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Machado de Assis: o homem e a obra

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O tema é recorrente e atravessa décadas, sugerindo que jamais poderá ser devidamente elucidado: como explicar a obra machadiana em confronto com o homem Machado de Assis?

As biografias de Machado tendem a vê-lo sob dois ângulos: o primeiro se atém a vida do escritor propriamente dita, lida através de depoimentos de seus contemporâneos e fatos conhecidos sobre a sua existência; o segundo é o que alia às características anteriores a trajetória das personagens dos romances de Machado de Assis. No primeiro destaca-se a obra de Mário de Alencar, filho do escritor José de Alencar, que privou do convívio de Machado no final de sua vida. O último Machado, viúvo e solitário, teria abandonado, pelo menos em parte, a sua notória reclusão e deixado transparecer a Mário de Alencar o aspecto humano que se escondia sob a face pública do escritor. No segundo evidencia-se o esforço dos biógrafos em suprir lacunas de períodos desconhecidos da vida do escritor com passagens da vida de suas personagens.

Em ensaio, de 1954, sobre Dostoievski, Olívio Montenegro lembra que, para André Gide, “raramente um autor de romance chega a fundir-se com tanta naturalidade nos seus personagens como Dostoievski”. Continua Montenegro dizendo que se constitui em grande problema para a crítica indagar se o homem é inseparável do artista, ou pelo contrário, se a arte esconde o homem. Sobre esse assunto afirma Montenegro:

Não se acerta, por exemplo, em concordar o acento divinamente lírico, a doçura de um tão suave misticismo da poesia de Verlaine, da sua poesia inefável de “Sagesse” com a desordem que se via no homem com a sua concupiscência e seus excessos de boêmio; da mesma maneira que não se identifica o sólido senso pedagógico nem os pensamentos desinteressados e vivos que se encontram no “Emílio” de Rousseau, com o selvagem egoísmo do homem que manda para a roda todos os filhos; nem por outro lado se encontra uma fórmula para conciliar em Bacon o cortesão e o filósofo, ou em Rafael o grande libertino e o pintor de Madonas.

Que me perdoem pela lembrança, mas talvez os mais jovens não tenham notícia sobre a roda, lugar onde eram colocados os nascidos indesejáveis sem que os pais fossem identificados. Essas crianças, acolhidas por entidades beneficentes, eram adotadas por famílias que desconheciam a origem delas. Vale citar que o fato de Rousseau enviar os filhos para a roda, citado por Montenegro, me era de todo desconhecido.

Não será este o espaço adequado para aprofundamento da discussão sobre o perfil de Machado de Assis relacionando-o à obra que nos deixou. O homem Machado legou à posteridade, talvez propositadamente, um perfil enigmático de si mesmo. Em vida ele não passou de um funcionário público bem comportado cuja rotina consistia em ir de casa ao trabalho com passagens pela Livraria Garnier, na Rua do Ouvidor, ao fim do expediente. Na livraria reunia-se com alguns amigos e mais ouvia que falava, reservando-se o direito de sair quando o tema eram assuntos picantes, política etc. Alguns biógrafos insistem em caracterizá-lo como mestiço e epiléptico vendo nessa condição êmulos para a obra que ele escreveu. Outros não o perdoam pelo aspecto nada pictórico de sua obra, dado que não se empenhou em incluir a natureza do país em seus romances. Todos concordam no fato de que Machado era um sujeito retraído, mas nem por isso deixando de ser gregário: de seus esforços nasceu a Academia Brasileira de Letras à qual presidiu.

O mulato pobre que circulava pelas ruas do Rio de Janeiro em pleno império regido por Pedro II tornou-se um grande intelectual e deixou obra ímpar, ainda hoje insuperável. Se não se aventurou pessoalmente, o fez através de suas personagens que passaram a fazer parte do cotidiano dos brasileiros como se fossem seres reais. Bráz Cubas, Capitu, Quincas Borba e tantos outros se incorporaram à cultura do país e mesmo hoje são muito lembrados e citados pelas situações romanceadas em que se envolveram, situações essas algo inesperadas quando se pensa na trajetória do homem que as forjou.

