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A preferência do público

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Eram três homens sobre um palco mal ajambrado. Cada um trazia sobre o corpo vestígios de fantasias nunca acabadas. Dos três destacava-se um sujeito alto, bonachão, cara de gente boa e capaz de curiosos movimentos muito engraçados. Mas, mexiam-se os três ao som da banda que tocava o axé que se tornou a música do carnaval.

Cabia ao público da rua decidir quem, entre os que se apresentavam, seria o vencedor como melhor folião. O cara com a máscara de Batman fazia o possível. O outro era um baixinho que pulava o tempo todo, meio desconectado da música, mas dando suor e sangue no que fazia.

E veio o som do Leco Leco. O sujeito alto esmerou-se, deixando para trás os outros concorrentes. Até que que a banda parou e chegou o momento do apresentador perguntar ao público, isso após apontar cada um dos concorrentes: ‘É esse?”, ‘É esse?”, ‘É esse?”.

E o “esse” escolhido foi o baixinho que macaqueara o tempo todo, pulando como se disso dependesse salvar a vida dele.

Pois não é que gostaram do baixinho? De nada valeu a melhor performance do sujeito alto que saiu do palco com um sorriso forçado estampado no rosto. Valeu ali a preferência do público gerada talvez por códigos complexos, difíceis de serem assimilados.

Em ano de eleições no qual será decidido o futuro governo do país dá certo medo pensar na preferência do público. Que fatores serão levados em conta pelo eleitor no momento em que se recolher à solidão da urna?

Pois é dessa estranha conjunção de tendências, simpatias e interesses que será eleito aquele(a) que governará o Brasil nos próximos anos. Pena que em grande parte dos casos a escolha não será feita visando-se objetivamente o que o país e os cidadãos precisam para garantir uma vida melhor.

Mas, falar sobre isso talvez realmente não importe. Afinal, no fim das contas quem manda no jogo é a preferência do público.

Anatomia de um escândalo

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Mantenho um blog no qual publico textos sobre assuntos que considero relevantes e/ou interessantes. Frequentemente evito a política dado o modo como ela é praticada no Brasil. Além disso, escrever sobre política é ficar num chove não molha porque fatos e descalabros se repetem e paira sobre tudo a impunidade. Zomba-se a céu aberto da inteligência dos cidadãos. Moldou-se um discurso genérico para convencimento das massas, discurso certeiro que acaba encontrando aprovação até mesmo em pessoas ilustradas. Isso se explica: a política não é só razão, ela também é paixão, quando não fanatismo e até extremismo.

Imagino como seja a atividade dos jornalistas obrigados, por ofício, a escrever diariamente sobre política. Trabalham eles com fatos novos que se sobrepõem a outros de igual teor. Trata-se de falar sempre sobre uma mesma coisa, abordar atos e opiniões de atores muito conhecidos e repetitivos, políticos que se caracterizam pela previsibilidade de suas ações e declarações. A tarefa consiste em circular num mundo de faces conhecidas, algumas realmente intoleráveis dada a desfaçatez de suas colocações. Mas, que fazer senão criticar o que é errado e divulgar abusos com a intenção de conscientizar os leitores? Não será esse o caminho para mudar as coisas?

Nos últimos dias o escândalo em pauta é o da Receita Federal. Sigilos pessoais têm sido quebrados, ao que se sabe envolvendo pessoas ligadas ao candidato do PSDB à presidência da República. Primeiro foram políticos ligados a ele, depois sua filha e agora o genro dele. Em busca de votos o candidato esperneia na televisão e acusa os adversários do PT. Isso posto, o próprio presidente da República vem a público, no horário eleitoral da sua candidata, para acusar seus opositores de preconceito contra a mulher e de falta de amor ao país.

Nem é preciso comentar o fato em profundidade. Um simples assomo de seriedade e respeito à democracia exigiria explicações, investigações, medidas imediatas e punições. Entretanto, não faz parte do jogo eleitoral insistir no assunto. O candidato do PSDB teme que seus protestos possam afugentar eleitores; o presidente defende sua candidata com apelos ao sentimentalismo.

