2020 dezembro at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para dezembro, 2020

Espírito de natal

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Conheço um cara que odeia o tal “espírito de natal”. Para ele trata-se de uma bobagem que mais serve aos bons negócios do comércio. Ele cita a chatice das ceias de natal nas quais sentam-se, lado a lado, tantos desafetos. Aquele parente que você gostaria de ver queimando no inferno estará lá, sorridente, como se nada tivesse acontecido. Mais que isso, a verdade é que o homem não é um ser bom de modo que as festividades de fim do ano não passam de enganação. Vá lá que crianças esperem pelo Papai Noel, isso é até aceitável embora o esforço de tantos pais para arranjar dinheiro e comprar aquilo que o filho pediu na cartinha ao bom velhinho.

Supõe-se que a maioria das pessoas não concordem com isso. Ainda bem. O natal tem lá as suas chatices, mas é bom momento para que seres humanos se congracem, mais que isso, se unam. Nesse ano ele chega num momento de grandes dificuldades geradas pela pandemia viral. Recomendam-se cuidados para evitar contaminação pelo vírus. Festas familiares com muitas presenças são desaconselhadas. Mas, eis que o espírito de natal contribui para que a solidariedade prevaleça.

Mas, não há como ignorar o natal, nem o presente, nem os passados. Os filhos cresceram, já não se compram para eles os brinquedos que amarrávamos dentro de caixinhas tão bonitas. Agora a vez é dos netos. Serão eles a correr pela casa na noite que se avizinha. Trarão com sua alegria outras alegrias, já vividas, de tantos natais de tão boas lembranças. E nos farão outra vez os jovens que fomos em torno da árvore de natal com nossos filhos pequenos. É Cecília Meireles quem nos devolve esses momentos:

“São as cestinhas forradas de seda, as caixas transparentes, os estojos, os papéis de embrulho com desenhos inesperados, os barbantes, atilhos, fitas, o que na verdade oferecemos aos parentes e amigos. Pagamos por essa graça delicada da ilusão. E logo tudo se esvai, por entre sorrisos e alegrias. Durável — apenas o Meninozinho nas suas palhas, a olhar para este mundo”.

Escrito por Ayrton Marcondes

22 dezembro, 2020 às 1:26 pm

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Apagando posts

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Tem gente que tem cacife para dizer o que lhe dá na telha. Exemplo? Ora, Donald Trump. O cara não é do planeta. Diz barbaridades e, pior, convence muita gente. Derrotado nas eleições presidenciais norte-americanas até hoje não admite a derrota, alegando fraudes nas apurações. E isso contra todas as evidências de que as apurações foram corretas.

Conheço um cara que acredita, piamente, em vida extraterrestre. Certa ocasião, quando Bush ocupava a presidência dos EUA, encontrei o amigo numa festa. Na ocasião ele me perguntou sobre a causa de tanta confusão no mundo. Elenquei as costumeiras, como corrupção, desigualdade social, falhas na educação etc. Ele me garantiu que não. A culpa era do Bush. Por quê? Ora, porque Bush não era terrestre. Tratava-se de um extraterrestre colocado aqui pela sua turma do espaço para minar a sociedade humana. O papo foi longo…

Tem hora que dá vontade de acreditar que alguma força externa esteja em ação, confundindo tudo. Fato é que, hoje em dia, com acesso instantâneo às ferramentas de comunicação, qualquer pessoa tem oportunidade - e espaço – para escrever e postar o que pensa e quer. Nascem daí tantas abobrinhas que nos chegam, diariamente, ao acessar o Whats, o facebook etc.

Mas, há quem se arrependa do que postou e tente apagá-lo. No passado isso era impossível porque, uma vez publicado o texto, babau. Caso clássico foi de conhecido jornalista que publicou, em jornal, texto arrasando com a interpretação de uma atriz em determinada peça. O caso rendeu inclusive com um sopapo dado pelo companheiro da atriz no jornalista. Anos mais tarde, perguntado sobre o caso, o jornalista respondeu que fora o típico caso em que o editor de jornal deveria ter guardado o texto para, no dia seguinte, perguntar a ele se realmente queria que aquilo fosse publicado.

Na internet é diferente. Tudo pode ser apagado, mas é preciso rapidez porque, uma vez copiado por alguém, já era. Há quem tenha dito, no passado, coisas que atualmente não tem sentido e se tornaram ofensivas. Nesses casos de nada adianta apagar algo que se tornou público. Políticos que se deixaram fotografar com pessoas que se tornaram desafetos apagam as fotos que hoje podem prejudicá-los em seus interesses.

Se o negócio é pagar a regra é ser muito rápido. É preciso arrependimento instantâneo. Ou, talvez, o melhor seja não publicar nada.

Escrito por Ayrton Marcondes

18 dezembro, 2020 às 2:26 pm

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A vacina

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São crescentes os números da pandemia. No país retorna-se à impressionante média de 900 mortes por dia devidas ao Covid-19. São frequentes notícias sobre falecimento de pessoas de destaque em suas áreas de atuação. Atriz conhecida está internada em estado grave; proprietário de grande construtora responsável por obras de relevo no país desaparece sob ação do vírus.

