Janio Quadros at Blog Ayrton Marcondes

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Histórias de políticos

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Houve tempo em que a luta entre políticos em São Paulo girava em torno da disputa entre Jânio Quadros e Adhemar de Barros. Eram dois estilos diferentes de homens e ações. O jornal “O Estado de São Paulo” recusava-se a escrever o nome Adhemar daí as notícias sobre o antigo prefeito e governador virem com o famoso “A. de Barros”.

Adhemar era um típico político, muito hábil em torno do qual giravam seguidores e uma multidão de eleitores que lhe deram vitórias nas urnas. Tive a oportunidade de vê-lo em ação durante suas campanhas políticas nas quais percorria as cidades do interior em busca de votos. Ele era o tal no palanque. Falava fácil e sabia o que o povo queria ouvir, daí a imediata conquista da plateia que se reunia para ouvi-lo. Era do tipo que atrai a atenção queira-se ou não. Seu modo de administrar era o de tocador de obras, devendo-se a ele inúmeras realizações hoje existentes. Era o Adhemar do “rouba, mas faz” dito por um adversário, mas adotado em suas campanhas.

Ontem faleceu o filho do antigo interventor e governador. Adhemar de Barros Filho foi empresário e militou na política em algumas legislaturas como deputado. Tive a oportunidade de conhece-lo certa vez em seu escritório na Av. Faria Lima. Um amigo cujo tio era deputado estadual foi enviado por ele ao Adhemarzinho de quem esperava um favor. O interessante é que, na conversa entre tio e sobrinho, o tio referiu-se ao Adhemarzinho como “Douradinho”.   - Vá ao Douradinho, disse o tio.

Quando saímos do escritório do tio deputado perguntei ao meu amigo sobre essa história de “Douradinho”. Ele me explicou que o “Adhemarzão” era conhecido entre os mais próximos como “Dourado” ou “Douradão”.

Então se foi o “Douradinho”. Passo a passo o mundo soterra o passado e novos atores entram em cena gozando de suas eternidades precárias. De longe observamos a peça que se desenrola a cada dia nesse imenso palco que é a vida. Até que chegue a nossa vez.

Os “istas”

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Amigos é tempo dos “istas”. O sufixo “istas” é usado para caracterizar seguidores de uma pessoa, partido etc. Você reparou que de dias a este a mídia começou a falar mais intensamente dos “istas”? Pois veja: dilmistas, aecistas, campistas e marinistas. Esses são os “istas” da hora. “Istas” são legiões que acompanham os possíveis candidatos nas próximas eleições. Depois que Marina surpreendeu todo mundo aderindo ao partido de Campos “istas” de todas as cores passaram a se pronunciar. Há “istas” alegres, “istas” tristes, “istas” preocupados. O mundo é dos “istas” que a todo custo querem o poder.

Pois me lembrei de antigos “istas”. Aqui em São Paulo digladiavam-se em quase todas as eleições ademaristas e janistas. Jânio era o que era, o homem da vassoura. Professor de profissão entrou na política e subiu mais depressa que foguete. Ídolo arrastava atrás de si multidões inteiras que encantava com sua fabulosa oratória. Era um mestre na arte do convencimento, tipo diferente a quem não faltava um dedo de loucura. Chegou à presidência da República e surpreendeu todo mundo renunciando. Até hoje não se sabe ao certo o que levou Jânio à atitude que teve reflexos terríveis na vida do país. Seu vice João Goulart assumiu para depois ser deposto no golpe militar de 1964.

Adhemar era bem o que era. Fanfarrão, líder dos ademaristas a quem pregava o famoso “fé em Deus e pé na tábua”. Vi Adhemar num comício em cidade do interior. Era talhado para falar direto ao coração do povo. Prometia e apontava para a mulher, Dona Leonor, dizendo: “está aqui a Leonor não me deixa mentir”. Foi prefeito de São Paulo, governador, acusado de corrupção e a ele se atribuía seguir o famoso “rouba, mas faz”. Adversário de vida inteira de Jânio, Adhemar não se nega que foi político notável. Ainda que se condenem os meios que utilizava, não se pode ignorá-lo. Era do tipo que tem cara e coragem - há quem diga desfaçatez - coisa que hoje parece faltar demais à classe política.