Volto ao tema escrever sobre política. Todo mundo conhece a anatomia de escândalos como o citado. Todo mundo sabe no que vai dar. É fato patenteado que a nova ocorrência será acrescentada ao bolo de outros escândalos. A apuração? Seguirá nos moldes de sempre, eternizada, com resultados a perder de vista. Passada a eleição, desvinculados os crimes envolvendo sigilo da maratona de busca de votos, o interesse pelo assunto certamente passará a segundo plano.  E continuaremos escrevendo e discutindo, tendo como pauta o Brasil dos nossos sonhos.

O fenômeno Lula

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Ainda é cedo para uma análise retrospectiva do fenômeno Lula. Alicerçado em suas origens e despontando como alguém do povo que venceu, transformou-se ele num símbolo popular cujo significado maior é o de que, sim, é possível chegar lá.

Todo mundo sabe como é o presidente, homem para quem as convicções andam de par com as necessidades. Dotado de incomum senso de oportunidade não há que se negar a ele brilho: circula com desembaraço em todos os meios e mostra-se como um intuitivo capaz de fazer escolhas acertadas quando o que está em jogo são os interesses políticos. Agindo assim, irmanou-se ao povo que o elegeu e sua trajetória consiste em conquistar cada vez mais novos adeptos. Decorre daí sua imensa popularidade, os incríveis índices de aprovação e, mais que isso, o fato de lograr transferir a uma quase desconhecida seu legado transformando-a em sua sucessora, pelo menos nessa direção apontam as pesquisas de opinião.

Mas, que fenômeno é esse? De que natureza é essa trajetória impressionante? Para tentar responder a essas perguntas recorro a um artigo escrito pelo crítico José Veríssimo, em 1901. Sob o título “Duas Lendas” Veríssimo analisa, no aniversário da morte de ambos, os perfis do ex-presidente Floriano Peixoto e do Almirante Saldanha da Gama.

Embora a imagem de Floriano seja bastante diferente da de Lula, une-os a origem simples que emula e comove a massa popular. Sobre Floriano diz Veríssimo:

“Ele é bem o homem representativo do povo brasileiro, que se embevecia de saber que ele a si mesmo se chamava de caboclo, orgulhando-se da humildade da sua origem, de ser o “legítimo brasileiro”, segundo o velho erro, irradicável da opinião popular de que o Brasil é o bronco e ruim selvagem que o habitava”.

Mais à frente Veríssimo afirma que Floriano venceu e que o povo prefere, salvo casos raros, o vencedor ao vencido. E completa, buscando explicar a lenda em que se tornou Floriano:

“Em almas simples e honestas a devoção por Floriano foi grande, intensa, completa e sincera; um pouco mais e o adoravam. Não esqueçamos que foi o medo o criador os deuses. Certo que na massa florianista havia, como há ainda, especuladores de todo o gênero, gente de má fé que explorava a situação, em que o governo era forte, mas não podia ser escrupuloso; mas fora destes era grande o número de convictos, dos desinteressados, dos arrastados no arrastamento geral que levava as massas para o soturno e singelo ditador do Itamaraty.”

Seria primarismo superpor fatos históricos e plasmar perfis em si tão diferentes. Entretanto, o texto de Veríssimo é esclarecedor no tocante à idolatria popular em relação a alguém reconhecido como igual pelo povo.

Entre o atual presidente da República e a grande massa existem identidades e ligações profundas que com certeza contribuem para a imensa popularidade dele. Esse, talvez, grande fantasma a assombrar a oposição que luta para chegar ao governo. Vencer um sentimento arraigado e adubado com promessas e benesses talvez seja mesmo tarefa impossível de Brasil de hoje. Quanto ao fato de Lula se tornar uma lenda, como o foram Floriano de Saldanha da Gama, só o futuro dirá.

Afinal, para que servem as estatísticas?

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No Brasil que voltou atrás e assinou em favor das sanções ao Irã corre solta uma grande manobra de números. Confesso que sempre tive algum receio de números dado que os especialistas mais hábeis muitas vezes são dados a mágicas numéricas que redundam em soluções muito a gosto dos interesses dos envolvidos. Uma das coisas que mais ouvi na minha vida foi que os números não mentem, no final as coisas se mostram em acordo com os cálculos, a matemática conduz à verdade e por aí afora.

