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Macunaima

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Macunaima faz parte daquela terrível lista de livros condenados a serem lidos por obrigação. O livro é indicado em escolas e aparece como leitura obrigatória em vestibulares.

Li Macunaima há muito tempo. Depois assisti ao filme em que o Grande Otelo fazia o papel do “herói sem nenhum caráter”. Confesso que me perdi um pouco no desconjuntado dos textos do Mário de Andrade, mas ainda trago comigo o prazer de uma leitura que me fez rir e entrever, nas aventuras tantas vezes absurdas do herói, o perfil de toda uma gente oriunda da mestiçagem e que se entendeu com os trópicos de modo bastante peculiar.

Não pretendo acrescentar uma só linha ao que já foi escrito sobre Macunaíma, livro de resto esmiuçado por críticos de várias gerações. Críticas à miscigenação, indianismo moderno, ausência de cronologia, surrealismo eivado de fantasias e lendas, oposição ao romantismo, desvinculação do português do Brasil daquele praticado em Portugal, aspectos folclóricos: o leitor encontrará textos sobre tudo isso e muito mais em inúmeras obras críticas sobre o livro de Mário de Andrade.

Como se sabe, as metodologias críticas empregadas ressentem-se de certo modismo crítico inerente às épocas em que são utilizadas. Não é o caso de analisar aqui abordagens possíveis para a análise de obras literárias, partindo-se do ideário crítico do romantismo, defendido pelo grupo fluminense que tinha por mentor Gonçalves de Magalhães. A esse sucederam outros perfis críticos como a crítica naturalista, impressionista, nova crítica…

A posteridade acrescenta novos olhares a obras que mereceram atenção crítica no momento de suas publicações. Entretanto, não deixa e ser muito interessante ouvir a voz dos chamados críticos de plantão que se debruçam sobre textos ainda frescos e abertos a toda sorte de novas interpretações. No caso de Macunaíma a crítica de momento ganha relevo porque retrata a transição entre o romantismo/naturalismo e o movimento modernista iniciado em 1922. O livro de Mário de Andrade foi publicado em 1928 caindo, por assim dizer, num meio ainda impregnado pelo romantismo. Teve ele, portanto, o condão da novidade novidadeira o que nos leva a imaginar o porte de estranheza do texto de Mário sobre público e críticos habituados a textos, digamos mais bem comportados.

Tenho em mãos um texto crítico, sobre Macunaima, de autoria de João Ribeiro, publicado no Jornal do Brasil, em 31/10/1928. Nesse texto, escrito no calor da hora, Ribeiro define o livro como “um conglomerado de coisas incongruentes no qual o autor utilizou materiais conhecidos das nossas tradições, e se não conseguiu dar harmonia ao conjunto, em todo caso concertou o mais que pode ideias e noções objecionáveis e contraditórias em si mesmas”. Acrescenta que Mário de Andrade é capaz de asneiras, mas asneiras respeitáveis, de talento, daí a delícia de ler um livro cuja graça transpira em todas as paginas e nos faz rir. Depois termina, dizendo:

Para nós é evidente que o autor, ainda contra a sua própria crítica, quis-nos pintar o homem brasileiro, indolente, mas astuto (em poucas coisas, na política por exemplo), sem caráter definido, perturbado pela heterogeneidade de seus elementos formativos, ignorante mas audaz, pobre mas fanfarrão de liberalidades, presumido como a mosca do coche, vassalo arrotando soberania…

Macunaima inseria-se, como obras anteriores a ele, num universo de cansaço intelectual e desgaste abusivo do romantismo. Rebeldia contra o passado, mas fase de instabilidade cujo futuro se constituía numa indagação para os contemporâneos do movimento modernista.

Do que veio depois, temos notícias nós, os pósteros.

Virginia Woolf

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A revista Time acaba de divulgar a lista das 25 mulheres mais influentes do século XX. A lista é encabeçada por Jane Adams (1860-1935) que lutou pelas causas sociais de trabalhadores e foi a primeira americana a receber o Prêmio Nobel da Paz. Fazem parte do grupo a Madre Tereza de Calcutá (1910-1997), a cantora Madonna (1958-), Coco Chanel (1883-1971), Oprah Winfrey (1954-) e Hillary Clinton (1947-).