Osvaldo Brandão quando técnico do Corinthians costumava dizer quando seu time estava em vantagem no placar: “agora é jogar o jogo”. Dilmistas, aecistas, campistas e marinistas: é hora de jogar o jogo. Quanto a nós assistiremos de longe as tertúlias dos candidatos que tão intempestivamente antecipam suas campanhas. Mas, o que chama atenção é o fato de que nenhum deles parece, até agora, reunir pelo menos um pouco da apaixonante magia que movia as campanhas dos velhos candidatos e seus “istas”. Comício era comício, sem gente cantando, olho no olho e isso não é saudosismo não.

Vassoura em ação

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Vá lá, blog talvez não seja lugar para intimidades, mas é domingo e está ventando, daí…

A primeira é que fui a um velório de senhora idosa ali no Cemitério da Freguesia do Ó. Sabe como é velório, há momentos e momentos. Os de tristeza ficam por conta das pessoas mais próximas a quem faleceu; os quase descontraídos resultam do encontro de pessoas conhecidas que não se veem há algum tempo e aproveitam a oportunidade para colocar a curiosidade em dia.

Pois foi após conversar com um sujeito excelente, com quem raramente me encontro, que dei com a placa da prefeitura colocada no prédio do velório por ocasião de sua inauguração. Lá estava, do lado esquerdo e no alto, uma vassoura cunhada em bronze e, ao lado dela, a inscrição: “Vassoura em ação”.

Isso mesmo. A obra, datada de 1985, foi inaugurada pelo então prefeito de São Paulo, Jânio da Silva Quadros. O homem da vassoura esteve ali, naquele lugar, para inaugurar obra pequena, mas deixar a sua marca para a posteridade. Na ocasião era prefeito da cidade pela segunda vez, isso após ter renunciado à presidência da República por razões até hoje misteriosas, dizem as más línguas que ligadas ao consumo excessivo de álcool.

Então me lembrei daquele sujeito muito louco que era o Jânio, amado pelo povo e grande esperança - aliás, fraudada - de todo país. Vieram-me as imagens dele ao assumir a prefeitura, típicas, jogando inseticida na cadeira de prefeito antes de se sentar nela só porque o candidato concorrente, Fernando Henrique Cardoso, tirara foto sentado nela, talvez achando que seria eleito. E a chuteira que Jânio dependurou no seu gabinete para indicar que não mais se candidataria a nada, os famosos bilhetinhos através dos quais passava ordens e governava, a proibição de exibição do filme “A última tentação de Cristo”, do Martin Scorcese, e por aí afora.

De novo em casa, horas mais tarde, assisti pela TV a um documentário sobre os feitos da NASA. A certa altura um astronauta, que fizera reparos na nave, declarou que enquanto trabalhava, em pelo espaço e há cerca de 600 Km daqui, tinha à sua frente a imagem maravilhosa do nosso planeta, em rotação à velocidade de 8 Km por hora - salvo engano da minha memória. Disse ele que, naquele momento, pensou que lá, na Terra, estava tudo que ele tinha aprendido e vivenciado até então e, mais que isso, pode sentir a fragilidade do planeta em que vivemos.

Impressionou-me bastante essa visão de fragilidade. Estando em posição de ver-nos do espaço e tendo atrás de si a imensidão do universo pode o astronauta perceber a pequenez do nosso mundo e, talvez, o quanto nos levamos a sério esquecendo-nos da transitoriedade da vida e da própria civilização.

Eu já tinha entrado nesse papo cabeça de que tudo passa e, como ressaltava Machado de Assis - copiando o Eclesiastes - de que “tudo é vaidade”, quando desliguei a televisão a fui arranjar algo para me distrair.

As imagens que se somam num mesmo dia nem sempre são animadoras: no velório a vida encerrada, na placa de inauguração os ecos de um período político complexo, no documentário o testemunho sobre a fragilidade do planeta que habitamos.

