2010 março at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para março, 2010

A chegada do outono

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O outono chegou ontem às 14 horas e 32 minutos. Não fez barulho, não causou reviravolta no tempo, mais parecia cumprir uma determinação como bom funcionário da natureza.

Eu que sabia da chegada dele resolvi esperá-lo: bem perto da hora marcada fui à janela e mirei o horizonte, aguardando um sinal. Nada. De repente eu soube que já era outono, um outono velho e cansado, sem novidades, talvez desiludido deste mundo confuso. Quem sabe preferiria ele iniciar-se como nova estação em Marte ou outro planeta, não mais aqui.

Poucos minutos depois da chegada do outono desci e fui à padaria. A mocinha que vende pães estava em seu lugar de sempre, com aquele sorriso chocho pregado nos lábios. Puxei conversa e disse a ela:

- Já entramos no outono.

O sorriso não se alterou e ouvi por entre os lábios dela o comentário lacônico:

- É…

Voltei à casa inconformado e com vontade de gritar:

- Já é outono!

A minha decepção com a chegada do outono tem a sua razão de ser. Nascido e vivido em zona agrícola sempre soube da importância das estações do ano e datas específicas para plantio de diferentes gêneros. Ainda existem por aí – não sei – as “Folhinhas” que eram entregues aos clientes nas farmácias nas quais existiam milhares de informações úteis relacionadas às estações do ano. Elas consistiam em preciosos guias, indicando feriados, dias-santos, época de culturas de hortaliças etc. Ai do farmacêutico que não reservasse exemplares para os seus bons clientes: corria o risco de perdê-los.

O outono chegou de mansinho e esperou até a madrugada para se manifestar. Durante a noite ouvi uns ventos estranhos e tive a impressão de que chovia. Hoje de manhã, ao sair de casa, notei que as ruas estavam cheias de folhas caídas das árvores. Era, finalmente, o outono a dar o ar de sua graça.

Encontrando-me com um vizinho, o dentista, apontei as folhas no chão e disse a ele:

- Estamos no outono.

Ele me disse que sim, deu um tapinha no meu ombro e foi-se embora com ares de quem tem mais coisas a fazer.

O Papa se pronuncia sobre a pedofilia na igreja

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É surpreendente o número de acusações de casos de pedofilia no seio da igreja. Mesmo não tendo à mão estatísticas concretas tem-se a impressão de que, em décadas passadas, não se falava tanto sobre o assunto. Não existiriam casos ou eram simplesmente abafados, não chegando ao conhecimento do público?

O fato é que se fala demais sobre o tema que, aliás, tem rendido bons filmes ao cinema norte-americano. Um deles é o polêmico “Dúvida” no qual a atriz, Meryl Streep interpreta a irmã Aluysius Beauvier, diretora da escola católica, que acusa de pedofilia o padre Flynn, vivido por Philip Seymour.  Para quem nunca parou para pensar sobre o assunto, o filme é uma boa iniciação.

Existem muitas ponderações sobre o assunto. Estudiosos lembram que na base dos casos de pedofilia estão o celibato, o ambiente masculino dos padres e mesmo a possibilidade de que homossexuais se ordenem padres atraídos pela idéia de celibato. A isso devem ser acrescentadas inclinações pessoais inconfessáveis que eclodem em pedofília dado, nesses casos, a fé se mostrar insuficiente para deter os apelos da carne.

Não é assunto sobre o qual se fale sem excessivos cuidados. Quem conheceu de perto o ambiente dos colégios internos do passado, mantidos por ordens religiosas, sabe muito bem a que temperaturas se elevava a vigilância não só sobre os meninos, mas sobre alguns dos responsáveis por eles. O celibato é talvez a mais dura contenção imposta à natureza do homem, daí considerar-se muito possível a ocorrência de deslizes por parte de pessoas cujos votos não são tão firmes.

Até agora a igreja vinha silenciando em relação aos casos de pedofilia em meio ao clero. Entretanto e já com atraso, o Papa Bento 16 expressou, em carta os irlandeses, a sua vergonha pelos crimes de pedofilia no seio da igreja. Além disso, o papa criticou abertamente a igreja da Irlanda, acusando as autoridades eclesiásticas do país pela resposta inadequada diante da gravidade dos crimes.