Entre as mais influentes também se encontra a escritora britânica Virginia Woolf (1882-1941). Seu livro mais conhecido é Orlando, publicado em 1928, considerado um marco do modernismo. Orlando é um jovem inglês, nascido ao tempo da Idade Moderna, que, durante viagem à Turquia, certa manhã acorda transformado em mulher. Como Orlando é imortal, pode-se acompanhar a sua trajetória por um período de 350 anos nos quais a ambiguidade do sexo é trabalhada pela autora. O leitor acompanha Orlando dos dezesseis aos trinta e dois anos que correspondem, em termos de biografia, a mais de três séculos de história literária. Segundo o crítico Harold Bloom o que mais importa em Orlando é a comédia e um intenso amor pelas grandes eras da literatura inglesa. Virginia adorava a arte e Orlando reflete as atividades de uma grande leitora que, já no prefácio do livro, confessa as várias influências sobre o seu trabalho.

Virginia Woolf forma, juntamente com James Joyce, Marcel Proust e Franz Kafka, o quarteto mágico do modernismo. O crítico Peter Gay explica como se deu a transição do realismo para o modernismo, abordando aspectos inerentes aos dois movimentos. Afirma o crítico que os autores de prosa convencional não chamavam atenção especial para as suas técnicas. O esperado nos romances tradicionais eram personagens enfrentando situações complexas, havendo surpresas e mudanças de fortuna; entretanto, a trama caminhava para uma solução final, um desfecho claro como se houvesse acordo tácito entre o escritor e os leitores. Exploravam-se mais as exterioridades, ao contrário das obras modernistas, voltadas para as realidades internas. Seguiu-se, com o modernismo, uma revolta contra as exterioridades. Peter Gay prossegue dizendo que os modernistas inverteram dramaticamente a técnica do romance, mudando a distribuição habitual do espaço, muitas vezes dedicando longas passagens a um único gesto. Abandonavam-se os cenários e o drama investindo-se numa viagem interior, celebrando-se a subjetividade.

A questão da subjetividade foi explicada por Virginia Woolf durante uma palestra na qual afirmou: “em dezembro de 1910, a personalidade humanam mudou”. Referia-se a escritora à mudança de mentalidade definida como modernismo. Para Woolf a primeira década do século XX ainda estivera envolta em princípios vitorianos antiquados.

Virgínia Woolf era filha de um historiador de ideias e editor importante. Desde cedo mostrou-se muito frágil e sensível, sendo frequentes suas mudanças de humor que, por vezes, chegavam a enlouquecê-la. Leitora incansável, Woolf escrevia desde cartas a ensaios e polêmicas feministas. Em seus livros a escritora abordava questões políticas, sociais e também o pensamento feminista, envolvendo a situação da mulher e suas limitações diante das imposições de um mundo masculino.

Em 1912 Virginia casou-se com Leonard Woolf com quem, cinco anos mais tarde, fundou a editora Hogart Press. Nessa editora foram revelados escritores como T. S. Eliot e Katherine Mansfield. Entre os livros de Virginia Woolf destacam-se, além de Orlando, Rumo ao farol e As ondas.

A extrema fragilidade de Virginia Woolf terá sido o fator preponderante em sua precoce morte. No dia 28 de março de 1941, logo após um colapso nervoso, a escritora vestiu um casaco, encheu-o de pedras e atirou-se nas águas de um rio, onde morreu. Pouco antes de seu suicídio deixara uma carta ao marido Leonard com os seguintes dizeres:

Querido,
Tenho certeza de estar ficando louca novamente. Sinto que não conseguiremos passar por novos tempos difíceis. E não quero revivê-los. Começo a escutar vozes e não consigo me concentrar. Portanto, estou fazendo o que me parece ser o melhor a se fazer. Você me deu muitas possibilidades de ser feliz. Você esteve presente como nenhum outro. Não creio que duas pessoas possam ser felizes convivendo com esta doença terrível. Não posso mais lutar. Sei que estarei tirando um peso de suas costas, pois, sem mim, você poderá trabalhar. E você vai, eu sei. Você vê, não consigo sequer escrever. Nem ler. Enfim, o que quero dizer é que é a você que eu devo toda minha felicidade. Você foi bom para mim, como ninguém poderia ter sido. Eu queria dizer isto - todos sabem. Se alguém pudesse me salvar, este alguém seria você. Tudo se foi para mim, mas o que ficará é a certeza da sua bondade, sem igual. Não posso atrapalhar sua vida. Não mais. Não acredito que duas pessoas poderiam ter sido tão felizes quanto nós fomos.

V.

