Renúncia de Jânio at Blog Ayrton Marcondes

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Estocando vento

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A presidenta da República comparou reservas hídricas à estocagem de vento. Não foi com essas palavras, mas desenvolveu raciocínio nesse sentido. Obviamente, seus críticos desceram o pau. Ouvi pelo rádio jornalista perguntando-se sobre a sanidade da presidenta. E por aí vai.

Todo mundo sabe que a presidenta perde poder a cada instante. A mulher está sitiada. Cercam-na um bando de interesseiros, dispostos a barganhas nas quais o perde-ganha sempre se dá a favor deles. Assim o governo se decompõe, perde lastro. Torna-se impossível acreditar numa reviravolta quando até mesmo os partidários da presidente passam a criticá-la. Cada vez menos o governo conta com parceiros fiéis e interessados no bem maior do país.

Lembrei-me de Jânio Quadros. Dirão que não existem parâmetros para comparação entre a renúncia de Jânio e a situação da atual presidenta. Pode ser. Entretanto, certa vez li texto de jornalista, dizendo que o acabou com Jânio foi o isolamento. Fosse ele presidente no Catete não teria renunciado. Jânio era homem do povo, precisava de gente ao redor dele. Assumiu numa capital nova e distante de tudo. Dizem que afogava suas mágoas bebendo. Verdade ou não, certo dia surpreendeu o país, renunciando. Ainda me lembro da estupefação gravada na face das pessoas que transitavam nas ruas. O gesto parecia tresloucado, senão impossível. O homem sobre quem se depositara imensa confiança saia de cena, sem mais, nem menos.

A cena que nunca me saiu da cabeça quando da renúncia de Jânio foi a de um parente chorando. A cabeça do moço no colo de minha tia que tentava consolá-lo dava a dimensão exata do louco gesto do presidente. Chorava-se por toda parte. Chorava-se pelo Brasil.

Hoje tem-se uma presidenta isolada, embora cercada por muita gente. Não é estranho que tenha se confundido com as palavras ao desenvolver seu raciocínio sobre a energia eólica. A pressão sobre a presidente é grande demais.

Não se está aqui a defender o governo que, aliás, perdeu-se, errou demais. Mas dá para se imaginar o sufoco da presidenta tanto que não seria surpresa se viesse a renunciar.

Pernas de políticos

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Quem não viu ou não se lembra da foto do ex-presidente Jânio Quadros, flagrada num momento em que as pernas dele estavam torcidas e os pés virados para lados diferentes? Jânio era de fato um tipo muito estranho, talvez por ser muito diferente tão adorado pelos seus patrícios que o conduziram à presidência da República. Mas, Jânio trairia a confiança de seus eleitores renunciando à presidência num episódio que ainda hoje suscita especulações apaixonadas. Da renúncia de Jânio ao começo da ditatura militar passaram-se apenas três anos, nos quais o governo do então presidente João Goulart deu assunto a valer para historiadores, biógrafos e toda sorte de escribas que têm tratado do assunto.

O caso é que a estranha foto de Jânio é exibida em quase toda vez que se decide citá-lo e mostrar a sua impressionante figura. Ela parece revelar o verdadeiro Jânio, proprietário de muitas esquisitices que compunham o seu modo de ser. Inteligente, possuidor de uma verve fantástica que utilizava em seus pronunciamentos, era todo ele a imagem escancarada do inesperado, daquele a quem não se sabe bem o que poderá fazer em seguida.  

Mas, nos últimos tempos quem tem frequentado a berlinda é o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. Tendo saído do DEM e fundado um novo partido, o PSD, Kassab tem sido criticado por gregos e troianos pelo seu senso de oportunismo, negociando alianças na base do que poderá render mais politicamente. Nada de projeto político para o país, nada de convicções: a aliança a ser estabelecida para as próximas eleições municipais poderá ser feita com o PT ou com o PSDB, isso tudo dependendo dos juros políticos conseguidos na negociação. Isso é o que se propaga, o que se fala por aí.

Entretanto, as coisas não andam tão bem para Kassab que, aparentemente, mudou muito desde o tempo em que assumiu a prefeitura de São Paulo. Pois não é que entre tantas coisas que atraem a atenção sobre ele o prefeito conseguiu repetir a famosa cena da foto de Jânio?

Aconteceu ontem, na catedral da Sé, onde o prefeito estava para assistir à missa rezada por ocasião do aniversário da cidade de São Paulo. A foto mostra o prefeito com as pernas torcidas e os pés apontando para direções diferentes, posição muito semelhante à de Jânio na célebre foto dele já citada.