Apesar de meus parcos conhecimentos matemáticos, em varias ocasiões fiz uso da estatística em situações que requeriam estudo mais aprofundado de casos. Assim, não me são de todo estranhos o cálculo de probabilidades, o desvio padrão e coeficientes utilizados em estatística. Daí que muito me incomoda a dança de números que, segundo se noticia, visa a apresentação de dados maquiados com fins eleitoreiros. Esse assunto tem chamado a atenção do público ultimamente, daí ser impossível ignorá-lo.  A toda hora fala-se sobre índices de superávit e PIB per capita acima dos valores reais e até de omissão de dados negativos – tudo isso pode ser lido nos jornais de hoje, por exemplo.

Pois tudo isso é muito irritante já que dos cidadãos se exige muita correção. Um errinho no imposto de renda é lá vem a glosa ou multa, atraso em pagamentos de contas e os juros doem no bolso, isso sem falar no sufoco de impostos cobrados às empresas e aos cidadãos.  Não se pode mentir sob o peso de ser taxado ou punido. Mas, estatísticas enganosas podem ser usadas publicamente.

O bom do Brasil é que ele é grande, forte e aguenta tudo. O mesmo não se pode dizer da democracia. Ela é uma dama muito sensível, veste-se de branco e não se adapta e nenhum tipo de sujeira. Assim, aos mais velhos que já assistiram a filmes como o que agora está sendo exibido no país, aos que viveram sob regimes de exceção, a essas pessoas tudo isso inquieta e muito.

O que se espera é que as autoridades reflitam muito e tenham a credibilidade como ponto de honra. No mais, os cidadãos aguardam desmentidos oficiais e convincentes em relação às notícias que circulam sobre números alterados e estatísticas falsas. Isso é o mínimo que se pode esperar.

O fator feminino nas eleições

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Vi na televisão um jornalista dizendo que falta a José Serra presença suficiente para empolgar os eleitores. Serra é articulado, capaz, sério, educado, cortês, mas não dado a repentes que tornem situações embaraçosas favoráveis a ele. Assim, não apaixonaria os que o seguem: vê-se nele o candidato certo, mas a sensação de intimidade com o homem deixa a desejar.

Serra está atrás de Dilma Roussef nas pesquisas e atribui-se ao presidente Lula esse resultado, afinal ninguém sabe ao certo quem é a candidata e do que é realmente capaz. Agora surgem dados de pesquisas demonstrando que Serra vem perdendo força no eleitorado feminino. São as mulheres, portanto, que estão desertando de Serra, daí a sua queda nas pesquisas.

O Brasil nunca teve uma presidenta da República. Nisso a história do país difere da de países vizinhos como a Argentina e o Chile. Teria chegado a hora das mulheres mostrarem a sua força no país?

Obviamente, uma pesquisa com dados que mostram a queda de Serra por conta do eleitorado feminino suscita muita conversa mole - entre os homens, principalmente. Esse é o tipo de coisa que desperta a sempre presente e pródiga macheza do chamado sexo forte. Vai daí que se especula sobre a influência da pretensa ausência de magnetismo de Serra sobre o eleitorado feminino. De um rapaz, estudante de sociologia, ouvi que caso Serra fosse um cara realmente bonito, levaria na manha as eleições. Para esse rapaz Serra não desperta nas mulheres o carinho que se dedica a um pai ou a um amante. Convenhamos que isso soa demasiado porque, além de opinião pessoal, passa-se a exigir de um candidato mais do que capacidade e retidão. Aliás, nesse sentido, não há que se negar que muita gente que vota tem lá alguma inclinação para aprovar certo tipo de safadeza meio encantadora, daquelas relacionadas a feitos de simples macheza - quando não de natureza sexual - a partir de políticos praticantes. No que, aliás, somos diferentes dos norte-americanos que, falsamente ou não, mostram-se muito apegados aos princípios que os puritanos do May Flower fizeram desembarcar nas terras do grande país do norte - Bill Clinton que o diga. Mas, talvez, aí fale mais alto o espírito latino, veja-se o caso Berlusconi na Itália e o estilo inconfundível do ex-presidente Carlos Menen, da Argentina.