Arre! O negócio é sair dessa, varrer tudo da memória e olhar para frente.

Tempos de teleprompter

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Se bem me lembro, assisti a um comício do então candidato ao governo do Estado, Adhemar de Barros, na cidade de Pindamonhangaba, interior de São Paulo. Adhemar era uma figuraça. Acompanhava-o o estigma de político hábil, diretamente ligado ao eleitorado que o seguia cegamente. Não era só política: era paixão. Do outro lado sempre estava o ex-presidente Jânio Quadros, homem portador de incríveis habilidades oratórias que explorava a exaustão com o emprego de construções sintáticas pouco comuns. Enfim a idéia de político que eu trouxe da minha juventude foi a de espontaneidade, de certo virtuosismo nos repentes, dir-se-ia um picadeiro onde os atores de movimentavam com grande desenvoltura.

Está circulando hoje na internet um vídeo sobre a utilização do teleprompter. Trata-se de uma estrutura quase transparente que serve à leitura de textos, muito usada nos meios de comunicação. O vídeo mostra várias cenas nas quais os atuais candidatos à presidência da República fazem uso de teleprompters. Mostra-os fazendo pronunciamentos enfáticos, mas lidos e ensaiados.

Nada contra o uso da tecnologia. Por que não? Mas não posso deixar de sentir, em relação a isso, alguma nostalgia. No Brasil o dom da oratória, o gosto pela palavra difícil que, segundo Gilberto Freyre, herdamos dos portugueses, fez das campanhas eleitorais quase uma diversão à parte, independentemente do conteúdo político dos pronunciamentos. Os mais novos não terão ouvido falar em João Neves da Fontoura, isso para ficar num só exemplo. Nos sebos encontram-se livros contendo os discursos parlamentares desse grande orador.

Mas voltemos aos tempos atuais. Os candidatos estão fazendo uso de teleprompters. É o futuro. A ver se quando eleitos demonstrarão as qualidades que deles se esperam em momentos de decisões pessoais em nome do Estado, sem a ajuda de teleprompters.

Observando o mar

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Finalmente céu azul e muito sol. Na orla da praia banhistas de todas as épocas, metidos em roupas de banho, bronzeiam-se e deixam-se acariciar por ondas tépidas e calmas. Olhando para o vasto mar não é impossível sobrepor gerações de banhistas a divertir-se de um mesmo modo, sugerindo ao observador de hoje que o tempo passa, mas o homem é sempre o mesmo e assim será até o fim dos tempos.

Esses dois jovens que acabam de passar, a que geração pertencem? Estarão vivos, ainda, velhos e andando por aí? Que terá sido feito de seus sonhos? Realizaram-se? Estarão ainda juntos, talvez encerrados numa mesma cova, eles e seus sonhos?

Ou divago e não reconheço jovens que estão por nascer e passarão por esse mesmo lugar daqui a alguns anos, abraçados e sonhando com um futuro ao qual também eles pertencem?

E quanto ao observador? O observador de hoje está sentado num banco de pedra, defronte o mar. Ele pertence a uma galeria de observadores do passado e do futuro, testemunhas do cotidiano de diferentes épocas. Há 50 anos, o dia 27 de setembro de 1959 foi exatamente um domingo como este. Na época o observador de plantão lia nos jornais sobre a estrondosa recepção feita, quatro dias antes e nessa mesma cidade de Santos, ao então candidato à presidência da República, o ex-governador de São Paulo senhor Jânio Quadros. Jânio foi recebido no porto por uma multidão que lotou o armazém de desembarque de onde seguiu, em um carro aberto de bombeiros, até a Praça do Mercado, onde fez um breve comício. Eram os tempos do governo Juscelino e, talvez, a história do Brasil fosse outra se aquele Jânio aclamado pela multidão no Mercado não fosse eleito para a presidência, coisa que de todo escapava ao observador de 1959.