Se fotos estranhas representarem algum tipo de revelação é bom que Kassab se cuide porque a Jânio aconteceu renunciar. Kassab vive no momento a sua indefinição em relação a quem se aliar, ele que é o patrono do novo PSD. Além disso, tem enfrentado críticas e protestos. Ontem mesmo, ao sair da catedral, enfrentou uma chuva de ovos atirados por manifestantes que protestavam contra a ação na Cracolândia e a reintegração de posse em São José dos Campos.  Ainda bem que nenhum ovo atingiu o prefeito, mas os seguranças dele passaram por muitos apuros.

Mas, fica aí um aviso sobre pernas de políticos. Achávamos que, em relação às pernas, Jânio fosse único, fato desmentido por Gilberto Kassab. O melhor é daqui pra frente observarmos melhor as pernas de políticos. Talvez elas tenham muito a nos informar, ajudando-nos a votar com mais consciência nas próximas eleições.

Ainda a renúncia de Jânio

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Passados 50 anos desde a renúncia de Jânio Quadros à Presidência da República, o assunto ainda incomoda. O homem da vassoura e dos bilhetinhos era proprietário de presença e carisma que os jovens de hoje simplesmente não podem imaginar. Estudar a atuação dele através de manuais de História, recorrer a pronunciamentos gravados, bisbilhotar velhos documentos, nada disso logra devolver a imagem de Jânio dentro do contexto do Brasil que o elegeu presidente e assistiu, estarrecido, à renúncia ao cargo de primeiro mandatário do país.

Não é o caso de aqui recordar as marchas e contramarchas do governo Jânio Quadros, nem mesmo o particular modo que tinha ele de fazer política e governar. Já vão longe aqueles dias de um país de terceiro-mundo e subdesenvolvido, imerso em inflação e funcionando a reboque de imposições interacionais muitas vezes maiores que as observadas hoje em dia. Foi num palco pleno de controvérsias e necessidades urgentes que Jânio teve a oportunidade de exercitar sua familiaridade incontestável com o poder e seu desapreço pela opinião. Voltado para si, ego inflado por uma inteligência arrogante e tantas vezes destrutiva, dava-se o então presidente ao luxo de atitudes insólitas que por vezes transpareciam simples provocações. De fato, Jânio era homem de outra latitude, diferente de seus próximos. Sua figura incomum, as qualidades de verdadeiro ator, o domínio das palavras, a estudada impulsividade, a teatralidade utilizada em seus discursos, as promessas de austeridade, tudo isso fez de Jânio, mais que promessa, uma esperança para os brasileiros.

Esperança que ele traiu, sem mais nem menos, num acesso de irresponsabilidade cujas causas até hoje despertam as mais variadas explicações. O que mais se lamenta no episódio da renúncia não é o ato propriamente em si, embora a ele se dirijam as maiores atenções quando se fala em Jânio Quadros. O que mais se lamenta é o que veio depois, o conjunto de acontecimentos que desaguaram no longo período ditatorial que só veio a se encerrar na década de 80 do século passado.

Meninos eu vi pessoas chorando naquele trágico 25 de agosto de 1961, o dia da renúncia. Vi pessoas andando nas ruas, cabisbaixas e silenciosas, convencidas de que uma grande hecatombe abatera-se sobre o Brasil. Ouvi as notícias desencontradas que circulavam por toda parte, algumas delas informando que talvez a renúncia fosse reversível. Dia triste e de luto aquele 25 de agosto, dia de destemperos e tristezas.

Autogolpe? Alcoolismo? Loucura pura e simples? Tentativa de se tornar ditador? Não se sabe. Hoje, decorridos 50 anos, o neto de Jânio escreve ter ouvido do avô que, ao assumir a presidência, não sabia da verdadeira situação político-financeira do país. Quanto à renúncia Jânio disse ao neto que não pensou que ela de fato viesse a se efetivar. Esperava ele um levante popular e que os militares e a elite impedissem a posse de Jango.

Foi por isso? Em se tratando de Jânio é preciso ouvir a explicação que deu ao próprio neto com reservas. Em quem passou a vida querendo ser lembrado como um mito, cercando-se de mistério e não se deu ao trabalho de explicar-se aos que nele confiaram definitivamente não se pode acreditar.

Se o assunto é Jânio Quadros, então todas as explicações são possíveis.