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Questão de fé

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O filme “Silêncio” de Martin Scorsese incomoda porque traz à tona o problema da fé. A trama se passa no Japão medieval onde o catolicismo tinha sido proibido. Dois padres, Rodrigues e Garupe, decidem ir ao Japão em procura do padre Ferreira sob quem não haviam mais notícias.

Mas, as coisas não se passam como na Europa. A entrada dos padres no país é ilegal. Os japoneses não querem padres contaminando a crença dos camponeses. A realidade do país é outra. A religião é o budismo. O catolicismo seria um corpo estranho às tradições japonesas cujo modo de agir e pensar difere do europeu.

A partir daí Rodrigues e Garupe enfrentam situações de perigo, impossíveis de ser solucionadas. A fé que propagam revela-se um desastre para os camponeses que se recusam a negá-la e, por isso, são torturados até a morte. Basta a um católico pisar sobre uma imagem de Cristo. Os que se recusam a negar sua fé são mortos.

O enigma que envolve o padre Rodrigues torna-se a essência do filme. Preso e não se dispondo a negar sua fé Rodrigues é submetido a situações nas quais a razão se interpõe à crença. Por que em nome da fé deixar que pessoas sofram e morram? Qual o sentido de não negar a fé a custo do sofrimento alheio?

O padre Rodrigues resiste. Submetido ao interrogatório de um hábil inquisidor o padre aferra-se em sua fé a qual, a seu ver, tudo justifica. É obrigado a assistir ao suplício de japoneses católicos e vê Garupe afogar-se, tentando salvar alguns deles. Por fim é levado a encontrar-se com o padre Ferreira, agora homem casado que renegou o catolicismo. Em vão Ferreira tenta demover Rodrigues de sua posição, explicando a ele que no Japão a cultura é outra e mesmo Francisco de Assis não teria conseguido implantar o catolicismo em sua passagem pelo país.

Mas, contra a força não existe resistência duradora. Rodrigues acaba por sucumbir justamente para salvar alguns de seus seguidores já próximos da morte sob tortura. Enfim o padre Rodrigues pisa sobre a imagem de Cristo. Passa ser um monge budista, como Ferreira havia se tornado.

Em nenhum momento Deus responde a Ferreira sobre suas constantes indagações. O silêncio de Deus ocupa grande espaço na vida desse homem preso às suas convicções. O mesmo Deus não ouvira ao próprio filho, traído por Judas, e crucificado. Pai, por que me abandonastes - dissera Jesus. O silêncio de Deus que em nenhum momento interferiu sobre a desdita do padre Rodrigues não serviu como alicerce à sua fé. Deus não respondeu às preces do padre que o invocou a todo tempo.

“Silêncio” é um filme sobre a fé que tivemos, temos ou perdemos. Retrata o conflito entre a crença e situações cotidianas às quais tantas vezes ela se opõe. Ilumina o fato de que a fé está sujeita a circunstâncias, embora seja comum negar-se essa condição.

Rodrigues vive com sua mulher e trabalha com Ferreira para impedir a entrada de materiais ligados à Igreja no Japão. Envelhece e morre. No último instante, sendo seu corpo cremado, ainda se pode ver, entre suas mãos, um crucifixo. Era um home de fé.