Já o observador de hoje lê nos jornais opiniões de analistas que condenam a diplomacia brasileira por abrigar Manuel Zelaya na embaixada do país em Honduras. O que se diz é que o fato atrapalha os planos do Brasil de tornar-se um líder mundial. Ao observador a presença de Zelaya parece conflitar com a noção de soberania nacional dado que Zelaya assumiu o controle da embaixada com seus seguidores. Assim, no território nacional em Honduras há um líder estrangeiro no comando, sendo que os quatro funcionários brasileiros da embaixada não têm como administrá-la.

Mas a crise hondurenha vai passar, assim como Jânio passou e os observadores passaram e passarão. Restarão as manhãs de sol aos domingos, os homens indo e vindo sobre a areia, saindo e entrando em épocas, sonhando com vidas passadas e futuras, até que num domingo qualquer talvez nada mais exista na paisagem além de um imenso vazio sem história, banhado silenciosamente pelas águas do mar.

Cinquenta anos depois

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Vez por outra um determinado acontecimento completa cinquenta anos desde a sua ocorrência e o fato, quando não comemorado, é pelo menos lembrado.

Está acontecendo agora com a ex-tenista Maria Ester Bueno que comemora os cinquenta anos de sua vitória no torneio de tênis de Wimbledon. A “dançarina”, como era chamada, foi tricampeã em Wimbledon, venceu cinco grandes Slams e inúmeros torneios. Jogou numa época em que os atletas eram movidos quase que só por amor e dedicação: viajava sozinha, utilizava meios de transportes mais baratos e não dispunha de retaguarda que cuidasse de seus interesses. Certa ocasião jogou 120 games num só dia, seu braço estourou e adeus carreira de tenista número um do mundo.

A glória de Maria Ester fez parte daquele reboliço que se instalou no país no final dos anos cinqüenta e início dos sessenta. Quem viu jamais se esquecerá. De repente, o país em permanente atraso e descompasso com o mundo parecia acordar. Juscelino Kubitschek exercia a presidência de onde sairia em 1961. Eram os tempos dos cinqüenta anos em cinco, da inauguração de Brasília (1960) e do incremento da indústria automobilística. Em 1958 o Brasil conquistava pela primeira vez a Copa do Mundo, na Suécia, e Pelé surgia para o mundo.  No boxe aparecia a impressionante figura de Eder Jofre, um demolidor peso-galo que conquistava o título mundial de sua categoria em 1960. Em agosto de 1958 João Gilberto lançava um compacto com a canção “Chega de Saudade”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, que para muitos representa o marco zero da Bossa Nova.

Tempos febris que de repente estremeceram com a eleição de Janio Quadros para a presidência da República, sua renúncia, o governo Jango e o grande nó que foi a revolução de 64. Desses dias muita gente lembrará facetas diferentes; dias nublados terão sido observados sob ópticas nem sempre coincidentes. Histórias contadas nos dão conta de protestos tantas vezes inúteis, opressão e a mão-forte de um sistema em voga nessa América que parece ter sido descoberta para ser laboratório do mundo, gleba de terras onde ideologias eram lançadas com o único propósito de se colidirem, levando consigo corpos, mentes e muito  sangue.

Tantas glórias e desgraças para serem lembradas agora e me pergunto se devem ser comemoradas. Os gritos ao pé dos rádios que anunciavam os dribles de Garrincha e as investidas de Pelé ainda ecoam por aí. Os murros de Eder Jofre, o melhor peso-galo de todos os tempos segundo o Conselho Mundial de Boxe, ainda parecem derrubar temíveis adversários. A raquete que Maria Ester Bueno atirou para cima no momento em que venceu em Wimbledon parece ter entrado em órbita e nunca mais voltou. Tom Jobim e Vinicius de Moraes morreram e João Gilberto resiste bravamente com sua voz peculiar, submetendo multidões para sempre encantadas.

De repente passaram-se cinqüenta anos! Dou-me conta disso assistindo a uma entrevista de Maria Ester na televisão. Lá está ela referindo-se a coisas que se tornaram memória e pó.

Não há como não sentir saudades daqueles anos, de tudo em que se acreditava, de um Brasil infante querendo crescer, de um mundo que passou e já não pode ser descrito com palavras.