Nos últimos tempos tem-se sabido da existência de um grande número de casos de pedofilia praticados por membros do clero católico. É de 2002 a informação de 14000 abusos sexuais de crianças praticados por padres nos Estados Unidos. O problema existe em vários países daí o Papa dirigir-se, em sua carta, duramente aos pedófilos reiterando que devem responder pelos seus crimes perante Deus e frente aos tribunais constituídos.

Do outro lado ficam as crianças com o grande sofrimento por terem sido abusadas sexualmente e as inevitáveis consequências do ato, marcadamente de ordem psicológica.

É de se perguntar como se pode sanar um problema tão terrível que tem em sua base o celibato.

Programas de TV: nivelando por baixo

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O assunto é mais que gasto, ainda assim não há como ignorá-lo: a influência dos programas de televisão sobre hábitos, educação etc.

Queira-se ou não, a TV faz as cabeças. Sendo assim, é de se perguntar por que um meio de comunicação que entra em quase todos os lares brasileiros se dá ao desfrute de uma programação tão pobre, apelativa e, pior que isso, sem outro fim que não o de atrair a audiência das classes C e D sobre as quais executa verdadeira lavagem cerebral. Note-se que inexiste nessa programação qualquer finalidade educativa: o que contam são os números de olhos pregados nos televisores, nesse ou naquele programa, enfim o IBOPE.

Nos últimos dias um problema se saúde (dengue, faça o possível para não pegar porque é horrível) me obrigou a longos períodos assistindo aos canais da TV aberta. Que não me perdoem, mas a maioria do que se apresenta é lixo puro salvando-se alguns telejornais e um ou outro programa que exija raciocínio do telespectador. É dessem modo que o kitsch é distribuído equitativamente a milhões de pessoas que passam a ter visão distorcida submetidas a algo que passar por arte.

Entre as pérolas apresentadas pelos canais destacam-se as telenovelas as quais, atualmente, descambaram para um lugar comum absurdo, explorando a emotividade fácil do público, com tramas nas quais se destacam tragédias familiares, doenças etc. Como as tragédias acontecem com famílias ricas a idéia geral parece ser “acontece também com os ricos”, logo estamos compensados.

As novelas nunca foram exemplos de boas narrativas de vez que se alongam desnecessariamente em temas muitas vezes fortuitos. Isso não quer dizer que no passado não se produzissem boas novelas: “O Bem Amado” de Dias Gomes é só um entre vários exemplos de boas produções.

O que se apresenta hoje na televisão brasileira mostra o descaso das redes e dos órgãos que as controlam em relação a um mínimo teor educativo da população. Sobre a programação pode-se dizer que, em muitos momentos, chega a agredir a inteligência dos telespectadores.

Infelizmente esse parece ser só mais um dado entre muitos que concorrem para a banalização geral do conhecimento e da educação. É preciso rever esse tema com urgência, afinal o Brasil não vai fechar amanhã e as próximas gerações precisam estar preparadas para votar bem e levar o gigante em que vivemos para frente.

Os 20 anos do Plano Collor

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- O senhor tem saudades?

- Eu não.

Cada uma… Naquele Brasil de fins dos anos 80 a inflação era uma piada, atingindo média de quase 30% ao mês. Coisa para provocar derrame cerebral em gente que gosta das coisas certinhas.

Era assim: quem vivia de salário tinha o valor do dinheiro variando numa velocidade que tornava impossível qualquer previsão. Mais: preços e salários não seguiam a mesma toada. Tudo subia, mês a mês, houvesse analista para decifrar tanta especulação.

Já quem tinha dinheiro vivia num paraíso: o tal céu em que dinheiro faz dinheiro sem esforço. Como? Através de aplicações. Uma delas, o overnight, fazia os dinheiros engordarem durante a noite. Coisa boa para os mais endinheirados, desastre para os assalariados.