Mas, eis que surge uma luz no fim do túnel. Duas vacinas acabam de ser aprovadas nos EUA e inicia-se a vacinação. No Reino Unido também pessoas estão sendo vacinadas. No país discute-se a vacinação sob império de interesses não diretamente ligados à saúde.

Destaque-se o fato de muita gente ser contrária à vacinação. Ainda nesta manhã pode-se ouvir, pelo rádio, pessoas afirmando que não receberão a vacina de jeito nenhum. Cresce em considerável parcela da população a certeza de que não será necessária a vacinação. Em casos limítrofes encontram-se aqueles para quem a pandemia nem mesmo existe.

Fato é que não só aqui existem focos de resistência. No Reino Unido a passeata dos 99 moveu-se contra a vacina. “99” representa a porcentagem daqueles que não estão contaminados e acreditam que não virão a ser.

Passados mais de 100 anos da “Revolta da Vacina” no Rio de Janeiro o obscurantismo persiste. Esse desrespeito ao conhecimento científico não se explica apenas pelo radicalismo - é bom que se diga. Ele também resulta de decênios de má formação escolar, de despreparo e desinformação. Não se questiona um fato com base para analisá-lo: usa-se o palpite, a impressão, o discurso calcado no ouvi dizer.

Certamente causará espanto - e dúvida - a afirmação de que muita gente desconhece o fato de que no país 180 mil pessoas já morreram por causa do Covid-19. Pois há quem não assista noticiários e nem leia jornais. E isso não se refere apenas àqueles que vivem nos interiores, afastados de quase tudo.

Sobre as vacinas correm por aí toda sorte de boatos. Uma delas é que vacinas obtidas a partir de material genético são produzidas para mudar o genoma de quem as recebem. Outra é a de que nas vacinas foi inoculado o vírus HIV com a finalidade de transmitir a AIDS aos que forem vacinados. Já as vacinas produzidas na Rússia seriam perigosas por terem componentes capazes de transmitir a ideologia comunista…

Por fim, eis que o próprio presidente da República afirma que não será vacinado, fato apontado como desestimulante para a população.

Mas, a vacina vem aí e espera-se que, num lampejo instantâneo, mesmo os resilientes aceitem a lógica científica e deixem-se vacinar. O país precisa disso. Nós precisamos disso.

As boas festas

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Aproximam-se o final do ano e as festas de natal e ano novo que não deverão acontecer em sua plenitude. Corre por fora o agravamento do número de casos pelo Covid-19. De modo que será essa, talvez, uma das mais melancólicas passagens de ano de nossa época.

Festas de fim de ano são feitas de congraçamento e união entre os seres humanos. As queimas de fogos simbolizam comemorações pelas dificuldades vencidas e esperança no que existe pela frente. Há quem não goste, mas no geral opta-se pela integração ao espírito da ocasião. Na tradicional ceia de natal familiares reúnem-se, em alguns casos esforçando-se para aturar desavenças do passado. Mas, são ceias tradicionais. Os mais velhos, avôs e avós, fazem questão de que suas crias e descendentes estejam presentes, afinal são eles o produto de sua união e aventura na passagem por esse mundo.

Nem sempre, entretanto, as coisas se passam com felicidade. Guardo na memória uma passagem de ano sem nenhuma alegria. Era o ano de 1968 e estava na cidade de São Paulo. Na ocasião preparava-me para as provas de ingresso às faculdades que aconteceriam nos primeiros dias de janeiro. Minha família havia viajado de modo que estava sozinho. Sabe-se da impressão de isolamento que a grande cidade impõe nos momentos em que está mais silenciosa. Com o esvaziamento das ruas devido a viagens ao interior pouca gente se via. Em todo caso, no período da manhã, decidi dar uma volta no centro da cidade. Tomei um ônibus na Vila Mariana e desembarquei perto da Praça da Sé. Depois segui pelas ruas centrais. Se não me engano estava na Rua XV de novembro quando alcancei o meio-dia. Então dos prédios começaram a cair chuvas de papel picado. Era o ano novo dos funcionários de bancos e empresas. Fiquei ali, no meio da rua, parado, recebendo na face pedaços de papel que mais pareciam vindos do céu.

Entretanto, durante a boa festa de papel picado houve um contratempo. Acontece que justamente naquele momento garis da prefeitura ocupavam-se em varrer as ruas. Obviamente, a inesperada chegada do papel complicou o serviço. Então eis que um dos garis atirou a vassoura longe e, olhando para cima, passou a gritar: joga mais, joga mais…

A imagem desse homem, de braços abertos, protestando contra a sujeira que seria obrigado a limpar, nunca me saiu da memória. Era um 31 de dezembro e eis que ali estava ele, no meio de uma montanha de papel absurda, provocativa, para ele sem nenhum significado que a ligasse à alegria daqueles que, de cima, a enviavam.

No mais foi um 31 de dezembro melancólico. Se bem em lembro fui dormir bem antes da meia-noite. Fui acordado com o ruído de uns poucos foguetes que vizinhos entusiasmados enviaram aos céus.