Os “Ulisses” de James Joyce

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De vez em quando acontece a aquisição de um livro cuja leitura, devido ao seu alentado volume, vai ficando para depois. A verdade é que livros grandes parecem ser inadaptados à correria da vida atual. Não sei ao certo, mas creio que foi em relação à obra de Balzac que Hemingway afirmou ser extensa demais, supondo que o escritor francês nada mais tivesse a fazer que escrever livros.  

jamesjoyceNo caso do “Ulisses”, do escritor irlandês James Joyce, ao grande número de páginas – 900 – acrescenta-se a reconhecida dificuldade de leitura. “Ulisses” não é obra fácil e se me refiro ao livro no plural “Os Ulisses” é porque existem, em português do Brasil, duas traduções: a de Antônio Houaiss e outra, mais recente, cuja autora é Bernardina da Silveira Pinheiro. Das duas li a de Huaiss; a de Bernardina continua na estante à espera de momento em que eu possa em entregar a ela.

Sobre o trabalho de Houaiss posso dizer que a erudição do tradutor resultou num texto algo empolado, mas ainda assim excelente.  Parece que Bernardina adotou linha mais coloquial que, segundo li, aproxima mais o texto traduzido das intenções originais de seu autor.

De todo modo é sempre um grande encanto entrar em contato com a obra de um dos autores mais importantes do século XX, verdadeiro divisor de águas no terreno da literatura. Naturalmente críticos e leitores discordarão ao apontar pelo menos quatro autores mais representativos do modernismo literário, mas sejam quais forem os escolhidos Joyce sempre estará entre eles. O fato é que ele rompeu com os cânones que o precederam, introduzindo na literatura o chamado “fluxo de consciência”. De fato, na narrativa de Joyce privilegia-se o monólogo interior e dá-se mais espaço a aspectos psíquicos que fatores externos.

Em “Ulisses” Joyce associa sua fervilhante imaginação a grande domínio linguístico.  Trabalha com tantas variáveis que correria o risco de criar uma massa informe e descontinua demais ao entendimento de seus leitores. Evita que isso aconteça socorrendo-se com a tradição literária, justamente ela a quem seu modo de escrever subverte. Joyce vai buscar na Odisséia a linha mestra de seu texto, se é que se pode falar em linha mestra. De todo modo, as personagens principais de Ulisses - Leopold Bloom, sua esposa Molly Bloom e Stephen Dedalus são paródias das personagens de Homero - Ulisses, Penélope e Telêmaco. A trama de “Ulisses” desenrola-se num único dia, 16 de junho de 1904, em Dublin, cidade natal de Joyce. Como acontece aos homéricos, as personagens de Joyce, passam pelas vicissutudes de suas vidas desencontradas ao longo de  dezoito capítulos, cada um deles relacionado com um fato específico da Odisséia de Homero. Mas que não se engane o leitor: trata-se de uma paródia burlesca da Odisséia.

ulisses“Ulisses” foi publicado pela primeira vez em 1922, em Paris, pela pequena editora Shakespire and Company.  Considerado obsceno, o livro só pode ser publicado eno EUA em 1933, após histórica decisão judicial.

James Joyce (1882-1941), viveu grande parte de sua vida fora da Irlanda, embora suas obras se ambientem em seu país de origem. São de sua autoria o livro de contos “Dublinenses”, o romance “Retrato de um artista quando jovem”, “Ulisses”, e “Finnegans Wake”, seu últmo trabalho. Sobre “Finnegans Wake” pode-se dizer que tem estrutura por demais complexa dado que as técnicas utilizadas em “Ulisses” são levadas a verdadeiro paroxismo.

A breve notícia sobre o “Ulisses” de Joyce num blog não pretende passar por mais que simples lembrança e sugestão de leitura aos interessados em modernismo e literatura. São inúmeros os ensaios e estudos sobre a obra de Joyce. Um deles, em especial, é o escrito pelo crítico norte-americano Edmund Wilson cuja leitura funciona como excelente introdução à obra do escritor irlandês. O ensaio “James Joyce”, de Edmund Wilson, faz parte do livro  “O castelo de Axel”, publicado pela Companhia das Letras.

As duas versões de Ulisses podem ser encontradas nas livraraias. A traduzida por Antônio Hoaiss é publicação da  Civilização Brasileira ; a tradução de Bernardina Silveira Pinheiro é publicação da Alfaguara Brasil.

Por último, uma licenciosidade: para os amantes da série “24 horas”, cuja ação se passa num único dia, vale lembrar que quase 100 anos antes, James Joyce produziu “Ulisses”, narrativa que começa às 8h da manhã e termina às 2h da madrugada.