Se tudo isso for verdade, se o que as más línguas dizem por aí valer alguma coisa – o que é muito discutível, destaque-se – o PSDB terá escolhido o candidato errado. O que se diz é que Aécio Neves tiraria de letra a diferença com o eleitorado feminino e suplantaria a sua adversária nas pesquisas. Isso em se concordando com a simpatia inerente a Aécio e o sempre presente nome de Tancredo Neves que o acompanha.

Que me perdoem as feministas se acharem que essas mal traçadas visam diminuir as mulheres, sugerindo que não têm inteligência e votam apenas pelo glamour dos candidatos. Pelo amor de Deus, não é nada disso, trata-se apenas do que andam falando por aí. Quanto a José Serra, que não entre nessa: se o problema for realmente o que se diz não se trata de nada que um bom marqueteiro, auxiliado por um especialista do mundo fashion, não consiga resolver. Qualidades não faltam a ele para assumir a presidência da República.

Avante!

Que venha o polvo Paul

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Esse tal de Paul é um polvo danado de bom para fazer previsões. A média de acertos dele em relação aos jogos da última Copa do Mundo foi de “apenas” 100%. As previsões são obtidas colocando-se alimentos dentro de recipientes com as bandeiras dos competidores. Aquela que o polvo abraçar para comer representa a sua previsão.

Pelo que se tem notícia o polvo-profeta só tem feio previsões sobre resultados de jogos de futebol. Mas, seria interessante colocar no aquário em que Paul vive três recipientes, cada um contendo o nome os três principais candidatos à presidência da República, no Brasil. Quem Paul escolheria?

Obviamente uma previsão feita por tão conceituado oráculo teria algumas consequências. Não se pode esquecer, por exemplo, que boa parte dos brasileiros é dada ao esoterismo e costuma buscar em astros e feiticeiras de plantão previsões sobre o futuro. Vai daí que não seria nada estranho que eleitores votassem num determinado candidato, seguindo a orientação dos búzios… perdão, do polvo.

Outro fator a se considerar diz respeito à lisura dos procedimentos necessários à previsão de Paul. Do jeito que as coisas andam, o melhor é que a operação seja feita no exterior, sob o mando de estrangeiros desinteressados. Ocorre que, de repente e pensando no futuro, alguém poderia colocar nos recipientes conteúdos alimentares levemente diferentes, mas suficientes para influenciar a previsão do profeta.

Alguns dirão que há exagero nessa história de influenciar a escolha doe Paul. Também acho, mas num país em que dados da Receita Federal são divulgados com o intuito de influenciar resultados de eleições tudo pode acontecer. Não acha?

No mais, o polvo Paul será bem-vindo ao Brasil caso queira nos visitar e fazer previsões sobre o futuro da pátria que tanto amamos. Mas, que faça a sua visita após prever quem será o próximo presidente e as eleições já tenham sido realizadas: existe o perigo de que o transformem em cabo eleitoral.

Mas que isso seria interessante, isso seria. Imagine um comício em andamento: de repente entra um polvo, carregado dentro de um aquário, para garantir aos eleitores a vitória do candidato ali presente.

Você acha isso um absurdo? Caso ache o melhor é rever os seus conceitos, afinal o país em que você vive chama-se Brasil, terra onde é possível ver-se um pouco de tudo.

Saravá polvo Paul.

Tempos de teleprompter

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Se bem me lembro, assisti a um comício do então candidato ao governo do Estado, Adhemar de Barros, na cidade de Pindamonhangaba, interior de São Paulo. Adhemar era uma figuraça. Acompanhava-o o estigma de político hábil, diretamente ligado ao eleitorado que o seguia cegamente. Não era só política: era paixão. Do outro lado sempre estava o ex-presidente Jânio Quadros, homem portador de incríveis habilidades oratórias que explorava a exaustão com o emprego de construções sintáticas pouco comuns. Enfim a idéia de político que eu trouxe da minha juventude foi a de espontaneidade, de certo virtuosismo nos repentes, dir-se-ia um picadeiro onde os atores de movimentavam com grande desenvoltura.