Retomando a dúvida de Olívio Montenegro, parece-nos que, em relação a Machado de Assis, a arte escondeu o homem. Mas, que isso não seja tomado em definitivo: Machado de Assis é sempre imprevisível e, de repente, numa de suas crônicas, despretensiosa, poderemos encontrar um desmentido a essa conclusão.

As personagens de ficção

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Ao longo de nossas vidas convivemos com seres reais e, em geral, damos pouca importância aos fictícios. A torturante rotina dos dias atuais concorre para que não se dê grande importância ao mundo imaginário. Fica, portanto, a ficção como uma espécie de muleta à qual recorremos para amenizar, pelo menos temporariamente, as questões cotidianas.  Tal atitude seguramente afeta o nível de prazer que a boa ficção pode proporcionar. Vá lá que a ficção funcione como refúgio, mas, nem de leve, será essa a sua principal função.

Pode ser que as pessoas não se deem conta, mas a ficção funciona como mundo paralelo à realidade. Comprova essa afirmação a influência exercida pelas personagens de ficção sobre quem com elas faz contato. Pensando bem, ao longo dos anos, travamos contato com inúmeras pessoas que vivem apenas nas páginas dos livros. Pode ser que também olvidemos o fato, mas muitas delas exerceram e exercem influência sobre o nosso modo de ser e pensar, muitas vezes de forma mais expressiva que pessoas de carne e osso a quem conhecemos. Talvez esse fato se explique porque nas páginas dos livros chegamos a conhecer a alma das personagens mais profundamente que a de muitas pessoas que nos cercam e que, em geral, não se revelam por inteiro. Quem duvida que pense em gente como Raskolnikof e Lord Jim. As penas de Dostoievski e Conrad deram-nos essas personagens por inteiro, de modo que se tornaram familiares a nós. O duplo que existe em Lord Jim é universal, mais real do que muitos seres reais de nosso convívio.

As pessoas mais jovens talvez não imaginem mas há não muito tempo a televisão não era nem de longe o que é hoje. Na verdade, há cerca de cinco ou seis décadas, a televisão brasileira engatinhava. Assistir a um canal de televisão em cidades distantes da capital era quase um milagre. Antenas colocadas em locais elevados, fios longos ligando antenas a aparelhos de televisão e outros recursos inimagináveis eram usados para recepção de imagens sem cor, por vezes borradas, muitas vezes irreconhecíveis.

Vai daí que para o lazer contribuíam não as novelas de hoje mas as tramas escritas em livros. Foi assim que, mal saído da infância, mergulhei no romantismo, lendo, por exemplo, a obra de José de Alencar. Jamais sairão da minha memória os malfeitos do vilão Loredano que apoquentava, através de mil ardis, a vida dos heróis Peri e Ceci.

Estou dizendo que mais de quarenta anos depois, Loredano continua vivo para mim, inesquecível. Eu o conheço bem, sei do ele que é capaz. Parece-me que ele está apenas preso nas páginas de “O Guarni” e que alguém deve cuidar para não deixá-lo sair de lá, tal o perigo que oferece. Loredano é, para mim, mais integral que muitas pessoas a quem conheço ou conheci e nisso consiste toda a força com que a literatura de ficção nos subjuga.

Os muitos anos de leitura nos tornam próximos de personagens de ficção, de mundos imaginários que não se desfazem. Vida afora trava-se contato com personagens de ficção: como acontece com os seres reais, a muitos deles deixamos no caminho, esquecendo-nos deles. Outros, por assim dizer, grudam em nossas memórias e os levamos conosco como parte integrante de nossa cultura e sentido de humanidade. O fato é que se torna impossível olvidá-los, condição que confere a eles mais realidade que a atribuída a muitos seres reais.

