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Gilberto Freyre

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gilberto_freyre_colorTalvez não seja correto falar-se sobre um “revival” de Gilberto Freyre (1900-1987) de vez que o sociólogo e antropólogo pernambucano é presença permanente toda vez que se elege como tema o Brasil e a história das idéias no país. É do professor Antônio Cândido a afirmação de que, entre 1932 e 1942, três grandes livros estimularam a imaginação e a reflexão dos jovens brasileiros sobre o país: Casa-Grande & Senzala (1933), de Gilberto Freyre; Raízes do Brasil (1936) de Sérgio Buarque de Holanda e Formação do Brasil Contemporâneo (1942) de Caio Prado Júnior. Além disso, vale lembrar que nas várias coletâneas publicadas sob o título Intérpretes do Brasil, Giberto Freyre sempre aparece, havendo mais concordâncias que divergências entre os ensaístas que se ocupam da sua obra. Na verdade, dada a vastidão dos escritos publicados por Freyre, o que em geral acontece é a valorização de aspectos diferentes de sua obra que, em determinados momentos, melhor se casam aos acontecimentos que cercam o cotidiano do país.

Em todo caso passa-se, agora, por um momento de revivescência de Gilberto Freyre e sua obra. A Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que está para começar, promete discussões sobre a obra de Freyre. Está, também, previsto, para março de 2011, um colóquio de especialistas internacionais na obra de Freyre, a realizar-se em Portugal. Além disso, obras do sociólogo estão sendo relançadas, assim como livros sobre ele.

A Editora Pespectiva anuncia o lançamento de um livro de autoria da historiadora Silvia Cortez Silva, cujo título é Tempos da Casa-Grande. Segundo notícia publicada pelo jornal “O Estado de São Paulo”, na edição de 05/06, a historiadora acusa o escritor de racista e anti-semita, além de criador de um “mito político que oferecia uma solução para o problema racial”.

Como se sabe, em Casa-Grande & Senzala Gilberto Freyre refuta a idéia de que no Brasil existiria uma raça inferior resultante da miscigenação. Tal teoria, derivada de mitos eugênicos defendidos por europeus, impregnou o pensamento da inteligência brasileira, particularmente nos anos 20, estendendo-se em boa parte do séclo XX. Além disso a idéia de raça inferior teria servido como justificativa aos países europeus em sua política de dominação empregada nas jovens nações sul-americanas. Note-se que mesmo a noção de política de dominação é polêmica, encontrando-se pensadores brasileiros que a negam com veemência.

Dada a natureza de Casa-Grande & Senzala não deixa de ser curiosa a acusão de racismo e anti-semitismo atribuída a Gilberto Freyre. A isso se acresça o fato de que, em 1942, Freyre foi preso em Recife por artigo que escreveu e publicou, no Rio de Janiero, no qual justamente acusava a existência de racismo e anti-semitismo no Brasil.

Mas, não será este o espaço para se discutir em maior profundidade esse assunto. O que há de bom em tudo isso é a presença de Gilberto Freyre que deve e precisa ser lido pelas novas gerações, concorde-se ou não com ele. Importa notar que não se pode discutir o Brasil ou mesmo escrever sobre o país sem ter passado pela verdadeiramente monumental obra de Gilberto Freyre. Não só Casa-Grande & Senzala é leitura obrigatória: Ordem e Progresso é um trabalho exaustivo de pesquisa e compilação de opiniões sobre o Brasil de uma época, obtida através de entrevistas de pessoas de proeminência em seu tempo; existem os maravilhosos ensaios de literatura de Freyre, sendo memoráveis as suas análises das obras de Euclides da Cunha e Machado de Assis; e assim por diante.

A verdade é que todo mundo bebe e bebeu na fonte chamada Gilberto Freyre que, como se vê, continua bem viva, com muita água e plena de sugestões para repensarmos o  Brasil.

Populações Meridionais do Brasil

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Assunto mais que discutido é o que se refere à imensidão territorial do Brasil abrigar tão grande diversidade populacional. Resultou ela da mais formidável miscigenação de etnias, combinando-se de diferentes modos o branco europeu, o índio nativo e o negro africano para cá trazido com escravo.