Aí apareceu o Collor com toda lábia dele, dizendo que ia reformar o Brasil. O povo acreditou – acreditava-se em qualquer coisa que prometesse mudar aquela desgraça cotidiana – e o Collor foi eleito. Empossado no dia 16 de março de 1989, o homem de Alagoas foi logo dizendo: jogarei tudo contra a inflação. E começou aquela história de “República de Alagoas”, gente moça na Casa da Dinda, presidente passeando de jet ski e um dos maiores cordões de puxa-sacos jornalísticos de que se tem notícia nessa sempre trepidante História do Brasil.

E o Collor cumpriu a promessa eleitoral com velocidade espantosa. De repente, da noite para o dia, apareceram na televisão umas caras novas fazendo um discurso estonteante. O grupo daquele que seria chamado de “Plano Collor” ou “Plano Brasil Novo” tinha à frente a ministra Zélia Cardoso de Mello, uma teórica que, pelo jeito, numa tinha administrado nem um bar de esquina. Na equipe dela pontificavam nomes como o de Antonio Kandir, Sérgio Nascimento e outros. Na televisão, Zélia aparecia acompanhada de um staff mais graúdo que incluía o então ministro do Trabalho, Almir Pazzianoto.

Nós? Bem, queríamos entender aquilo. Quando sequestraram o dinheiro, limitando os depósitos bancários em 50 mil cruzeiros (a moeda passou de cruzado novo a cruzeiro tendo sido cortados os zeros) houve desespero. Existem incontáveis histórias de gente que perdeu tudo o que tinha da noite para o dia. Exemplo: alguém vendeu a casa hoje, recebeu o dinheiro e depositou para, amanhã, comprar um apartamento; nesse meio tempo o dinheiro foi sequestrado pelo governo e o cidadão ficou na mão, isso para não dizer coisa pior.

Nos primeiros dias as pessoas disseram: vamos ver, alguma coisa tinha que ser feita, não dava para continuar do jeito que estava, com tanta inflação. Mas, aquela turma do governo continuava aparecendo na televisão, explicando, explicando a natureza do choque, falando-se entre si em público, demonstrando que nem eles mesmos tinham entendido direito o que estavam fazendo.

- Deu certo?

- Não, nem poderia dar.

Ficaram as imagens e lembranças de um sofrimento desnecessário, da arrogância sem limites da Zélia e sua equipe, de como tudo terminou em pizza porque, no fim, muita gente se ferrou e ninguém foi responsabilizado por nada.

Lá no meu trabalho tinha um baixinho, funcionário da manutenção. Ele se chamava Manezinho e tinha um a penca e filhos. Pobre desgraçado, o Manezinho  enfrentou a situação de ter filho doente justamente na virada do Plano Collor.  Aí ele levou o filho no Pronto Socorro e voltou de lá com uma receita na mão. Era noite, o Manezinho precisava de dinheiro para comprar remédios e veio bater na minha porta. Porta errada porque eu estava, como se diz, Durango Kid.

Saí com o Manezinho e a receita dele. Andamos até encontrar um amigo dono de farmácia que, tão ferrado estava, não se incomodou em vender fiado. Tempos depois fui procurá-lo para pagar a dívida e não o encontrei: ele quebrara e fechara a farmácia.

Houve o caso do advogado que recebeu o dinheiro de uma ação de mais de100 famílias de trabalhadores do porto. Tratava-se de uma indenização, não sei a respeito de quê. Como o dinheiro saiu no fim da tarde, o advogado achou de fazer uma graninha no over e depositou na conta dele mesmo com a intenção de, no dia seguinte, repassar para as famílias. Durante a noite o dinheiro foi seqüestrado; o resto você pode imaginar.

Houve, também, gente que se suicidasse, tal do desespero.

Houve uma coisa louca de obrigarem velhinhos a comparecerem aos bancos para receber a aposentadoria.

- Opinião sobre o plano Collor?

- Ah, isso é coisa que nem é bom lembrar.

- Como ficamos depois disso tudo, afinal?

- Não ficamos. O senhor escute e guarde: o Brasil é assim.

O centenário de Tancredo Neves

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Não é possível dizer se nos dias atuais a morte de um homem como Tancredo Neves provocaria tanta comoção pública. O fato é que Tancredo faleceu num momento em que ele era indispensável ao país e, por que não, aos nossos sonhos.