Não adianta discutir e nenhum argumento, por mais sensato que possa ser, me demoverá da absoluta certeza de que conheci – e muito bem – pessoas como o Cândido, de Voltaire, o Bráz Cubas, de Machado de Assis, o Macbeth, de Shakespare, o Joseph K, de Kafka, e muitos outros. Essas pessoas fizeram e fazem parte do meu mundo, dando à minha vida um sentido de grandeza que ultrapassa a condição da realidade em que vivo.

Recado do passado

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Em certas ocasiões o passado decide enviar recados. A coisa se dá como se ele quisesse avisar-nos de que o presente – e o futuro! – se confundirão numa só massa de tempo decorrido, em memória.

O passado é uma casa de suspiros interrompidos e emoções terminadas. Continua existindo na imobilidade que lhe foi imposta, quase sempre pela morte, mas seus sinais persistem por aí, desafiando os arroubos de vida os quais um dia também incorporará. Machado de Assis captou com precisão o contraste da morte com a vida, a sinalização do passado em vista do presente, no cemitério, por ocasião do enterro do livreiro Garnier:

“Quando outro dia fui enterrar o nosso velho livreiro, vi no de São João Batista, já acabada a cerimônia e o trabalho, um bando de crianças que iam divertir-se. Iam alegres como quem não pisa memórias, nem saudades. As figuras sepulcrais eram, para elas, lindas bonecas de pedra; todos esses mármores faziam um mundo único, sem embrago das suas flores mofinas, ou por elas mesmas, tal a visão dos primeiros anos”.

O texto faz parte de uma crônica do escritor, publicada em “A Semana”. As lindas bonecas de pedra encerram histórias terminadas e nada mais são que sinais de advertência sobre a passagem do tempo, o perecível e a própria morte, todos eles temas de predileção de Machado de Assis.

Pois. Há poucos dias o passado decidiu enviar um recado muito interessante: um mergulhador encontrou 30 caixas de champanhe antigo, no fundo do mar. Estavam nas profundezas geladas do mar Aaland, próximo à Finlândia. São garrafas produzidas pela Clicquot, provavelmente entre 1782 e 1788. Segundo especialistas é possível que se trate de uma remessa de champanhe enviada pelo rei Luís XVI, de França, para a imperatriz russa, Catarina, a Grande, por volta de 1780.

Como se vê as garrafas não reapareceram sozinhas. Trouxeram consigo parte da história da França no período que antecedeu a Revolução Francesa. De um momento para outro, fizeram reviver no mundo os ipods a figura daquele Luis XVI, preso em Varennes e depois guilhotinado, assim como a de sua esposa, Maria Antonieta, também guilhotinada seis meses depois.

Mas e muito mais que isso, as garrafas guardaram nas solidões geladas dos mares profundos, o sabor de uma época, fazendo ressuscitar o paladar das cortes desaparecidas.

As garrafas da Clicquot são uma desforra do passado, o grito longo e profundo daquilo que um dia foi e ao qual seremos, inevitavelmente, incorporados com nossos gostos, prazeres, sofrimentos, enfim, as nossas historias convertidas em bonecos de pedra.

Cristo e Judas

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É indisfarçável o constrangimento provocado pelo presidente da República ao afirmar que no Brasil, Cristo teria que se aliar com Judas. São palavras do presidente: “se Jesus Cristo viesse para cá e Judas tivesse a votação num partido qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer coalizão”.

Nada de pudores religiosos, nada de aversão a frases de efeito e, preconceito, se existe, só em relação a uma confissão pública do tipo “os fins justificam os meios”.

Mas a lição vem de cima e está dada: nada contra aliar-se com alguém que o traiu ou poderá novamente traí-lo se o que está em jogo é alcançar a vitória de momento. Na verdade o passado e o futuro pouco interessam, exceto o esforço para manter o poder em mãos indefinidamente.

Não custa lembrar: Jesus foi torturado e morto justamente para não pactuar com fariseus etc.

