bom que Kassab se cuide porque a Jânio aconteceu renunciar. Kassab vive no momento a sua indefinição em relação a quem se aliar, ele que é o patrono do novo PSD. Além disso, tem enfrentado críticas e protestos. Ontem mesmo, ao sair da catedral, enfrentou uma chuva de ovos atirados por manifestantes que protestavam contra a ação na Cracolândia e a reintegração de posse em São José dos Campos.  Ainda bem que nenhum ovo atingiu o prefeito, mas os seguranças dele passaram por muitos apuros.

Mas, fica aí um aviso sobre pernas de políticos. Achávamos que, em relação às pernas, Jânio fosse único, fato desmentido por Gilberto Kassab. O melhor é daqui pra frente observarmos melhor as pernas de políticos. Talvez elas tenham muito a nos informar, ajudando-nos a votar com mais consciência nas próximas eleições.

Meia-Noite em Paris

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Não é que “Meia-Noite em Paris” foi indicado para receber o Oscar de melhor filme do ano? O filme tem sido muito elogiado, destacando-se o lado poético da narrativa e o eterno fascínio despertado pela Cidade Luz na qual toda a trama se passa. Assim, desde o seu lançamento “Meia-Noite em Paris” foi saudado como grande obra e caiu no gosto do público. Alguns críticos de cinema chegaram a apontá-lo como o melhor de Woody Allen, afirmando que o diretor recuperara a mão boa para fazer filmes. Mas, para dizer a verdade não sei se a indicação ao prêmio seria exatamente o esperado.

Com tantos elogios e recomendações fui assistir ao filme de Allen com expectativa dobrada. Sabe quando você entra na sala de exibição achando que vai assistir a um grande filme, ainda mais quando diretor é um cara de quem você gosta muito? Pois foi o que me aconteceu.

Dai? Daí que achei o filme óbvio demais, trama proposta para exaltar os conhecimentos dos espectadores, oportunidade para rever coisas sabidas e muito agradáveis. Allen insere o roteirista Gil, interpretado por Owen Wilson, numa Paris do presente na qual se abrem possibilidades de viagem ao passado. E esse passado é exatamente a época em que a cidade apresentou-se como mais glamorosa aos norte-americanos que, endinheirados, abarrotavam navios e se instalavam na capital francesa. Eram os anos 20 nos quais intelectuais se entrechocavam nos bares parisienses de modo que Gil se encontra com Hemingway, Scott Fitzgerald, Picasso e muitos outros. A era dos anos 20 é recuperada por Allen através de seu intérprete não havendo, entretanto, nenhuma novidade: os ícones da época continuam a ser o que sempre nos disseram sobre eles e o que se destaca é a idolatria de Gil pelos pelas personagens com quem se encontra.

Acontece que Paris é poética e Allen manipula muito bem a poesia da cidade, o aspecto dos bares e mesmo as idas e vindas de Gil ao passado. O filme é interessante, diverte, mas repisa algo conhecido sem mostrar aspectos diferentes, exceto a maravilhosa oportunidade de imersão em mundos desfeitos, habitados por personagens que participaram ativamente e ajudaram a construir a cultura do século XX. Assim, não é demais dizer que “Meia-Noite em Paris” é bom filme, ótima diversão, bom trabalho do excelente diretor Woody Allen, mas não o melhor dele como se tem afirmado. Daí ser possível supor que, mesmo sem ter assistido a todos os filmes que concorrem ao Oscar, o “Meia-Noite em Paris” dificilmente  poderá ser o vencedor.

Confesso que sou fã de carteirinha do trabalho de Woody Allen. A primeira vez que tomei contato com a obra dele foi através do filme “Bananas”, de 1971. Ainda hoje me recordo do impacto que teve sobre mim aquele trabalho de textura inesperada, hilariante, muito divertido. Depois de “Bananas” Allen fez alguns excelentes filmes sempre brindando-nos com o seu olhar divertido sobre coisas sérias, desnudando faces do modo de ser humano. O fato é que Allen nos faz rir de nós mesmos através das suas personagens, nisso talvez grande parte da mágica que nos envolve ao assistir os seus filmes.

E la nave va

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Num país que se agiganta economicamente a regra é gastar. E os brasileiros fizeram muito bem a sua parte viajando ao exterior e desembolsando milhares de verdinhas. Melhor dizendo, milhares não, mas muito mais: segundo o Banco Central em 2011 os brasileiros deixaram em outros países a importância de US$ 21,2 bilhões. É dinheiro pra caramba, concorde-se, resultado da melhora da economia do país e do Real forte.