Com frequencia aparecem críticas relacionadas aos modos de narrar a História. Escrever olhando para o passado, tentando interpretá-lo, oferece a vantagem de maior isenção, subtraindo-se os perigos proporcionados pelo calor da hora. Por outro lado, certas situações jamais serão transferidas à posteridade sem que se considerem as emoções de momento as quais talvez expressem, melhor que tudo, a força e natureza dos acontecimentos.

A morte de Tancredo Neves inscreve-se num hiato de grande emotividade pública, daí não serem demasiadas as tentativas de captar nas narrativas sobre o episódio o clima das ruas naquele distante 1985, certamente fatídico para o destino do país. Aliás, nunca é demais lembrar que a História do Brasil é pontuada por episódios inesperados que vieram a influir dramaticamente na trajetória do país. O suicídio de Getúlio Vargas, a renúncia de Jânio Quadros e o desaparecimento de Tancredo Neves às vésperas de ser empossado presidente da República são exemplos de fatos que notoriamente mudaram os rumos do país.

Não vi o Brasil perder a Copa do Mundo de 50 e era muito pequeno quando Getúlio Vargas se matou.  Anos a fio ouvi de pessoas de minha família referências a esses dois infaustos acontecimentos que marcaram as pessoas da época em que aconteceram.  Minha mãe, assim como milhares de brasileiros, guardou durante toda a sua vida as emoções provocadas pelas mortes do cantor Francisco Alves (o Chico Viola, em 1952) e da cantora e atriz Carmem Miranda (em 1955). O desaparecimento desses dois ídolos provocou comoção nacional dado que eram adorados pelo público ao tempo da Era do Rádio.

Como todo mundo, acompanhei de longe os últimos dias de Tancredo Neves, surpreendido que foi ele por doença que abruptamente colocou fim à sua carreira, privando o Brasil de um dos mais hábeis políticos de sua história. Não será preciso descrever a terrível rotina dos dias que antecederam a morte de Tancredo, os comunicados médicos que devagar passaram de mensagens de esperança para lacônicos informes sobre o estado de saúde irreversível.

Embora esperada, a notícia da morte de Tancredo Neves foi recebida com grande tristeza e decepção relacionada ao que mais parecia a comprovação da má sorte do povo brasileiro. Mal saíramos da ditadura militar, navegávamos com rumo incerto e sem qualquer garantia de que o país retornaria ao regime democrático. Tancredo fora o fiador de uma situação gerada para sepultar os chamados anos de chumbo de tão triste memória. E, de repente, ainda no início do caminho, o homem morria deixando atrás de si um vazio que dificilmente seria preenchido. Frustração geral, tristeza, muita tristeza.

Tancredo faleceu em São Paulo. Seu corpo, levado da cidade a bordo de um avião, forneceu às memórias uma das mais tristes e terríveis cenas a serem recordadas: a imagem do avião no ar levando o corpo de Tancredo terá sido uma das mais emotivas e devastadoras de nossa história. A esperança ia-se para sempre de braços com as asas de uma aeronave que parecia nos dizer que tudo é finito, nada se pode fazer contra a imposição de forças incontroláveis que teimam em afetar os nossos destinos.

Este texto contém considerações sobre fatos sobejamente conhecidos. Então, para que escrevê-lo? Para lembrar que o Brasil que temos hoje não foi forjado pelo acaso e sem sofrimento. Para lembrar aos homens públicos a enormidade de suas responsabilidades. Para gritar que o Brasil é obra de muitos braços e não de governantes episódicos. Para que se tenha respeito por um país de que tanto nos orgulhamos.

Que o centenário do nascimento de Tancredo Neves que se está comemorando sirva como momento de reflexão para as classes políticas do Brasil, em todos os níveis. Não se trata de pieguice: na verdade é uma questão de consciência.

O dia em que o governador chorou

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Na semana que passou ficamos sabendo que o empresário brasileiro, Eike Batista, é o 8º homem mais rico do mundo. Sua fortuna alcança U$ 27 bilhões de reais, algo simplesmente inimaginável para o comum dos mortais. Além disso, ficamos estarrecidos com o desnecessário e brutal assassinato do caricaturista Glauco Vilas Boas e de seu filho. Noticia cortante, desesperadora, que traz para dentro de nossas casas os tentáculos da violência como a dizer-nos que estamos, também, ameaçados.