Sou dos que tem na Bíblia uma das maiores obras literárias de todos os tempos, isso sem considerar os aspectos ligados à fé cuja interpretação difere de acordo com a crença que cada um professa.

Por falar em literatura, em carta endereçada a Joaquim Nabuco, em agosto de 1906, Machado de Assis afirma que se consola e desconsola com a leitura de um de seus livros prediletos, o Eclesiastes. Um dos trechos preferidos de Machado pode nos servir para consolo e desconsolo diante do que homens públicos afirmam e praticam nos dias de hoje. É o seguinte:

- Vaidade das vaidades. Vaidade das vaidades, tudo é vaidade.

O Demônio da Criação

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Ray Bradbury atribui suas criações literárias à existência de uma musa à qual ele batizou como “Demônio que não teme a felicidade”. Esse nome foi retirado de um poema de Frederick Seidel no qual o poeta conta como o pequeno Demônio ora se senta sobre um ombro, ora sobre o outro, e sussurra coisas que só o escritor ouve.

A confissão de Bradbury sobre a fonte de suas inspirações está no primeiro ensaio de um livro recentemente publicado em língua espanhola pela Suma de Letras e denominado “Bradbury Habla” (do original norte-americano “Bradbury Speaks”).

Muita gente pergunta por que existem pessoas que escrevem livros ou simplesmente porque são capazes de fazer isso. Há quem tome nas mãos grossos volumes e fique imaginando quanto tempo terá levado o autor delas para escrevê-las. Alunos mais preguiçosos e pouco dados a leituras calculam o seu esforço para ler obras obrigatórias pela grossura da encadernação. Ernest Hemingway criticava Balzac por escrever tanto, atribuindo a imensa obra do escritor francês à falta de mais o que fazer.

O fato é que por detrás de poucas ou muitas páginas existe sempre alguém que se debruçou sobre elas, talvez acreditando que sua missão nesse mundo fosse a de compartilhar as suas idéias com a humanidade ou, simplesmente, contar histórias para ouvintes/leitores ávidos por preencher o seu tempo.

Se Bradbury estiver certo sobre a existência de demônios que sopram idéias nos ouvidos dos escritores é de se prever que cada um tenha o seu demônio particular. Mais que isso, talvez exista uma hierarquia de demônios porque os de James Joyce e Fernando Pessoa seguramente sugerem mais idéias que os pequenos demônios que inspiram o comum dos mortais.

Mas Bradbury avança nas suas explicações sobre a origem das suas criações dizendo que em geral as idéias trazidas pelo seu Demônio resultam em textos mais ou mesmo breves que mais tarde se ampliam, chegando a se tornar romances. O mesmo acontece com situações vividas que aparentemente não significam nada, mas que, tempos depois, tornam-se úteis como narrativas de contos ou romances.

Há quem escreva por simples compulsão, outros para livrar-se de um peso que carregam às costas. Também há quem se embebede com belezas e escreva como a passear no paraíso. O importante é que não existe uma regra para a criação em si. O que há, talvez, é um dom ou, se quiserem, uma queda de pessoas imaginosas para escrever. O resto provém da experiência pessoal, da meditação e da acomodação da escrita às regras de sintaxe, enfim de um profundo mergulho nas formas de expressão.

Entre a idéia e a consumação da obra existe um abismo, por vezes incontornável. Em Jean Christophe, grande obra do escritor francês Romain Rolland, existe uma personagem por cuja cabeça passam as mais incríveis composições e árias; entretanto, esse gênio musical é incapaz de transpor uma só linha para o papel o que seria a sua consagração como compositor. O mesmo tema foi abordado, antes de Rolland, por Machado de Assis em contos como a “Cantiga de Esponsais” na qual a personagem é um músico, Mestre Romão, que se pudesse seria um grande compositor. Sobre a inaptidão de Romão para criar, diz Machado de Assis:

- Parece que há duas sortes de vocação: as que têm língua e as que a não têm. As primeiras realizam-se; as últimas representam uma luta constante e estéril entre o impulso interior e a ausência de um modo de comunicação com os homens. Romão era destas.

