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Vassoura em ação

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Vá lá, blog talvez não seja lugar para intimidades, mas é domingo e está ventando, daí…

A primeira é que fui a um velório de senhora idosa ali no Cemitério da Freguesia do Ó. Sabe como é velório, há momentos e momentos. Os de tristeza ficam por conta das pessoas mais próximas a quem faleceu; os quase descontraídos resultam do encontro de pessoas conhecidas que não se veem há algum tempo e aproveitam a oportunidade para colocar a curiosidade em dia.

Pois foi após conversar com um sujeito excelente, com quem raramente me encontro, que dei com a placa da prefeitura colocada no prédio do velório por ocasião de sua inauguração. Lá estava, do lado esquerdo e no alto, uma vassoura cunhada em bronze e, ao lado dela, a inscrição: “Vassoura em ação”.

Isso mesmo. A obra, datada de 1985, foi inaugurada pelo então prefeito de São Paulo, Jânio da Silva Quadros. O homem da vassoura esteve ali, naquele lugar, para inaugurar obra pequena, mas deixar a sua marca para a posteridade. Na ocasião era prefeito da cidade pela segunda vez, isso após ter renunciado à presidência da República por razões até hoje misteriosas, dizem as más línguas que ligadas ao consumo excessivo de álcool.

Então me lembrei daquele sujeito muito louco que era o Jânio, amado pelo povo e grande esperança - aliás, fraudada - de todo país. Vieram-me as imagens dele ao assumir a prefeitura, típicas, jogando inseticida na cadeira de prefeito antes de se sentar nela só porque o candidato concorrente, Fernando Henrique Cardoso, tirara foto sentado nela, talvez achando que seria eleito. E a chuteira que Jânio dependurou no seu gabinete para indicar que não mais se candidataria a nada, os famosos bilhetinhos através dos quais passava ordens e governava, a proibição de exibição do filme “A última tentação de Cristo”, do Martin Scorcese, e por aí afora.

De novo em casa, horas mais tarde, assisti pela TV a um documentário sobre os feitos da NASA. A certa altura um astronauta, que fizera reparos na nave, declarou que enquanto trabalhava, em pelo espaço e há cerca de 600 Km daqui, tinha à sua frente a imagem maravilhosa do nosso planeta, em rotação à velocidade de 8 Km por hora - salvo engano da minha memória. Disse ele que, naquele momento, pensou que lá, na Terra, estava tudo que ele tinha aprendido e vivenciado até então e, mais que isso, pode sentir a fragilidade do planeta em que vivemos.

Impressionou-me bastante essa visão de fragilidade. Estando em posição de ver-nos do espaço e tendo atrás de si a imensidão do universo pode o astronauta perceber a pequenez do nosso mundo e, talvez, o quanto nos levamos a sério esquecendo-nos da transitoriedade da vida e da própria civilização.

Eu já tinha entrado nesse papo cabeça de que tudo passa e, como ressaltava Machado de Assis - copiando o Eclesiastes - de que “tudo é vaidade”, quando desliguei a televisão a fui arranjar algo para me distrair.

As imagens que se somam num mesmo dia nem sempre são animadoras: no velório a vida encerrada, na placa de inauguração os ecos de um período político complexo, no documentário o testemunho sobre a fragilidade do planeta que habitamos.

Arre! O negócio é sair dessa, varrer tudo da memória e olhar para frente.