Não parou aí a semana. Entre tantos acontecimentos tivemos o desprazer de ver o presidente da República comparar presos políticos a bandidos comuns e, mais que isso, referendar um regime que se esmera em ser anti-democrático. O presidente segue a sua veia autoritária de homem de convicções de momento, sem embasamento, dizendo coisas absurdas em nome do Estado. Tinha razão o falecido caricaturista Glauco ao dizer que o brasileiro aquenta e consome qualquer tipo de abobrinha.

Mas, o que mais chamou a atenção foi o choro de Sérgio Cabral, governador do Rio de Janeiro. Não é todo dia que um governador chora, descarregando em público o amor pelo seu Estado ameaçado.

Sérgio Cabral chorou. Por quê? Ora, porque a Câmara Federal aprovou uma emenda que revê a atual distribuição da receita com exploração de petróleo. Com isso, dois Estados serão prejudicados: Rio de Janeiro e Espírito Santo. A idéia é distribuir a renda obtida com a exploração de petróleo com todos os Estados da União. A justificativa é a de que minerais etc. são patrimônios da União, daí único Estado não poder ficar com a receita da exploração.

Em face a essa resolução, a situação do Rio de Janeiro torna-se muito grave: os ganhos do Estado com a exploração de petróleo seriam reduzidos de 5 bilhões para 100 milhões de reais. Por essa razão Sérgio Cabral chorou. Mas, a aprovação ainda depende do Senado Federal.

Madureira chorou, Madureira chorou de dor – diz o samba. A partir de agora a letra será mudada: Sérgio Cabral chorou, Sérgio Cabral chorou de dor.

Não se pode negar que esse Rio que tanto amamos é propenso a nevralgias muitas vezes só resolvidas com cirurgias. É preciso lembrar que o Rio era o coração do Brasil e que dele tudo emanava, inclusive as piadas que divertiam todo o país. Isso durou até que um dia entrou no Palácio do Catete um mineiro chamado Juscelino Kubitscheck. Juscelino tinha um plano que, aliás, levou adiante a ferro e fogo: mudar a capital da República para o interior do país. Foi assim que nasceu Brasília, foi assim que o Rio perdeu muito da sua importância,

De lá para cá o Rio vem lutando pela antiga supremacia no cenário nacional.  A cidade continua linda, mas, talvez por praga lançada sobre ela por invejosos e despeitados, converteu-se em território da bandidagem que não se avexa em descer os morros e massacrar inocentes.

Agora, soma-se mais isso de tentarem reduzir dramaticamente a receita do Estado. O governador avisa que, se fizerem isso, o Rio quebra.

Por isso Sérgio Cabral chorou.

Madureira chorou, Madureira chorou de dor.

Glauco

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Você só se dá conta de que “alguma coisa” foi suprimida da sua vida quando o ”alguém” que a produz desaparece. Quando esse “alguém” é o caricaturista Glauco e a “alguma coisa” são as charges a que você está habituado, então o vazio torna-se enorme.

Não adianta: não há como nos habituarmos à violência. Essa massa de seres que anda por aí, praticando toda sorte de barbaridades, tem que ser contida. Não é exagero: ligue a televisão agora num noticiário, abra as páginas do jornal do dia e se defrontará com notícias de crimes e mais crimes. Isso não pode continuar.

Poderá ser dito que as mortes de Glauco e seu filho, brutalmente assassinados por um rapaz conhecido por eles, fogem ao espectro dos crimes praticados pela bandidagem solta por aí. Nem tanto.  Basta lembrar que se atribuem, ao assassino, problemas com drogas fato que, de imediato, liga às suas ações à vertente do crime organizado que distribui narcóticos e assim por diante. Assim, nem sempre o dedo que aperta o gatilho o faz lucidamente levados que são os assassinos a um estado anormal de excitação proporcionado pelo consumo de drogas. Tal estado, associado a certo grau de desequilíbrio psicológico, parece ter sido o móvel que conduziu o assassino de Glauco e seu filho.