Na manhã seguinte acordei para estudar. Estávamos em 1969 e a vida, a sempre preciosa vida, precisava continuar.

Escrito por Ayrton Marcondes

9 dezembro, 2020 às 12:22 pm

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Turismo nas profundezas

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Na noite de 14 de abril de 1912 o RMS Titanic, navio de passageiros britânico, colidiu com um iceberg e naufragou. Com mais de 1500 pessoas a bordo o Titanic desceu a 3800 metros de profundidade e só anos mais tarde seus destroços foram encontrados a 600 km da costa do Canadá. Mas, desde o naufrágio, o Titanic passou a habitar o imaginário dos homens sendo costumeiramente citado. Para isso também contribuiu a realização do filme “Titanic”, dirigido por James Cameron. Através das imagens do filme, de 1997, os espectadores puderam acompanhar a dimensão da tragédia do grande naufrágio que até os dias atuais chama a atenção.

Desastres, acidentes e acontecimentos afins despertam a curiosidade popular. No caso do Titanic a curiosidade se mantém intacta ainda que passados mais de 100 anos desde o naufrágio. Daí existirem pessoas interessadas em visitar os restos do navio. Entretanto, é preciso lembrar das dificuldades de acesso ao local onde repousam, no fundo do mar. A profundeza de 3800 metros exige a fabricação de uma cápsula capaz de resistir a grande pressão da água no local. Mas, eis que essa cápsula já existe e por ela poderão descer ao fundo do mar algumas pessoas.

Naturalmente, o desejo de ver o Titanic só poderá ser realizado por gente abonada. O preço por pessoa é de cerca de 650 mil reais. E já existem muitos inscritos.

Tempos trás alguém me disse que daria tudo para ver a Terra do espaço. De fato, seria maravilhoso e já existem projetos em andamento para a realização de voos comerciais em torno da órbita terrestre. Mas, tudo isso exige boas condições de saúde, preparo e treinamento. No caso do Titanic o turista deverá preencher formulários e receber treinamento científico.

Por último há que se perguntar se será necessária alguma coragem para participar desse tipo de turismo. No caso da viagem espacial talvez as dúvidas sejam maiores, afinal trata-se de sair da Terra e retornar a ela. Por mais que a ciência tenha evoluído e as viagens espaciais aconteçam a bastante tempo é quase impossível não existir algum receio. Já o turismo em profundezas marítimas talvez não venha a ser tão seguro. Nosso imaginário povoado por cenas cinematográficas de submarinos presos nas profundidades e o desespero de suas tripulações não recomendam aventuras tão perigosas. Talvez nesse caso o melhor seja acomodar-se num confortável sofá e degustar um dos bons e antigos romances de Julio Verne.

Certas linguagens

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Nunca fui à Alemanha, mas imagino as dificuldades que teria por não falar alemão. Aprendi um pouquinho de francês no ginásio, durante as aulas de Dona Clara. Era uma francesa que falava português com muito sotaque. Rígida, não admitia descaso em relação á língua mãe de seu país. Na primeira vez que li um texto para ela mostrou paciência, embora o semblante fechado. Como alguém poderia expressar-se tão mal na língua de Victor Hugo e Balzac?

Certa vez em Paris fui à igreja de Sacre Coeur e decidi voltar a pé ao hotel. Naturalmente me perdi, errando por ruas desconhecidas. Até que encontrei um francês e pedi a ele informações. Mas, os anos haviam se passado desde os tempos das aulas de Dona Clara. De modo que se travou ali um diálogo entre surdos o qual, surpreendentemente, acabou por resolver o meu problema.

Os excessos de comunicação a que somos diariamente submetidos proporcionam misturas de linguagens nem sempre concordantes. Torna-se, por vezes, difícil compreender o significado exato de muitas proposições. Veja-se o caso da internet na qual pululam termos importados, em geral em inglês, mas com significados diferentes dos habitualmente utilizados.

Fui criado em cidadezinha do interior na qual falava-se linguagem próxima ao chamado “dialeto caipira”. Além da pronúncia na qual os “r” se destacavam criavam-se ali abreviações, junções de palavras, mais que isso pronúncias incorretas de termos conhecidos. A isso juntava-se a grande velocidade em uso nas conversas nas quais as palavras meio que saiam encavaladas, sobrepondo-se. Eu falei essa língua até os meus catorze anos, quando sai de lá.

Pois bem. Há pouco eis que visito a cidade e encontro um velho amigo, colega do tempo de bancos escolares. Ele permaneceu no lugar e, exceto fisicamente, pouco mudou. De modo que lá veio ele com o nosso antigo ritual de linguagem e dizeres locais. Confesso que me esforcei, mas quase não o entendi. O verniz das cidades e leituras variadas havia comprometido minha língua mãe.

Despedi-me aborrecido. De repente era como se eu tivesse pedido uma parte de mim, soterrada por essa indesejável confluência de novos maneirismos que tanto nos confundem.

De lá para cá tenho me exercitado, buscando na memória o velho linguajar, forçando nos “r”. Luta inglória na tentativa de tornar a ser caipira.