Bem, há quem não goste, mas é muito interessante comprar, ainda mais quando os produtos adquiridos estão a patamares de 50% ou mais inferiores aos praticados no Brasil. Isso explica a verdadeira multidão que passa pelos aeroportos, grande parte com destino aos EUA, preferencialmente Miami e New York. E voltam contando maravilhas, com as malas cheias de coisas compradas no varejo a preços mais que módicos. Muita gente convive com pessoas que viajaram nos últimos meses e estão a par das novidades em termos de compras, de modo que vai se formando uma corrente de estímulos a respeito dessa maravilha plena de oportunidades.

Então não é a toa que o presidente Barack Obama acaba de declarar que vai fazer de tudo para facilitar a obtenção de visto pelos brasileiros que queiram visitar os EUA. Em Miami os brasileiros mais endinheirados estão adquirindo casas e apartamentos, movimentando o mercado imobiliário estagnado. Dinheiros do quintal da América do Norte movimentando os EUA, quem diria. E olhe que o prefeito de New York está se empenhando para que os brasileiros possam mais facilmente visitar a grande cidade. O comércio norte-americano agradece.

Pois é tudo isso é bonito, legal de saber, que bom que a nossa gente está sendo benvinda por aí a fora com seus bolsos cheios de dólares. Mas, o fato não deixa de causar alguma estranheza, embora seja absolutamente natural, coisa simples de comércio, afinal quem tem dinheiro compra etc. Falo em estranheza porque não faz muito tempo não éramos assim tão bem apreciados no exterior. Havia sempre aquele ranço ligado ao fato do cidadão pertencer a um mundo “de fora” da grandiosidade das potências. Basta lembrar as dificuldades para se conseguir um visto – dizem que ainda vigentes – para que se tenha ideia do tratamento que sempre nos foi distinguido.

Mas, os tempos são outros, são outros os tempos, que bom. Conta-se que em cidades do exterior as lojas já contratam funcionários que falam português para melhor atender aos clientes brasileiros.  É, o novo século começa bem, muito bem para o Brasil e os brasileiros, temos que reconhecer.

E la nave va.

Novos imbróglios

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Janeiro avança e o ano vai tomando o mesmo o contorno dos anteriores. A calmaria do fim de ano depressa desaparece. Em fevereiro terminarão as férias escolares, todo mundo voltará para casa e a vida se “normalizará” dentro dos aspectos de sempre. O trânsito – que já se complica – vai piorar, deixando as ruas do jeito insuportável a que estamos habituados.

Mas, é sabido e notório o fato de que, no Brasil, o ano só começa mesmo após o carnaval. Terminada a folia, instaurados os arrependimentos da quarta-feira de cinzas, o olhar dos mais incautos dirige-se para o horizonte, mais precisamente para o futuro. Teremos, sim, neste ano alguns feriados providenciais, bem situados no calendário de modo a facilitar as tais emendadas, mas vem aí um ano duro e difícil no qual a nossa alegria dependerá do bom humor da economia, da melhora da crise internacional. Entretanto, o melhor é só pensar nisso após o carnaval, afinal ninguém é de ferro, viver é preciso, fingir que nada de mal pode acontecer também é preciso.

Enquanto o carnaval não chega coisas continuam acontecendo sem que nos demos ao trabalho de registrá-las. Trata-se do olhar através de lentes telescópicas como qual o observador percebe fatos como muito distantes dele, que, portanto, não lhe dizem respeito. Vez ou outra um acontecimento é mais inflamado, cutuca mais, obriga-nos a pensar mais detidamente sobre ele porque se torna impossível ignorá-lo. Creio que a esse grupo de coisas marcantes filia-se a batalha campal que atualmente acontece na região de São José dos Campos onde inúmeras famílias estão sendo desalojadas de uma área - Pinheirinho - num movimento de reintegração de posse.

A questão do que acontece nesse momento ultrapassa o direito de posse e mesmo a obrigatoriedade de retirada das famílias do terreno. Nem mesmo a reação violenta dos moradores, o protesto com interdição da Via Dutra, a ação dos policiais atirando bombas de pimenta e balas de borracha, o incêndio provocado nas casas, tudo isso junto não impressiona tanto quanto a situação de desgraça de famílias que circulam com mulheres e crianças sem noção do que fazer em seguida, sem ter para onde ir.