Os jornais de hoje destacam a morte de Glauco e trazem depoimentos de várias pessoas que o conheceram. Destacam-se as características humanas e a importância de Glauco para a caricatura no Brasil. Não o tendo conhecido pessoalmente, fico na posição dos milhares de leitores habituados a divertir-se com as suas charges corrosivas e os personagens inesquecíveis por ele criados. Sempre admirei o fato de ele não se mostrar politicamente engajado, nem à direita, nem à esquerda, a sua liberdade e a convicção de que para a caricatura não existe outra condição que não a de ser oposição. As charges de Glauco constituem-se em documentos de crítica social e sua precoce morte arranca-nos muito da já restrita vida inteligente existente no país.

Glauco foi vítima da violência cotidiana que tem-se abatido sobre todos nós. As circunstâncias do infausto acontecimento serão apuradas, mas não nos devolverão as impagáveis charges do grande caricaturista. Resta, portanto, o temor da impunidade. Ontem, um amigo, grande fã da obra de Glauco, me falava sobre isso. Dizia ele que o assassino será pego, confessará que agiu em momento de grande descontrole e sob o efeito de drogas, será julgado e condenado a alguns anos de prisão. Bem antes de cumprir a pena será beneficiado por bom comportamento, por ter-se convertido em crente ou qualquer outra coisa que sinalize que ele não mais oferece perigo para a sociedade. Passará, talvez, a regime semi-aberto ou o que seja. Desse modo acabará saindo da prisão bem antes do prazo.

- Vive acontecendo, por que não nesse caso? – perguntou-me o amigo.

A verdade é que a Justiça no Brasil realmente está “sob judice” e não se acredita muito nela. Nesta semana mesmo aconteceu um caso que, tempos atrás, nos chamaria aos brios de brasileiros em nosso amor mais profundo pela pátria. O fato é que um brasileiro está preso nos EUA por prática de crimes sexuais. Seus advogados apelaram à corte norte-americana para ele cumpra a sua pena no Brasil, alegando, entre outras razões, que por ser estrangeiro o brasileiro não pode, como outros presos de cidadania norte- americana, cursar faculdades etc.

A resposta do juiz Michael Viliani, da Corte de Las Vegas, foi peremptória:

- O Brasil não é um país sério para manter prisão.

O jornal “Folha de São Paulo” de hoje deixa em branco os espaços destinados a caricaturas, numa homenagem a Glauco. Espaços em branco, com eles ficaremos, nós leitores, com a irreversível ausência de Glauco.

E o Serra, hein?

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Anos atrás assisti a um filme cujo tema era as eleições primárias de um partido para escolha do candidato à presidência da República dos EUA. Se não me engano era Henry Fonda a fazer o papel de um governador que vencera várias primárias, mas que, nos momentos mais agudos da campanha, mostrava-se indeciso. Ao contrário dele, o seu concorrente à vaga de candidato era um tipo frio e decidido. No final, aliás previsto, o pré-candidato indeciso instruiu os seus delegados a descarregarem os votos no oponente que tornou-se candidato oficial do partido.

Das muitas atividades humanas talvez a política seja uma das que melhor revela perfis humanos. É conhecida a trajetória de Edward (Ted) Kennedy, considerado pelos membros do clã Kennedy como o melhor e mais hábil político da família. E ele mostrou isso após os assassinatos de seus dois irmãos, John e Bob, tornando-se senador extremamente atuante do Partido Democrata. Entretanto, Ted foi derrotado em sua pretensão de candidatar-se à presidência, em 1980, perdendo a indicação para Jimmy Carter. Sobre Ted Kennedy pairava a impressão de que ele não serviria à presidência por não se adaptar bem a momentos de pressão. Tal impressão decorria de seu comportamento por ocasião de um trágico acidente de carro em que ele estava acompanhado por uma ex-secretária. Consta que Ted não teria prestado socorro à sua companheira que morreu afogada. A declaração de que estaria em estado de choque, daí ter-se demorado a comunicar o fato, pesou sobre Ted Kennedy por toda a sua vida.

O conteúdo dos parágrafos anteriores possivelmente nada tenha a ver com as atitudes recentes do governador de São Paulo, Sr. José Serra. Entretanto, não se pode negar que a demora do governador em apresentar-se como candidato à presidência da República vai passando da condição de atitude estratégica para a de indecisão. De repente já se fala sobre a eleição anterior para presidente na qual Serra, então candidato natural de seu partido, cedeu a vez para Geraldo Alckmin.