A desconstrução da arte

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Todas as épocas tiveram os seus momentos de desconstrução que, mais tarde, tornaram-se moeda corrente para, por sua vez, serem desconstruídos pelas idéias novas de novos profetas. Foi assim que o realismo substituiu o romantismo, o modernismo zombou de tudo que veio antes dele e a ordem sucumbiu à desordem, então chamada de nova ordem.

Tudo isso faz parte da natureza do homem, da necessidade de renovação, do instinto de progresso, da fome de epílogos que inaugurem novos tempos.

Dentro de tal contexto, o real e o linear sucumbem. É preciso um novo traço, uma nova cor, a deformação da imagem, o avesso das palavras, a quebra do sentido, a ruptura da lógica, a negação do sequencial. Só assim o artista estará conectado com um mundo sem certezas, arrivista, no qual os acontecimentos forçosamente negam a racionalidade.

As novas realidades oferecem o perigo de triunfarem, entre os poucos verdadeiros artistas, os que apenas desconstroem, os iconoclastas que não sabem esculpir, os que desenredam por não saber enredar. Assim se fazem muitos gênios de momento, arautos de novidades incompletas que caem no gosto do público, propagando obras ininteligíveis, arrastando legiões de pessoas atraídas por algo que têm por avançado ainda que lhes escape o sentido do que observam ou lêem.

Ultimamente tem sido assim, entre nós, na literatura, na música, na moda, no cinema, na pintura, nas artes em geral. Premia-se o que é vago, valoriza-se o incerto, atribui-se pós-modernidade ao que pode ser catalogado como simplesmente “estranho”. A sociedade de consumo propaga as novidades, os pseudocultos integram-se para não ficar de fora e muitos intelectuais aderem por receio. Desse modo, a arte afasta-se de seus parâmetros, os clichês retornam camuflados e são enfiados goela abaixo do público. Nasce, assim, uma legião de consumidores de arte padrão, imbecilizados, devotos de uma falsa arte incensada pelos críticos de plantão.

Em períodos como este as boas narrativas não encontram espaço, os clicks inteligentes das máquinas fotográficas são desprezados e a boa poesia é substituída pela versificação sem sentido que passa por avançada.

Os verdadeiros talentos? Resta-lhes procurar outra profissão.

Os críticos? Deixam de existir ou sucumbem no solo movediço do “nem sim, nem não”.

E a arte, a verdadeira arte? Ora, a arte…

Se não existe um consistente movimento a refutar, a produção artística ou segue o seu curso normal ou corre o risco de perder-se de si mesma. Na última hipótese verifica-se o triunfo das nulidades, como já dizia o bom e sábio Rui Barbosa.

Escrito por Ayrton Marcondes

20 janeiro, 2010 às 10:25 am

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Os caminhos da moda

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Sempre desconfiei que os mais ousados modelos apresentados nos desfiles de moda nunca fossem usados por ninguém. Existem roupas realmente incríveis, delírios de costureiros, designers e artistas de toda ordem que realmente viajam em outras latitudes de onde trazem para o mundo criações exuberantes e nem sempre práticas.

Foi um amigo versado em moda que certa vez me explicou que os desfiles anuais promovidos pelas grifes funcionam como gatilhos para o desencadeamento de toda uma rede produtiva que termina na confecção de roupas em massa para o grande público. É desse modo que as pessoas são envolvidas pelo mundo fashion e correm atrás dos mais recentes Louis Vuitton, Dona Karan e outras marcas. Corrida essa, aliás, que termina no baixo mundo da moda onde se vendem as nem sempre bem acabadas cópias falsificadas de produtos de todas as marcas “made in China”. Quem dúvida que faça uma visita às barraquinhas e lojas de importados nas agitadas ruas de comércio de cidades como São Paulo e Nova York. Chinatown é o lugar, acreditem.

Em matéria de moda nunca consegui me desligar dos anos 20. Embora hoje ultrapassados os antigos modelos de Coco Chanel parecem garantir um porto seguro quando desconfiamos que algo não está bem ou fora de lugar. Há nos traços e cortes de Chanel uma segurança de bíblia do gênero à qual recorro sempre que me sinto inseguro e incapaz de emitir opinião.

A moda se transforma, mas o estilo permanece - dizia Chanel. Note-se que ela começou a produzir seus modelos numa época em que o mote de Serguei Diaghilev, o genial diretor dos Ballets Russes, era simplesmente a palavra “surpreenda-me”. Época dos pintores Salvador Dali e Pablo Picasso, do escritor Jean Cocteau, do fotógrafo Man Ray e de tantos outros personagens com os quais Chanel se relacionou.