Está circulando hoje na internet um vídeo sobre a utilização do teleprompter. Trata-se de uma estrutura quase transparente que serve à leitura de textos, muito usada nos meios de comunicação. O vídeo mostra várias cenas nas quais os atuais candidatos à presidência da República fazem uso de teleprompters. Mostra-os fazendo pronunciamentos enfáticos, mas lidos e ensaiados.

Nada contra o uso da tecnologia. Por que não? Mas não posso deixar de sentir, em relação a isso, alguma nostalgia. No Brasil o dom da oratória, o gosto pela palavra difícil que, segundo Gilberto Freyre, herdamos dos portugueses, fez das campanhas eleitorais quase uma diversão à parte, independentemente do conteúdo político dos pronunciamentos. Os mais novos não terão ouvido falar em João Neves da Fontoura, isso para ficar num só exemplo. Nos sebos encontram-se livros contendo os discursos parlamentares desse grande orador.

Mas voltemos aos tempos atuais. Os candidatos estão fazendo uso de teleprompters. É o futuro. A ver se quando eleitos demonstrarão as qualidades que deles se esperam em momentos de decisões pessoais em nome do Estado, sem a ajuda de teleprompters.

As regras do jogo

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Em O Futuro da Democracia* Norberto Bobbio ensina que o que distingue um sistema democrático de sistemas não democráticos é um conjunto de regras do jogo. Vele a pena ouvi-lo:

- Mais precisamente, o que distingue um sistema democrático não é apenas o fato de possuir as suas regras do jogo (todos os sistemas as têm, mais ou menos claras, mais ou menos complexas), mas, sobretudo, o fato de que essas regras, amadurecidas ao longo de séculos de provas e contraprovas, são muito mais elaboradas que as regras de outros sistemas e encontram-se hoje, quase por toda parte, constitucionalizadas.

Mais à frente diz Bobbio:

- Quero apenas dizer que num determinado contexto histórico, no qual a luta política é conduzida segundo certas regras e o respeito a essas regras constitui o fundamento da legitimidade de todo o sistema, quem se põe o problema do novo modo de fazer política não pode deixar de exprimir a própria opinião sobre estas regras, dizer se as aceita ou não as aceita, como pretende substituí-las se não as aceita, etc.

As duas citações anteriores pertencem a um ensaio dirigido à questão dos novos modos de fazer política. As colocações de Bobbio mostram-se extremamente pertinentes no momento em que se abrem as campanhas eleitorais dos candidatos à presidência da República. É do conhecimento geral que as campanhas já em andamento não têm se pautado pela obediência às regras do jogo, fato que tem determinado multas pelo descumprimento da lei eleitoral. Tais multas, aplicadas pelo Tribunal Regional Eleitoral, atingiram inclusive o presidente da República a quem cabe, em primeiro lugar, zelar pelas chamadas “regras do jogo”. Com afirma Bobbio, as regras constituem-se no fundamento da legitimidade do sistema do que se conclui que do respeito a elas depende a estabilidade democrática.

Nunca é demais lembrar que sistemas democráticos que se têm por permanentes podem ser desestabilizados. A própria história do país é permeada por longos períodos de exceção nos quais as liberdades individuais, de imprensa e outras foram duramente afetadas. Ter como certo que a democracia é suficientemente forte para resistir a toda sorte de abalos pode ser perigoso. Também o é apoiar-se no discurso corrente de que no país já não se encontra ambiente para outro tipo de sistema de governo que não a democracia.

É por ter assistido aos embates do passado e convivido com as exceções que muitos brasileiros se sentem, muito justamente, temerosos diante de atitudes arrogantes que podem colocar em risco liberdades duramente conquistadas.

*  Norberto Bobbio. O Futuro da Democracia, Uma Defesa das Regras do Jogo. Ed. Paz e Terra, 1986

A turma do deixa-disso

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A coisa mais perigosa do mundo é a rotina. Tudo o que vira rotineiro corre o risco de se tornar aceitável. É assim que coisas tremendas são incorporadas ao imaginário coletivo, quase assumindo a condição de irreais. Acontecimentos distantes, por mais violentos que sejam, encontram no cidadão resistência de percepção: é com o se o cérebro construísse uma barreira para que situações inaceitáveis não nos abalassem tanto. E, assim, vai-se vivendo.

