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Ezra Pound

com um comentário

A primeira vez que ouvi falar sobre Ezra Pound (1885-1972) foi numa transmissão da Voz da América (The Voice of America) pelo rádio. Como se sabe, a Voz da América é um programa que foi criado durante a Segunda Guerra Mundial para transmitir notícias e propaganda política para regiões sob domínio da Alemanha nazista. Mais tarde o serviço se diversificou com transmissões para vários países e em diversas línguas.

Eram os tempos da Guerra Fria e quando perguntei sobre Pound, dizendo que ouvira falar dele através da Voz da América, as pessoas estranharam. Ocorre que Ezra Pound fora acusado de traição pelo governo norte-americano por ter realizado diretamente de Roma, no período de 1941-42, transmissões pelo rádio, consideradas como contrárias ao seu dever de lealdade com o seu país (EUA). Por essa razão, Pound entregou-se às tropas norte-americanas quando estas invadiram a Itália, em 1945. Preso, foi remetido a um campo de concentração onde ficou por três semanas. Depois disso foi enviado aos EUA. Considerado mentalmente incapaz, não foi julgado: foi mandado para um manicômio judiciário de onde só saiu doze anos depois.

Ezra Pound foi um dos maiores poetas de língua inglesa. Nascido nos EUA mudou-se para Londres em 1908, tornando-se amigo dos poetas William Butler Yeats e T.S. Eliot. Nos dois anos seguintes publicou os livros “Personae e Exultations” e “The Spirit of Romance”. Sua principal obra chama-se “Cantos”, na qual trabalhou durante cinquenta anos.

Pound foi o líder de um movimento renovador da poesia chamado imagística cujas normas são a ausência de rebuscamento, a economia de termos e a busca de eficácia informativa. Entretanto, sua obra não se restringiu à poesia: foi também crítico, tradutor e grande incentivador de outros talentos. O método crítico de Pound valoriza a tradução e a comparação (método ideogrâmico). Um de seus livros é o “ABC da Literatura”, publicado em 1934, espécie de manual da didática poundiana. Nesse livro Pound defende a idéia de que a literatura deve ser estudada através do método utilizado pelos biólogos: exame cuidadoso e direto da matéria e contínua comparação de uma lâmina ou espécie com outras.

O incentivo a outros talentos foi cultivado por Pound que fez de tudo para tornar possível as produções de escritores como James Joyce e os poetas Yeats e Elliot. 

Durante os anos em que esteve internado no manicômio Pound nunca deixou de escrever. Seus livros podem ser encontrados nas livrarias. O “ABC da Literatura”, com tradução de Augusto de Campos e José Paulo Paes, foi editado pela Cultrix.  A edição de os “Cantos”, com tradução de José Lino Grunewald, é da Nova Fronteira. Mais difícil de encontrar é uma co-produção da Editora Hucitec com a Editora da Universidade de Brasília denominada “Ezra Pound – Poesia”, com tradução de Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari, José Lino Grunewald e Mário Faustino. Trata-se de uma antologia organizada por Augusto de Campos na qual o organizador destaca o fato de que à exceção de Mário Faustino os demais tradutores são poetas que pertenceram ao movimento da poesia concreta no Brasil.

Num de seus últimos depoimentos, Pound declarou: “só sei que nada sei”. A afirmação não parece verdadeira partindo de um homem que, antes da Primeira Guerra Mundial, propôs aos seus colegas modernistas o lema “make it new” (inove) e deixou-nos poesias como esta saudação:

SAUDAÇÃO

Oh geração dos afetados consumados
e consumadamente deslocados,
Tenho visto pescadores em piqueniques ao sol,
Tenho-os visto, com suas famílias mal-amanhadas,
Tenho visto seus sorrisos transbordantes de dentes
e escutado seus risos desengraçados.
E eu sou mais feliz que vós,
E eles eram mais felizes do que eu;
E os peixes nadam no lago
e não possuem nem o que vestir.

(tradução de Mário Faustino)