Mas, a ousadia na moda parece não ter limites. Uma rápida olhada nas páginas de revistas de moda pode se converter num exercício de avaliação sobre os rumos da imaginação quando se trata de impactar o público. Os apelos são muitos e, mais que nunca, a fotografia alia-se à alta costura para que as roupas vestidas por belas modelos sejam mostradas em ambientes capazes de despertar reações subliminares nas pessoas que as observam.  Exemplificam a afirmação anterior fotos que mostram modelos em ambientes exóticos os quais conferem às vestimentas aspecto de extraordinário. A intenção óbvia é a de despertar a sensação de estar acima do normal. Referenda-se a possibilidade de se destacar e isso ao alcance do consumidor que tem ao seu dispor a possibilidade de realização da sua fantasia.

Mas a coisa não pára no universo da propaganda que faz de tudo para atrair consumidores. A moda do momento recomenda excentricidade e abuso da criatividade surrealista. Eis aí, portanto, a palavra mágica, que nos devolve ao grande pintor surrealista Salvador Dali. Pois não é que Isaac Mizrahi acaba de produzir um chapéu-bolsa inspirado no chapéu-sapato que foi desenhado por Schiaparelli, em 1937, para Gala, a mulher de Dali? E que dizer do vestido e do blazer que trazem reproduções das mãos desenhadas por Jean Cocteau? E do relógio da Cartier cujo modelo é retirado da famosa tela “A persistência da memória”, desenhada em 1931, por Salvador Dali?

A imaginação é o limite quando se trata de moda. Ditando normas para as aparências e alimentando paixões a indústria da moda está à cata de novas perspectivas estéticas que encantem o público consumidor. Nessa busca constante não é rara a reciclagem de antigas novidades. É quando pós-moderno sucumbe ao moderno e antigas tendências se mostram insuperáveis.

A origem do mundo

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Acredita-se que o universo, tal como é conhecido, tenha se originado há cerca de 15 ou mais bilhões de anos a partir de uma formidável explosão que os cientistas costumam chamar de Big Bang. Já o nosso sistema solar possivelmente formou-se a partir de uma grande nuvem de poeira cósmica. Girando e condensando-se a nuvem deu origem ao Sol e aos planetas, entre eles essa maravilhosa Terra que a todo custo intentamos destruir.

O enigma da origem do mundo e do aparecimento da vida apaixonou os homens desde a mais remota antiguidade. Hoje se sabe que a vida surgiu nos oceanos há aproximadamente quatro bilhões de anos. Os primeiros seres vivos não passavam de células originadas pelas reações entre pequenas moléculas que, progressivamente, ganharam complexidade.

Se os parágrafos anteriores resumem estudos e descobertas de cientistas o mesmo não se pode dizer sobre outras interpretações sobre a origem do mundo. Visões particulares de filósofos e artistas conferem outras dimensões a respeito de fatos sobre os quais os cientistas se debruçaram ao longo de séculos.

Nesse sentido é muito interessante a interpretação de Gustave Courbet (1819-1877) sobre a origem do mundo no quadro homônimo que desenhou. Coubert foi um pintor francês realista cujas telas são produto da observação direta. Considerado anarquista era amigo do filósofo anarquista Proudhon, do poeta Charles Baudelaire e do caricaturista Daumier. É de Pedro José Proudhon(1809-1865) a célebre frase “a propriedade é um roubo” referindo-se ao fato de que a existência da propriedade torna possível a apropriação do trabalho de outrem. Proudhon foi muito lido no Brasil e influenciou vários intelectuais, entre eles Euclides da Cunha. O professor Miguel Reale destaca em seu livro “A Face Oculta de Euclides da Cunha” o aspecto curioso da simpatia o autor de “Os Sertões” por Proudhon de vez que Euclides repelia qualquer tendência anárquica.

Mas, eu me desencaminho. Voltando a Coubert, por volta de 1850 ele abandou a fase realista e passou a desenhar formas voluptuosas de conteúdo erótico. Em 1866, Coubert produziu o quadro extremamente chocante que é a “Origem do Mundo”. Trata-se de uma representação frontal das coxas e da vulva de uma mulher. A observação do quadro incomoda e desperta várias reações, destacando-se a vergonha. O que está exposto na tela é um nu frontal e sem disfarces da genitália feminina, sugerindo os começos da vida e contrapondo-se ao erotismo que normalmente emprestamos a ela. É a dualidade entre erotismo e geração da vida, mostrada na tela com crueza, que fere o observador estimulando os seus preconceitos. Nada a ver, portanto, com as considerações científicas sobre a origem do mundo e da vida.