O resultado da ação – ainda em andamento – contabiliza pessoas feridas, prédios públicos e carros incendiados. Da população de 6000 pessoas que vivem no local mais da metade já se foi. O exército de moradores armados com porretes, escudos de pau e capacetes de motociclistas resiste.

A área do Pinheirinho soma 1,3 milhão de metros quadrados e foi ocupada há 8 anos, constituindo-se num verdadeiro bairro onde existem quadras, igrejas e ruas. Se por um lado a decisão da Justiça deve ser colocada em prática, por outro é preciso considerar a terrível situação social enfrentada pelos moradores da área, agora desalojados.

Vi na TV algumas famílias de desalojados recebidas num galpão. Servia-se alimento numa mesa ocupada por crianças. Comiam em silêncio, certamente sem compreender a dimensão do conflito de interesses que as levou a tornar-se desabrigadas.

As quatro Marias

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Desde o começo as quatro Marias despertaram ternura, em alguns casos paixão. Afinal elas eram quatro, todas com o nome Maria, a Maria I, a Maria II, a Maria III, a Maria IV… Devoção da mãe à virgem?

As Marias gêmeas identificadas pela cor da roupa de cada uma:  puro encanto. A mãe, a prodigiosa mãe com sua não menos prodigiosa barriga, enorme, da qual sairão para ver a luz do mundo as Marias. E aqueles a quem o fato causa estranheza a buscar no livro das probabilidades a probabilidade de uma mulher trazer quadrigêmeas à luz.

A mãe aparece na mídia, é entrevistada. Chama a atenção a enorme barriga que parece projetada espacialmente para abrigar as quatro Marias. Já não se pode conter o impulso de ajudar o casal. Há quem mande presentes, garante-se aos pais estoque de fraldas para um ano inteiro, uma loja envia presentes no valor de 7 mil reais.

Assim, esperamos as Marias que hão de vir. Será parto natural? Será cesariana? O fim da gravidez aproxima-se, em breve o Brasil , terra da fertilidade, pátria em que tudo dá, terá as novas Marias, quatro gêmeas, cada uma com roupas de cores diferentes para que não sejam confundidas.

Até que de repente, não mais que de repente, o sonho estremece. Fala-se que as Marias não existem, diz-se que é falsa a gravidez. Será? Mas, a barriga formidável, enorme? E por que teriam inventado história tão tosca sobre essas Marias que esperávamos tanto?

Por fim, o sonho termina: a mãe confessa que não está grávida, não há nenhuma Maria, nem a I, nem a II…

As Marias de que tanto se falou nos últimos dias não existem. Especialistas curvam-se sobre teorias e levantam suposições sobre as razões da mulher, a que traria à luz as quadrigêmeas, ter inventado história tão louca. A polícia decide investigar e a mulher corre o risco de responder por falsidade ideológica.

Nós? Ora, nós queríamos, esperávamos pelas Marias. De algum modo, durante o curto período de existência fictícia, elas renovaram a nossa esperança no gênero humano, despertaram solidariedade e nos fizeram acreditar no sentido da vida. Mas, as Marias não vieram, não viram a luz e agora resta o vazio de um mundo sem as quatro meninas que, na verdade, pertenciam a um sonho.

Escrito por Ayrton Marcondes

21 janeiro, 2012 às 7:30 pm

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Volte a bordo

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- Volte a bordo, caralho!

A expressão acima, ordem dada raivosamente pelo capitão da Capitania dos Portos ao comandante do navio Costa Concordia está sendo citada em todo o mundo. Na Itália ela estampa camisetas. E o capitão, Gregorio de Falco, é considerado herói na Itália, fato que o deixa perplexo. Falco garante que nada mais fez que executar o seu serviço como, aliás, faria quem estivesse no lugar dele.

Não se fala noutra coisa que não no enorme navio tombado nas águas do Mediterrâneo. O comandante, Francesco Schettino, continua em prisão domiciliar e declara que, na verdade, escorregou no momento em que auxiliava passageiros, indo parar dentro de um bote. Assim, segundo diz, não teria abandonado o navio. Além disso, o erro humano de aproximar-se muito da costa vem suscitando muitas explicações, todas elas coincidindo com a culpa de Schettino.

Mas, volto a esse assunto por conta de uma foto, hoje publicada, tirada do espaço que mostra o Costa Concordia curvado no mar. Trata-se de uma foto em preto e branco que dá o que pensar. Nela o acidente em que o navio foi envolvido é visto com olhos não humanos, diretamente do espaço. É como se, de repente, nos déssemos conta de que tudo o que se passa entre nós é observado de fora, de além das nossas circunstâncias.  Existem, fora da Terra, olhos que nos vigiam, um Grande Irmão que provavelmente anota num caderno tudo o que se passa durante a trajetória humana em nosso planeta.