Assim sentenciou Machado de Assis. Quanto a você leitor, vá depressa a um espelho e mire bem os seus ombros a ver se há algum demônio sentado sobre eles; se o vir, tome tento se ele lhe sopra coisas ao ouvido; caso isso aconteça, verifique se a sua vocação tem língua ou não. Se tiver, sente-se depressa diante de um computador e comece a escrever.

O fim de um planeta

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Não se trata de ficção: o planeta gigante Wasp-18b, recentemente descoberto, está com seus dias contados. De fato, ele está prestes a ser engolido pela sua estrela-mãe da qual está separado por apenas 2 milhões de quilômetros.

O detalhe é que esse “está prestes” significa um tempo igual a 500 mil anos. Note-se que 500 mil anos é muito pouco diante do tempo total vida de uma estrela, conforme explicam os astrônomos.

Assim, o destino de Wasp-18b está selado. A cada dia o planeta completa uma órbita inteira e a hipótese é a de que esteja seguindo o trajeto de uma espiral para dentro, fato que o levará ao choque com a estrela.

A brevidade do tempo que resta a Wasp-18b impressiona. Apenas 500 mil anos o separam do terrível momento em que a estrela-mãe, essa desalmada Pacman do universo, o engolirá. Nada se pode fazer para impedir algo talvez determinado por forças do mal comandadas por algum Darth Vader inimigo de planetas.

O problema em relação à brevidade do tempo fica por conta do período de duração da civilização humana. As civilizações humanas de que temos noticias floresceram há 6 mil anos AC; somando-se a eles os 2 mil anos DC, chegamos a  míseros 8 mil anos. Daí que os tais “apenas 500 mil anos” que restam a Wasp-18b representam para nós, pobres mortais, algo como a própria eternidade ainda mais se considerarmos que raramente atinge-se a marca dos 100 anos de idade.

Entre os temas prediletos de Machado de Assis estão o da passagem do tempo, a brevidade da vida, a morte, e o caráter perecível das coisas. Tudo acaba e as gerações passam. A vida é breve, que o digam as lápides dos cemitérios que se entreolham em silêncio. Entretanto, no breve período de menos de uma centena de anos somos capazes de experimentar a sensação de imortalidade e fingimos que nossas conquistas são eternas. Amor, ódio, paixão, alegrias, tristezas e emoções são vividas às últimas consequências, sem o vislumbre de que somos, à semelhança das coisas, seres perecíveis. Assim é o homem e a vida não teria sentido caso não a entendêssemos desse modo.

A proximidade com pessoas e coisas nos apóia e dá singularidade à nossa existência. Sendo assim, idéias como as de universo, longas e intransponíveis distâncias, morte de planetas e anos contados aos milhares não nos soam bem dado que nos apequenam por demonstrar a insignificância do homem. Salva-nos em parte a noção de continuidade da vida através da geração de filhos aos quais, assim esperamos, transferimos o legado da nossa civilização. Ainda assim, prevalece a brevidade da história do homem e a de nossas vidas.

Vida longa a todos nós que não passamos dos 100 anos!

Vida longa ao planeta Wasp-18b ferido de morte e com apenas 500 mil anos à frente para chorar as suas mágoas galácticas.

Que ainda existam homens na Terra – e a própria Terra - no dia fatal para juntos chorarem o desaparecimento de Wasp-18b!

Escrito por Ayrton Marcondes

28 agosto, 2009 às 8:59 am

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O Dia do Solteiro

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Ontem, 15 de agosto, foi o dia do solteiro. Conheci solteiros renhidos dispostos aos maiores sacrifícios para manter a sua condição. Isso não é fácil de vez que o coração nem sempre segue as regras impostas pelo pensamento: a pessoa promete não se casar de jeito nenhum, mas…

Celibatário inveterado foi um descendente de italianos, que, segundo contava, escapou do casamento por pouco. A história é semelhante a outras: não quer se casar, a vida vai passando, namoro aqui, namoro ali, até que aparece alguém que mina as resistências de um ser avesso ao matrimônio. O Vicente - esse o nome do grande celibatário – encantou-se por uma italianinha. Resistiu muito até ser vencido e decidir-se.