Gustave Coubert defendia o socialismo e foi um agitador político. É considerado um precursor do impressionismo e do cubismo. Os críticos de arte e os estudiosos do modernismo garantem que os pintores impressionistas aprenderam muito com a arte de Coubert.

Ezra Pound

com um comentário

A primeira vez que ouvi falar sobre Ezra Pound (1885-1972) foi numa transmissão da Voz da América (The Voice of America) pelo rádio. Como se sabe, a Voz da América é um programa que foi criado durante a Segunda Guerra Mundial para transmitir notícias e propaganda política para regiões sob domínio da Alemanha nazista. Mais tarde o serviço se diversificou com transmissões para vários países e em diversas línguas.

Eram os tempos da Guerra Fria e quando perguntei sobre Pound, dizendo que ouvira falar dele através da Voz da América, as pessoas estranharam. Ocorre que Ezra Pound fora acusado de traição pelo governo norte-americano por ter realizado diretamente de Roma, no período de 1941-42, transmissões pelo rádio, consideradas como contrárias ao seu dever de lealdade com o seu país (EUA). Por essa razão, Pound entregou-se às tropas norte-americanas quando estas invadiram a Itália, em 1945. Preso, foi remetido a um campo de concentração onde ficou por três semanas. Depois disso foi enviado aos EUA. Considerado mentalmente incapaz, não foi julgado: foi mandado para um manicômio judiciário de onde só saiu doze anos depois.

Ezra Pound foi um dos maiores poetas de língua inglesa. Nascido nos EUA mudou-se para Londres em 1908, tornando-se amigo dos poetas William Butler Yeats e T.S. Eliot. Nos dois anos seguintes publicou os livros “Personae e Exultations” e “The Spirit of Romance”. Sua principal obra chama-se “Cantos”, na qual trabalhou durante cinquenta anos.

Pound foi o líder de um movimento renovador da poesia chamado imagística cujas normas são a ausência de rebuscamento, a economia de termos e a busca de eficácia informativa. Entretanto, sua obra não se restringiu à poesia: foi também crítico, tradutor e grande incentivador de outros talentos. O método crítico de Pound valoriza a tradução e a comparação (método ideogrâmico). Um de seus livros é o “ABC da Literatura”, publicado em 1934, espécie de manual da didática poundiana. Nesse livro Pound defende a idéia de que a literatura deve ser estudada através do método utilizado pelos biólogos: exame cuidadoso e direto da matéria e contínua comparação de uma lâmina ou espécie com outras.

O incentivo a outros talentos foi cultivado por Pound que fez de tudo para tornar possível as produções de escritores como James Joyce e os poetas Yeats e Elliot. 

Durante os anos em que esteve internado no manicômio Pound nunca deixou de escrever. Seus livros podem ser encontrados nas livrarias. O “ABC da Literatura”, com tradução de Augusto de Campos e José Paulo Paes, foi editado pela Cultrix.  A edição de os “Cantos”, com tradução de José Lino Grunewald, é da Nova Fronteira. Mais difícil de encontrar é uma co-produção da Editora Hucitec com a Editora da Universidade de Brasília denominada “Ezra Pound – Poesia”, com tradução de Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari, José Lino Grunewald e Mário Faustino. Trata-se de uma antologia organizada por Augusto de Campos na qual o organizador destaca o fato de que à exceção de Mário Faustino os demais tradutores são poetas que pertenceram ao movimento da poesia concreta no Brasil.

Num de seus últimos depoimentos, Pound declarou: “só sei que nada sei”. A afirmação não parece verdadeira partindo de um homem que, antes da Primeira Guerra Mundial, propôs aos seus colegas modernistas o lema “make it new” (inove) e deixou-nos poesias como esta saudação:

SAUDAÇÃO

Oh geração dos afetados consumados
e consumadamente deslocados,
Tenho visto pescadores em piqueniques ao sol,
Tenho-os visto, com suas famílias mal-amanhadas,
Tenho visto seus sorrisos transbordantes de dentes
e escutado seus risos desengraçados.
E eu sou mais feliz que vós,
E eles eram mais felizes do que eu;
E os peixes nadam no lago
e não possuem nem o que vestir.

(tradução de Mário Faustino)