Todo mundo sabe que a preparação para uma eleição na qual o lado oposto é chefiado pelo próprio presidente da República exige grandes cuidados. O problema da escolha do candidato a vice-presidente é só um em meio a um imbróglio de alianças e outros fatores essenciais para a  vitoria final. Ainda assim, a atual indefinição já descamba para a sensação de incerteza, o que pode ser muito grave em termos eleitorais. Tanto isso é verdade que não é raro, hoje em dia, encontrar pessoas dispostas a apostar que Serra não será candidato e cederá o lugar ao governador de Minas Gerais, Aécio Neves.

A política é atividade que exige, de quem a pratica, dotes especiais destacando-se, entre outros, a diplomacia no trato com pessoas, capacidade de convencimento e até uma boa dose de paciência. Mas ela também exige certa dose de arrojo, da impulsividade que leva a correr riscos quando há possibilidade doe vitória.

A imagem do governador José Serra está hoje associada a um enorme ponto de interrogação. Seguro demais, talvez? Indeciso? Estrategista além da nossa capacidade de compreensão? Ninguém sabe. O que se sabe é que o desgaste de uma situação como a atualmente vivida por José Serra é inevitável.

Bandidos e presos políticos

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Em boca fechada não entra mosquito. Essa máxima da sabedoria comum vale para toda gente, ainda mais quando se ocupa um cargo nada mais, nada menos, que a presidência da República.

Em primeiro lugar há que se levar em conta a diferença entre o público e o privado, duas condições frequentemente confundidas. A alguém que possui determinada convicção pessoal é dado falar sobre ela em público, envolvendo um cargo que transitoriamente ocupa? Por outro lado, é possível a alguém que ocupa determinado cargo falar em nome de si mesmo, isentando-se da condição maior outorgada pelo mesmo cargo? Em suma: pode o presidente da República fazer uma declaração de natureza política, dizendo que expõe a sua opinião pessoal, não necessariamente vinculada à função que exerce enquanto presidente?

As perguntas anteriores podem ser taxadas como superficiais dado apenas tangenciarem uma questão bem mais profunda, ou seja, a da personagem pública que se torna inseparável da personalidade individual. Entretanto, elas têm o mérito de nos direcionar para uma certeza: se alguém ocupa um alto cargo administrativo convém a ele(a) medir a extensão das suas palavras, se possível com a ajuda de um paquímetro. Tal nível de precisão é mais que necessário no caso da presidência da República porque quase sempre se entende que a pessoa que está presidente fala em nome de um governo, quando não do próprio país que está a governar.

Por essas e outras se lê com alguma preocupação a manchete da folha de rosto do jornal “Folha de São Paulo” de hoje.  Está escrito: “Lula compara preso político de Cuba aos bandidos de São Paulo”.

Mais abaixo o jornal publica a declaração do presidente: “Temos que respeitar a determinação da Justiça e do governo cubanos. A greve de fome não pode ser um pretexto de direitos humanos para liberar as pessoas. Imagine se todos os bandidos presos em São Paulo entrarem em greve de fome e pedirem liberdade”.

Segundo o texto preso é preso, não importam os motivos da detenção e ponto final.  Sem entrar em maiores detalhes sobre essa incrível declaração o fato é que dela emanam os humores exalados pela admiração acrítica de certa parcela do esquerdismo nacional por Fidel Castro e a ditadura cubana.

Infelizmente, declarações como as feitas pelo atual presidente da República depõem negativamente num cenário de pugna pelo restabelecimento da democracia em todos os países da América. Declarações dessa natureza permitem, por exemplo, que o preso político cubano Guillermo Fariñas atribua ao presidente do Brasil a pecha de “cúmplice da tirania de Castro”.

Aliás, Fariñas está a 15 dias em greve de fome pela libertação de 26 presos políticos cubanos. Para ele “a maioria o povo cubano se sente traída por um presidente que um dia foi preso político”.

Pois é, em boca fechada não entra mosquito.

