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Mais violência

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Acordei na manhã de sexta-feira com o toque do telefone. Atendi ainda meio tonto de sono, mas logo despertei. Era a minha irmã participando-me da morte do filho de um casal, nossos amigos de longa data.

O caso envolvendo essa morte nada tem de novo. O homem parou o carro em posto de gasolina, numa rodovia, e foi ao banheiro. Lá cruzou com dois rapazes e foi alvejado por um deles, provavelmente na tentativa de surrupiar alguns pertences.  O tiro o atingiu na virilha, seguindo-se a grande hemorragia que provocou a morte. Simples assim, terrível assim.

De repente um homem de menos de 50 anos de idade, forte, produtivo, pai de família, é assassinado num banheiro de posto de gasolina. Os autores do crime desaparecem e nada se sabe sobre eles. A razão pela qual atiraram, se houve ou não resistência da vítima, nada disso realmente interessa diante da dor da família do morto pela inesperada tragédia e a provável impunidade dos criminosos.

Ao desligar o telefone minha irmã me disse que é assustador o fato da violência aproximar-se tanto de nós.  Na verdade, mais que isso, estarrece o fato de estarmos, todos, expostos, torcendo para que a sorte nos seja favorável e não sejamos os próximos a ser escolhidos por algum criminoso.

Eles matam uma pessoa como se pisassem numa formiga. Não há sentimento, nem remorso. Matar alguém é um osso do ofício que talvez até traga alguma satisfação. Afinal, há muito de poder conquistado nessa possibilidade de tirar a vida de outrem e sair andando como a carregar um troféu pelo grande feito.

Passei o dia impressionado, pensando na dor dos pais e familiares que perderam um ente querido de forma tão absurda.  Mas, no fim das contas, trata-se de apenas mais um caso na estatística de homicídios que acontecem em nosso dia-a-dia, grande parte deles jamais solucionados.

Mas, afinal, em que direção, para onde vai esse mundo?

Glauco

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Você só se dá conta de que “alguma coisa” foi suprimida da sua vida quando o ”alguém” que a produz desaparece. Quando esse “alguém” é o caricaturista Glauco e a “alguma coisa” são as charges a que você está habituado, então o vazio torna-se enorme.

Não adianta: não há como nos habituarmos à violência. Essa massa de seres que anda por aí, praticando toda sorte de barbaridades, tem que ser contida. Não é exagero: ligue a televisão agora num noticiário, abra as páginas do jornal do dia e se defrontará com notícias de crimes e mais crimes. Isso não pode continuar.

Poderá ser dito que as mortes de Glauco e seu filho, brutalmente assassinados por um rapaz conhecido por eles, fogem ao espectro dos crimes praticados pela bandidagem solta por aí. Nem tanto.  Basta lembrar que se atribuem, ao assassino, problemas com drogas fato que, de imediato, liga às suas ações à vertente do crime organizado que distribui narcóticos e assim por diante. Assim, nem sempre o dedo que aperta o gatilho o faz lucidamente levados que são os assassinos a um estado anormal de excitação proporcionado pelo consumo de drogas. Tal estado, associado a certo grau de desequilíbrio psicológico, parece ter sido o móvel que conduziu o assassino de Glauco e seu filho.

Os jornais de hoje destacam a morte de Glauco e trazem depoimentos de várias pessoas que o conheceram. Destacam-se as características humanas e a importância de Glauco para a caricatura no Brasil. Não o tendo conhecido pessoalmente, fico na posição dos milhares de leitores habituados a divertir-se com as suas charges corrosivas e os personagens inesquecíveis por ele criados. Sempre admirei o fato de ele não se mostrar politicamente engajado, nem à direita, nem à esquerda, a sua liberdade e a convicção de que para a caricatura não existe outra condição que não a de ser oposição. As charges de Glauco constituem-se em documentos de crítica social e sua precoce morte arranca-nos muito da já restrita vida inteligente existente no país.

Glauco foi vítima da violência cotidiana que tem-se abatido sobre todos nós. As circunstâncias do infausto acontecimento serão apuradas, mas não nos devolverão as impagáveis charges do grande caricaturista. Resta, portanto, o temor da impunidade. Ontem, um amigo, grande fã da obra de Glauco, me falava sobre isso. Dizia ele que o assassino será pego, confessará que agiu em momento de grande descontrole e sob o efeito de drogas, será julgado e condenado a alguns anos de prisão. Bem antes de cumprir a pena será beneficiado por bom comportamento, por ter-se convertido em crente ou qualquer outra coisa que sinalize que ele não mais oferece perigo para a sociedade. Passará, talvez, a regime semi-aberto ou o que seja. Desse modo acabará saindo da prisão bem antes do prazo.

- Vive acontecendo, por que não nesse caso? – perguntou-me o amigo.

A verdade é que a Justiça no Brasil realmente está “sob judice” e não se acredita muito nela. Nesta semana mesmo aconteceu um caso que, tempos atrás, nos chamaria aos brios de brasileiros em nosso amor mais profundo pela pátria. O fato é que um brasileiro está preso nos EUA por prática de crimes sexuais. Seus advogados apelaram à corte norte-americana para ele cumpra a sua pena no Brasil, alegando, entre outras razões, que por ser estrangeiro o brasileiro não pode, como outros presos de cidadania norte- americana, cursar faculdades etc.

A resposta do juiz Michael Viliani, da Corte de Las Vegas, foi peremptória:

- O Brasil não é um país sério para manter prisão.

O jornal “Folha de São Paulo” de hoje deixa em branco os espaços destinados a caricaturas, numa homenagem a Glauco. Espaços em branco, com eles ficaremos, nós leitores, com a irreversível ausência de Glauco.