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O centenário de Tancredo Neves

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Não é possível dizer se nos dias atuais a morte de um homem como Tancredo Neves provocaria tanta comoção pública. O fato é que Tancredo faleceu num momento em que ele era indispensável ao país e, por que não, aos nossos sonhos.

Com frequencia aparecem críticas relacionadas aos modos de narrar a História. Escrever olhando para o passado, tentando interpretá-lo, oferece a vantagem de maior isenção, subtraindo-se os perigos proporcionados pelo calor da hora. Por outro lado, certas situações jamais serão transferidas à posteridade sem que se considerem as emoções de momento as quais talvez expressem, melhor que tudo, a força e natureza dos acontecimentos.

A morte de Tancredo Neves inscreve-se num hiato de grande emotividade pública, daí não serem demasiadas as tentativas de captar nas narrativas sobre o episódio o clima das ruas naquele distante 1985, certamente fatídico para o destino do país. Aliás, nunca é demais lembrar que a História do Brasil é pontuada por episódios inesperados que vieram a influir dramaticamente na trajetória do país. O suicídio de Getúlio Vargas, a renúncia de Jânio Quadros e o desaparecimento de Tancredo Neves às vésperas de ser empossado presidente da República são exemplos de fatos que notoriamente mudaram os rumos do país.

Não vi o Brasil perder a Copa do Mundo de 50 e era muito pequeno quando Getúlio Vargas se matou.  Anos a fio ouvi de pessoas de minha família referências a esses dois infaustos acontecimentos que marcaram as pessoas da época em que aconteceram.  Minha mãe, assim como milhares de brasileiros, guardou durante toda a sua vida as emoções provocadas pelas mortes do cantor Francisco Alves (o Chico Viola, em 1952) e da cantora e atriz Carmem Miranda (em 1955). O desaparecimento desses dois ídolos provocou comoção nacional dado que eram adorados pelo público ao tempo da Era do Rádio.

Como todo mundo, acompanhei de longe os últimos dias de Tancredo Neves, surpreendido que foi ele por doença que abruptamente colocou fim à sua carreira, privando o Brasil de um dos mais hábeis políticos de sua história. Não será preciso descrever a terrível rotina dos dias que antecederam a morte de Tancredo, os comunicados médicos que devagar passaram de mensagens de esperança para lacônicos informes sobre o estado de saúde irreversível.

Embora esperada, a notícia da morte de Tancredo Neves foi recebida com grande tristeza e decepção relacionada ao que mais parecia a comprovação da má sorte do povo brasileiro. Mal saíramos da ditadura militar, navegávamos com rumo incerto e sem qualquer garantia de que o país retornaria ao regime democrático. Tancredo fora o fiador de uma situação gerada para sepultar os chamados anos de chumbo de tão triste memória. E, de repente, ainda no início do caminho, o homem morria deixando atrás de si um vazio que dificilmente seria preenchido. Frustração geral, tristeza, muita tristeza.

Tancredo faleceu em São Paulo. Seu corpo, levado da cidade a bordo de um avião, forneceu às memórias uma das mais tristes e terríveis cenas a serem recordadas: a imagem do avião no ar levando o corpo de Tancredo terá sido uma das mais emotivas e devastadoras de nossa história. A esperança ia-se para sempre de braços com as asas de uma aeronave que parecia nos dizer que tudo é finito, nada se pode fazer contra a imposição de forças incontroláveis que teimam em afetar os nossos destinos.

Este texto contém considerações sobre fatos sobejamente conhecidos. Então, para que escrevê-lo? Para lembrar que o Brasil que temos hoje não foi forjado pelo acaso e sem sofrimento. Para lembrar aos homens públicos a enormidade de suas responsabilidades. Para gritar que o Brasil é obra de muitos braços e não de governantes episódicos. Para que se tenha respeito por um país de que tanto nos orgulhamos.

Que o centenário do nascimento de Tancredo Neves que se está comemorando sirva como momento de reflexão para as classes políticas do Brasil, em todos os níveis. Não se trata de pieguice: na verdade é uma questão de consciência.