O episódio deu-se ao tempo de um hábito que hoje vai a desuso: ao noivo competia pedir a mão da noiva. Na noite de natal Vicente foi à casa da noiva para obter o consentimento do pai dela. Casa de italianos é reduto certo de boa comida e vinhos. Comeram e beberam todos e, em meio às festividades, Vicente tentou algumas vezes entrar no assunto do casamento. Mal começava e todos riam achando que ele estivesse bêbado. No fim desistiu e voltou para casa sem o compromisso firmado.

Vicente nunca mais se casou. Quando perguntado sobre a noite em que esteve para amarrar-se repetia a mesma história com tanta graça que ríamos muito dele. Mas via-se alguma tristeza em seus olhos, talvez pela dúvida sobre como seria a sua vida caso, naquela noite, o pai italiano o tivesse ouvido.

Sempre achei que a palavra solteiro(a) devesse ser aplicada exclusivamente àqueles que nunca se casaram. Para mim esses são os verdadeiros e constituem uma linhagem. Aos que foram casados e não são mais seriam reservados os termos separado, desquitado e divorciado. Aurélio Buarque de Holanda Ferreira não entende assim. Para o dicionarista tudo é a mesma coisa: separado, desquitado e divorciado são sinônimos de solteiro. O mesmo entendimento se encontra no dicionário de Antonio Houaiss.

No mais, as pessoas parecem concordar com os dicionaristas.  Pessoas que já foram casadas e estão sozinhas dizem-se solteiras, às vezes reforçam a condição através da palavra solteiríssima(o) - o que pode ser tomado como algum tipo insinuação.

Homens e mulheres sós em geral apontam benefícios em seu modo de viver. Fazem parte do elenco de vantagens a possibilidade de desfrutar liberdade, aspectos financeiros, distanciamento de hábitos desagradáveis e irritantes do parceiro etc. A isso se acrescenta o fato de que ser solteiro não necessariamente signifique viver isolado, em solidão. Existem muitos meios de tornar a vida interessante e ouço de pessoas que vivem só maravilhas sobre escolher momentos de convívio e reservar-se o direito de estar sozinho.

A crescente complexidade das relações humanas motivada pelo ritmo frenético do dia-a-dia em sociedade inevitavelmente interfere nos paradigmas que herdamos sobre o modo de viver, constituir família, relacionar-se com parentes a e planejar o futuro pessoal.  Às circunstâncias casado e solteiro somam-se, de modo crescente, outras formas de relacionamento condicionadas por fatores como praticidade e mesmo filosofia de vida. Entretanto, o bom e velho casamento resiste e permanece como sonho de milhares de pessoas.

Mas relacionamentos amorosos e vida conjugal não são coisas simples. Numa de suas crônicas Machado de Assis fala com entusiasmo sobre a emancipação da mulher. Diz o escritor:

“Melhor notícia do que essa é a de ter sido aprovada, na Bahia, uma senhora que fez exame de dentista. Registro o acontecimento, com o mesmo prazer que tomo nota de outros análogos; vai-se acabando a tradição, que excluía o belo sexo do exercício de funções até agora unicamente masculinas. É um traço característico do século: a mulher está perdendo a superstição do homem.”

Aplauso pela imprensa, nem tanto prazer pela emancipação em casa: conta-se que Machado tinha muito ciúme de sua mulher – Carolina - e detestava que ela saísse à rua.

Há quem diga que todo esse assunto é estéril. É possível sentir-se sozinho estando junto assim como existem ligações amorosas profundas entre pessoas que não vivem sob o mesmo teto. Do que se conclui que cada pessoa tem o seu modo de ser e isso é o que interessa. Existe quem não consiga viver sozinho, outros não sabem ficar juntos e talvez essa constatação simplifique bem as coisas.