O Brasil é o país da turma do deixa-disso. Terra de contrastes, assim disse Roger Bastide. O brasileiro é um bom sujeito, sendo que alguns são dados a deslizes de gradações diferentes. Povo alegre, empreendedor, louco por uma festa, carnavalesco, responsável, trabalhador, enfim um verdadeiro poço de contradições marcadas sempre por alguma boa-vontade. Mais: não creio que exista em todo planeta outro povo com tão grande capacidade, senão de perdoar, pelo menos de esquecer. Para isso contribui o acúmulo de notícias ruins contra as quais se estabelece um tipo de catarse perigosamente engajada em conformismo. É assim e pronto. Disso se aproveitam os brasileiros dotados de caráter voltado para a desfaçatez, os que apostam na credibilidade popular. Muitos deles fazem história e chegam a governar.

Um caso típico que se ajusta à perfeição às considerações acima é esse do vazamento de dados fiscais para a confecção de dossiê. Então o secretário da Receita Federal declara a senadores que servidores do órgão por ele chefiado acessaram as declarações de Imposto de Renda de um político adversário do governo. Entretanto, os nomes dos servidores que cometeram tal crime não serão revelados porque existe um prazo para que isso seja feito, prazo esse que justamente se esgotará após a data prevista para as eleições presidenciais.

Você lê uma coisa assim nos jornais e pula para o caderno de esportes: trata-se da referida busca de catarse. É preciso não confundir o mundo real da sua vida pessoal com o mundo imaginário em que vivem as pessoas que praticam e concordam com coisas assim. No fim não vai dar em nada mesmo porque a turma do deixa-disso já está em ação, provavelmente trocando favores para que mais esse caso seja abafado.

O fim de semana vem aí. O serviço de meteorologia afirma que o tempo ruim vai continuar de modo que você ficará em casa, protegendo-se da chuva e do frio. Nessas condições o meu conselho é para que você não leia jornais. Compre um livro de terror, uma daquelas histórias atemorizantes do Stephen King, por exemplo. Uma delas, chamada o ”O cemitério” é ótima sugestão: é terrível, embora bem menos do que se lerá no noticiário dos jornais do fim de semana.

Vida de eleitor

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debateLavagem de roupa suja é uma das atividades mais marcantes do atual Congresso Nacional. A convite ou sob a ação de Comissões Parlamentares de Inquérito pessoas comparecem ao Congresso para depoimentos tantas vezes terríveis para a classe política do país e adjacências.

O interessante é que as sessões assim realizadas têm caráter verdadeiramente orgástico: a temperatura das discussões entre os parlamentares se eleva, ânimos se exaltam, graves acusações e ameaças são trocadas. O resultado? Em geral nada porque das discussões passa-se à fase de apurações e o processo é lento dadas as características do sistema judiciário do país. A meio caminho explode outra grande falcatrua que afasta do primeiro plano a anterior e tudo fica como dantes, no quartel de Abrantes. É quando presenciamos a participação na vida pública de pessoas sob as quais pesam graves acusações que, com o tempo, são mais ou menos ignoradas e olvidadas. Vai daí que continuam livrinhas por aí, às vezes sendo lembradas ou indicadas para cargos de alta relevância.

É assim que os brasileiros aprendem a rir do Brasil, coisa que parece fazer parte do espírito da nacionalidade.  De escândalo em escândalo vai-se vivendo até que ocorram novas eleições e, teoricamente, os brasileiros tenham oportunidade de punir pelo voto aqueles que maltratam a República. Teoricamente porque a manipulação de grande parte do eleitorado é efetiva, os dinheiros públicos são investidos em campanhas de candidatos escolhidos e o voto de cabresto continua a ser uma aviltante realidade no país.

No meio disso tudo fica o eleitor consciente à espera de programas dos candidatos e discussões de alto nível que o ajudem a optar pelo que for melhor para o país. Ao invés disso, o que recebe são notícias sobre corrupção, dossiês, inverdades de lado a lado e muita conversa mole jamais relacionada com os interesses maiores da população.

Não é simples a vida de eleitor no Brasil, exceto quando o voto é trocado por algum benefício.