É vasta a bibliografia sobre o assunto, passando-se pelos textos de eminentes sociólogos e historiadores que se ocuparam da interpretação do Brasil. Alguns desses estudos são hoje desprezados, tantas vezes com razão dadas inclinações nem sempre toleráveis de seus autores. Existe entre eles os que incluíram em seus trabalhos teorias como a do racismo para explicar a formação do povo brasileiro sob a preponderância e superioridade da raça ariana.

Criticado, mas nunca esquecido, é Oliveira Vianna que se destacou como cientista social, resvalando com alguma profundidade no ofício de historiador. Mas, a atuação de Oliveira Vianna não se restringiu aos livros que escreveu. Conservador exaltado e adepto da centralização e controle do Estado sobre as atividades do país foi ele muito operante como assessor do presidente Getúlio Vargas, mormente depois da instalação do Estado Novo, em 1937. Jurista, teve ativa participação com decisivos pareceres que resultaram na instituição da Justiça do Trabalho e a Consolidação das Leis do Trabalho.

Dos livros que Vianna escreveu o mais importante é, sem dúvida, “Populações Meridionais do Brasil”, publicado em 1920. Trata-se do estudo do matuto, o homem das matas. Vianna planejava publicar mais dois livros sobre a mesma temática: o segundo seria sobre o gaucho, o homem dos pampas, e o terceiro sobre o sertanejo, o homem dos sertões. O segundo livro foi publicado postumamente e o terceiro Vianna não chegou a escrever.

“Populações Meridionais do Brasil” é grande demais para o quer dizer. Girando em torno das mesmas idéias, o livro fala sobre a aristocracia rural de cujo domínio e relacionamentos dependem os desajustes da sociedade colonial. Vianna parte da idéia errônea de que o Brasil foi colonizado por gente fidalga, aristocracia racialmente superior, agindo segundo preconceitos autoritários com os quais comunga o escritor. Autoritarismo e racismo, portanto, corporificado nos bandeirantes paulistas, um tipo superior também encontrado em outras regiões. Obviamente não se pode reconhecer nos bandeirantes paulistas que se embrenharam pelos interiores do Brasil a fidalguia pretendida pelo escritor.

Entretanto, “Populações Meridionais do Brasil” foi bem aceito em sua época, embora hoje possa ser classificado como pertencente à infância da sociologia brasileira. Não se pode negar ao autor método e a preocupação latente em explicar o Brasil, para isso invocando acontecimentos históricos obtidos nem sempre de primeira mão. Criativo, fantasioso, eivado de preconceitos, apegado ao autoritarismo, acreditando na superioridade ariana, ainda assim trabalho de vulto, de pensador das coisas do Brasil.

Oliveira Vianna é importante porque suas idéias foram trazidas à tona em momentos históricos nos quais o autoritarismo transformou-se no carro chefe de governos. Pode-se conhecer melhor o escritor e sua obra através de vários livros sobre os intérpretes do Brasil, encontrados facilmente nas livrarias. Caso haja interesse, “Populações Meridionais do Brasil” pode ser encontrado em sebos.

Villa-Lobos, intérprete do Brasil

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O jornalista Gilberto de Mello Kujawski publicou em seu site um belo artigo sobre o maestro Villa-Lobos. O endereço eletrônico é:

http://www.gilbertokujawski.com.br/

Para Kujawski a lição maior de Villa-Lobos é a possibilidade de “integrar todas as contradições na unidade deste país que “tem a forma de um coração”, o Brasil de todos nós.”

Tom Jobim contava que, certa vez, foi visitar Villa-Lobos e o encontrou trabalhando em meio a muitos ruídos: rádio ligado, pessoas falando etc. Diante disso, Jobim perguntou ao maestro se o barulho não o atrapalhava. Ao que ele respondeu:

- O barulho é para o ouvido externo; o interno é o que ouve e compõe.

Villa-Lobos ouviu o Brasil, país que traduziu em sua música. Sua obra é monumental de vez que, através de sons, logra representar toda a diversidade do país sobre a qual nos fala Kujawski em seu artigo.

Com frequência estudiosos publicam livros sobre escritores considerados intérpretes do Brasil. Os nomes variam de um autor para outro, mas as listas sempre incluem Euclides da Cunha, Joaquim Nabuco, Oliveira Viana, Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e alguns outros. Tem-se esquecido de incluir Villa-Lobos nesses estudos: o maestro interpretou o país com outra ferramenta, a música, e o fez de forma magistral.