Eu nasci e cresci num planeta enorme, muito grande mesmo.  Nos meus tempos de menino -então frequentava os bancos escolares - citar a Europa significava falar sobre quase outro mundo, muito distante, inacessível. Que dizer então sobre a Ásia e a Austrália? Tudo longe demais, tão distante que talvez não fizesse mesmo parte do mundo em que vivíamos.

Depois o mundo foi, progressivamente, se tornando menor. A evolução da tecnologia, o desenvolvimento dos países do terceiro mundo, a velocidade das informações, tudo isso que se esconde sob o manto daquilo que se chama globalização tornou o mundo acessível e notoriamente menor. Essa intimidade instantânea que desfrutamos com acontecimentos ocorridos em qualquer parte do globo reduziu o mistério dos povos e tornou o mundo acessível demais, por outro lado cada vez mais difícil de entender dada a diversidade de hábitos e comportamento dos diferentes povos.

É esse mundo pequeno diante do imenso universo no qual está inserido que nos trás a fotografia tirada do espaço, mostrando o Costa Concordia naufragado.  Talvez existam mesmo olhos no espaço observando-nos, talvez, também, ouvidos que ouçam um súbito herói, capitão, gritar a um comandante que abandonou o navio deixando para trás passageiros:

-Volte a bordo, caralho!

Na mídia

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Em acordo com esperado o assunto estupro no BBB continua rendendo. Na polícia a participante que teria sido estuprada negou o fato, alegando que tudo não passou de carícias consensuais praticadas pelo casal. O vídeo com as cenas do episódio, divulgado na internet, mostra a moça aparentemente sem reação enquanto o rapaz se movimenta isso debaixo de um edredom.  Mas, os críticos estão baixando o pau na Globo que teria empurrado o episódio para baixo do tapete, tentando abafar o caso da pior maneira possível. Disso tudo soa diferente um protesto, vejam bem, um protesto de mãe. Pois não é que a mãe do figurante expulso está protestando e exigindo explicações da Rede Globo sobre as razões da expulsão do filho do BBB12?

Mas, mães são mães e só isso dá a elas direitos enormes sobre as crias que trazem ao mundo. De modo que de forma alguma passa em branco o protesto dessa mãe que vem a público exigir explicações sobre fato que afeta diretamente a vida do filho. Entretanto, a Globo é muito grande e forte e, talvez, jamais venha a atender aos reclamos da mãe.

Por outro lado a cada dia surgem novidades sobre o navio Costa Concordia que naufragou na Itália. Ontem foi divulgado o diálogo entre a Capitania dos Portos e o comandante do navio. Diálogo áspero no qual um capitão da Capitania dos Portos ordenava ao comandante que retornasse ao navio para socorrer passageiros. A conversa se torna progressivamente grave na medida em que o comandante tenta eximir-se de suas responsabilidades, ele que abandonou o navio deixando os passageiros e a tripulação. Agora o comandante está preso, sendo responsabilizado pelas mortes ocorridas no naufrágio, sendo que ainda existem mais de vinte pessoas desaparecidas. Já não há dúvidas de que o naufrágio ocorreu devido a erro humano e, a partir de agora, as responsabilidades do comando serão apuradas. Em todo caso, o episódio está se refletindo no setor de cruzeiros. Pessoas prestes a embarcar estão pedindo explicações às companhias, certamente pelo temor de que outro acidente venha a ocorrer. Outros querem desistir e receber de volta o dinheiro pago pelas passagens. Não chega a haver crise, mas está acontecendo, conforme se divulga.

O terceiro e grande assunto do momento é, ainda, a ação da polícia na cracolândia. Assunto difícil e sobre o qual não existe consenso a ação policial vem despertando reações, algumas apaixonadas. Ontem se iniciou o emparedamento das entradas de prédios na região da cracolândia para impedir que viciados retornem ao local. Grandes quantidades de pedras de crack continuam a ser apreendidas e é muito cedo para saber no que isso tudo vai dar. O fato é que não existem meios adequados para atender o grande número de viciados que ainda perambulam pelas ruas em busca de lugares que os acolham.

Assim segue o mundo nesta quarta-feira, um dia após as grandes tempestades que ontem caíram em São Paulo e regiões próximas, causando alagamentos, trânsito caótico e enormes prejuízos.