Escrito por Ayrton Marcondes

16 agosto, 2009 às 9:52 am

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O Velho e o Novo Senado

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“O Velho Senado” é um texto de Machado de Assis que faz parte de seu livro “Páginas Recolhidas”. Nesse texto Machado fala sobre o Senado de 1860 no qual, a convite de Quintino Bocaiuva e ainda muito jovem, atuou como redator do “Diário do Rio de Janeiro”.

Peça literária e documento de grande importância “O Velho Senado” fala sobre homens e suas ações no Senado do Império. Através das páginas de Machado de Assis conhecemos mais de perto personagens da nossa história como Sinimbu, Paranaguá, Itanhaém, Zacarias, Caxias, Ouro Preto e Monte Alegre. Sobre muitos deles recorda Machado que haviam sido contemporâneos da Maioridade, algum da Regência, alguns do Primeiro Reinado e da Constituinte.  Diz Machado de Assis sobre os senadores:

“Tinham feito ou visto fazer a história dos tempos iniciais do regime, e eu era um adolescente espantado e curioso. Achava-lhes uma feição particular, metade militante, metade triunfante, um pouco de homens, outro pouco de instituição.”

Homens que fizeram ou viram fazer a história, um pouco de homens, um pouco instituição! Nas palavras de Machado de Assis o retrato dos senadores do Império, o perfil de um senador ainda que por vezes movido pelas paixões políticas e sujeito a deslizes. Mas, antes de tudo, homens partícipes de uma instituição que deve obrigatoriamente ser honrada porque faz história.

Da leitura de “O Velho Senado” para o Senado da República em 2009: do jeito que se arrasta, a crise do Senado vai sendo incorporada à galeria de fatos tétricos da história do país. Não há dia em que não se divulguem acréscimos a uma sequência de acontecimentos que denigre a imagem dos políticos brasileiros e ameaça manchar para sempre toda a categoria. O que acontece no Senado compara-se àqueles filmes de terror cujos enredos nos chocam e infelizmente grudam nas memórias.

Como pode ser que um grupo de homens, aos quais foram democraticamente atribuídas as maiores responsabilidades, se comporte de modo tão absurdo?

O Senado Brasileiro mais parece uma grande sala sem espelhos onde as pessoas que ali atuam não se veem durante a execução de seu ofício enquanto senadores. Velhas raposas não experimentam o menor rubor ao exibir as felpudas mantas que os protegem. Outros realmente se creem invisíveis como se fora do teatro onde se desenrolam as ações do Senado não existissem olhos para vê-los. É assim que passados de militância e posturas aparentemente progressistas sucumbem à voracidade de necessidades prementes, acordos obscuros perpetrados com a única finalidade de manter interesses e certas aparências.

Pois olhem que cresci em época na qual dizer que alguém era senador suscitava reverência e atitude respeitosa. Quando morria alguém que pertencera ao Senado, com que respeito se dizia: ele foi Senador da República. Valia como currículo. Sombras em sua trajetória, se haviam, em geral não eram suficientes para encobrir a imagem de dignidade do falecido. Hoje? Ora, nem é preciso responder.

Acobertados pelos governantes e mancomunados no sentido de encobrir toda sorte de corrupção os membros do atual Senado não dignificam a instituição à qual temporariamente pertencem. Obviamente existem honrosas exceções que, entretanto, revelam-se insuficientes para restaurar o clima de confiança do país.

A atual crise do Senado não encontra paralelo em crises vivenciadas pela instituição no passado. A pressão da população e da imprensa é fundamental para que venha a existir uma reforma administrativa e radical mudança de hábitos dos senadores. E o país terá oportunidade de intervir diretamente na composição do Senado nas eleições de 2010. Será através do voto que a população terá oportunidade de dar o seu veredicto sobre o tormentoso quadro de irresponsabilidade e impunidade que, atônitos, assistimos.