No tapete vermelho do Oscar

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Todo mundo conhece o cerimonial do Oscar e ainda assim a festa do cinema norte-americano continua atraindo as atenções do grande público. Há quem diga que assistimos à festa de premiação só pela curiosidade de saber quem foram os melhores do ano anterior, enfim os vencedores. Cada um tem o seu palpite após ter visto vários filmes, a isso se podendo acrescentar preferências pessoais sobre esse ou aquele ator, a melhor direção, a melhor atriz etc.

Era barbada que Christoph Waltz receberia a estatueta pela sua excelente atuação em “Bastados Inglórios”, nem tanta certeza havia em relação a Sandra Bullock para o prêmio de melhor atriz, ela que já trabalhara em tantos filmes e jamais recebera sequer uma indicação para o Oscar.

Tudo isso atrai, é verdade. Conta muito também o glamour da festa, ainda que depois da última crise econômica os exageros tenham sido reduzidos por medida de economia. Há também aquela coisa de se ver tanta gente do show business junta, todos sentadinhos na platéia do Teatro Kodak, muito sorridentes, pré-determinados a rir daquelas piadas meio sem-graça de que os americanos tanto gostam.

Mas, o que realmente é muito interessante é o que se passa no tapete vermelho, antes da festa começar. Em primeiro lugar há a parte reservada ao público, os mortais comuns, que se apertam numa pequena arquibancada para ver passar os ídolos do cinema. Consta que aquela turma consegue lugares ali através de um sorteio realizado pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos. Qualquer pessoa, de qualquer lugar pode ser sorteada, mas é de se pensar se alguma influência e dinheiro não ajudam em nada. De todo modo, estar ali representa uma ligação direta com o endeusamento de ícones de popularidade que de repente se fazem carne e habitam entre os cinéfilos. Reina entre os assistentes uma estranha e irresistível compulsão de não só ver, mas reconhecer cada pessoa que passa. É como se bem perto do lugar da celebração do Oscar existisse um cinema e aquela gente toda, tão chique e importante, tivesse momentaneamente saído da tela para aparecer em público, não sendo possível ponderar sobre a quantidade de cotas de realidade e ilusão que compõem as cenas que se passam diante dos olhos dos espectadores.

Não se pode negar que os atores são, de fato, um espetáculo a parte. O cinema é uma fábrica de ídolos em tamanho grande, dado que os atores parecem enormes na telona. A dimensão das projeções permite que os espectadores conheçam cada ator em seus mínimos detalhes. Quem não sabe de olhos fechados os detalhes faciais e a expressividade de que é capaz uma atriz como Maryl Streep, por exemplo? E que dizer de Jeff Bridges que acaba de receber o Oscar de melhor ator?

Pois o público conhece toda essa gente e muito bem. Essas pessoas fazem parte do cotidiano do povo, frequentando assiduamente as suas casas através de filmes exibidos na televisão.  Vai daí que no momento em que eles se dignam a desfilar sobre o tapete vermelho o fazem num estilo que nada tem de corriqueiro, a começar pelas roupas de grife das atrizes que, ao serem entrevistadas, informam o nome do costureiro que as vestiu.  O interessante é que ninguém ali se apresenta com naturalidade de vez que cada um representa, durante o rito de sua passagem, o papel de convidado ou possível premiado.Trata-se, portanto, de uma formidável ilusão desgarrada temporariamente das telas dos cinemas. Isso quer dizer que tudo o que o público das arquibancadas presencia ou o que vemos pela televisão não passa de uma enorme ficção, um capítulo bem encenado da indústria do cinema no qual o que menos interessa é a realidade.

É assim que os atores passam e concedem entrevistas, ouvindo as mesmas perguntas e respondendo do mesmo modo porque o que interessa é o fato de estarem ali, cumprindo a primeira fase de uma extensa programação, preparando-se para a cena seguinte que é a de participar efusivamente da cerimônia de entrega de prêmios.

Mas, no fundo, nada disso importa. Os espectadores conhecem muito bem a rotina do Oscar e sabem que inexistem surpresas, exceto os prêmios concedidos o que, aliás, nem sempre é o mais importante. A verdade mesmo é que assistimos à festa do Oscar para reverenciar um mundo de ilusão que num certo dia do ano brinca de ser real e nos dá oportunidade para muita tietagem.