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Os 20 anos do Plano Collor

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- O senhor tem saudades?

- Eu não.

Cada uma… Naquele Brasil de fins dos anos 80 a inflação era uma piada, atingindo média de quase 30% ao mês. Coisa para provocar derrame cerebral em gente que gosta das coisas certinhas.

Era assim: quem vivia de salário tinha o valor do dinheiro variando numa velocidade que tornava impossível qualquer previsão. Mais: preços e salários não seguiam a mesma toada. Tudo subia, mês a mês, houvesse analista para decifrar tanta especulação.

Já quem tinha dinheiro vivia num paraíso: o tal céu em que dinheiro faz dinheiro sem esforço. Como? Através de aplicações. Uma delas, o overnight, fazia os dinheiros engordarem durante a noite. Coisa boa para os mais endinheirados, desastre para os assalariados.

Aí apareceu o Collor com toda lábia dele, dizendo que ia reformar o Brasil. O povo acreditou – acreditava-se em qualquer coisa que prometesse mudar aquela desgraça cotidiana – e o Collor foi eleito. Empossado no dia 16 de março de 1989, o homem de Alagoas foi logo dizendo: jogarei tudo contra a inflação. E começou aquela história de “República de Alagoas”, gente moça na Casa da Dinda, presidente passeando de jet ski e um dos maiores cordões de puxa-sacos jornalísticos de que se tem notícia nessa sempre trepidante História do Brasil.

E o Collor cumpriu a promessa eleitoral com velocidade espantosa. De repente, da noite para o dia, apareceram na televisão umas caras novas fazendo um discurso estonteante. O grupo daquele que seria chamado de “Plano Collor” ou “Plano Brasil Novo” tinha à frente a ministra Zélia Cardoso de Mello, uma teórica que, pelo jeito, numa tinha administrado nem um bar de esquina. Na equipe dela pontificavam nomes como o de Antonio Kandir, Sérgio Nascimento e outros. Na televisão, Zélia aparecia acompanhada de um staff mais graúdo que incluía o então ministro do Trabalho, Almir Pazzianoto.

Nós? Bem, queríamos entender aquilo. Quando sequestraram o dinheiro, limitando os depósitos bancários em 50 mil cruzeiros (a moeda passou de cruzado novo a cruzeiro tendo sido cortados os zeros) houve desespero. Existem incontáveis histórias de gente que perdeu tudo o que tinha da noite para o dia. Exemplo: alguém vendeu a casa hoje, recebeu o dinheiro e depositou para, amanhã, comprar um apartamento; nesse meio tempo o dinheiro foi sequestrado pelo governo e o cidadão ficou na mão, isso para não dizer coisa pior.

Nos primeiros dias as pessoas disseram: vamos ver, alguma coisa tinha que ser feita, não dava para continuar do jeito que estava, com tanta inflação. Mas, aquela turma do governo continuava aparecendo na televisão, explicando, explicando a natureza do choque, falando-se entre si em público, demonstrando que nem eles mesmos tinham entendido direito o que estavam fazendo.

- Deu certo?

- Não, nem poderia dar.

Ficaram as imagens e lembranças de um sofrimento desnecessário, da arrogância sem limites da Zélia e sua equipe, de como tudo terminou em pizza porque, no fim, muita gente se ferrou e ninguém foi responsabilizado por nada.

Lá no meu trabalho tinha um baixinho, funcionário da manutenção. Ele se chamava Manezinho e tinha um a penca e filhos. Pobre desgraçado, o Manezinho  enfrentou a situação de ter filho doente justamente na virada do Plano Collor.  Aí ele levou o filho no Pronto Socorro e voltou de lá com uma receita na mão. Era noite, o Manezinho precisava de dinheiro para comprar remédios e veio bater na minha porta. Porta errada porque eu estava, como se diz, Durango Kid.

Saí com o Manezinho e a receita dele. Andamos até encontrar um amigo dono de farmácia que, tão ferrado estava, não se incomodou em vender fiado. Tempos depois fui procurá-lo para pagar a dívida e não o encontrei: ele quebrara e fechara a farmácia.

Houve o caso do advogado que recebeu o dinheiro de uma ação de mais de100 famílias de trabalhadores do porto. Tratava-se de uma indenização, não sei a respeito de quê. Como o dinheiro saiu no fim da tarde, o advogado achou de fazer uma graninha no over e depositou na conta dele mesmo com a intenção de, no dia seguinte, repassar para as famílias. Durante a noite o dinheiro foi seqüestrado; o resto você pode imaginar.

Houve, também, gente que se suicidasse, tal do desespero.

Houve uma coisa louca de obrigarem velhinhos a comparecerem aos bancos para receber a aposentadoria.

- Opinião sobre o plano Collor?

- Ah, isso é coisa que nem é bom lembrar.

- Como ficamos depois disso tudo, afinal?

- Não ficamos. O senhor escute e guarde: o Brasil é assim.