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Raízes do Brasil

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Nos dias que correm é comum que nos jornais se publiquem indicações de livros para que pessoas confinadas em suas casas preencham algum tempo de ócio que acaso tiverem. Desde literatura a economia e autoajuda, os temas são variados. Nas televisões o assunto único é a pandemia. As notícias sobre números de infectados e óbitos ocupam o espaço dos noticiários. Hoje publica-se que o preço do barril de petróleo teve baixa de mais de 30%, mas pouca atenção se deu a isso dado que nas bombas dos postos de gasolina os preços dos combustíveis se mantêm inalterados.

O grande problema do momento é a duração do confinamento. Ontem passeatas ruidosas pediam o fim da reclusão forçada. Com os negócios parados há risco de quebradeira de empresas e ainda mais desemprego no país. Do lado oposto situa-se o vírus que vai mantando gente mundo afora. O binômio saúde/economia tem despertado grandes discussões. A morte ou a sobrevivência dos negócios?

De todo modo muita gente arrisca-se a desobedecer às orientações da OMS. Saem às ruas, não usam máscaras, não respeitam os tais dois metros entre uma pessoa e outra. O que há é certa descrença no perigo de ser infectados. Isso sem falar naqueles que supõe ser o vírus nada mais que uma invenção.

O comportamento de grande parte da população difere do que se vê em outros países nos quais o confinamento é levado a sério. Cientes de que essa é a única maneira de impedir o avanço da pandemia do qual depende o retorno às atividades normais pessoas seguem a risca as normas do isolamento. Isso nos leva a pensar sobre o modo de ser da nossa gente e desperta a curiosidade sobre tantos ensaios escritos ao longo da existência do país. Um deles, embora escrito nos anos 30 do século passado não deixa de ser interessante, embora nem tudo em seu conteúdo seja aplicável aos Brasil de hoje. Trata-se de “Raízes o Brasil”, obra do sociólogo Sergio Buarque de Holanda.

No livro Buarque de Holanda descreve o brasileiro como um “homem cordial”, isto é, que age pelo coração e pelo sentimento, preferindo as relações pessoais ao cumprimento de leis objetivas e imparciais. Daí resulta a dificuldade de homens ocupando cargos públicos distinguirem entre o público e o privado. O “homem cordial” é dominado pelo coração. O coração funciona como intermediário das relações daí a sociedade em que o Estado funciona como propriedade da família.

“Raízes do Brasil” é um mergulho na identidade brasileira que ainda hoje merece muita reflexão. Faz parte de livros publicados por seleto grupo de pensadores entre os quais estão Gilberto Freyre, caio Prado Junior e Celso Furtado entre outros.

Gilberto Freyre

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gilberto_freyre_colorTalvez não seja correto falar-se sobre um “revival” de Gilberto Freyre (1900-1987) de vez que o sociólogo e antropólogo pernambucano é presença permanente toda vez que se elege como tema o Brasil e a história das idéias no país. É do professor Antônio Cândido a afirmação de que, entre 1932 e 1942, três grandes livros estimularam a imaginação e a reflexão dos jovens brasileiros sobre o país: Casa-Grande & Senzala (1933), de Gilberto Freyre; Raízes do Brasil (1936) de Sérgio Buarque de Holanda e Formação do Brasil Contemporâneo (1942) de Caio Prado Júnior. Além disso, vale lembrar que nas várias coletâneas publicadas sob o título Intérpretes do Brasil, Giberto Freyre sempre aparece, havendo mais concordâncias que divergências entre os ensaístas que se ocupam da sua obra. Na verdade, dada a vastidão dos escritos publicados por Freyre, o que em geral acontece é a valorização de aspectos diferentes de sua obra que, em determinados momentos, melhor se casam aos acontecimentos que cercam o cotidiano do país.

Em todo caso passa-se, agora, por um momento de revivescência de Gilberto Freyre e sua obra. A Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que está para começar, promete discussões sobre a obra de Freyre. Está, também, previsto, para março de 2011, um colóquio de especialistas internacionais na obra de Freyre, a realizar-se em Portugal. Além disso, obras do sociólogo estão sendo relançadas, assim como livros sobre ele.

A Editora Pespectiva anuncia o lançamento de um livro de autoria da historiadora Silvia Cortez Silva, cujo título é Tempos da Casa-Grande. Segundo notícia publicada pelo jornal “O Estado de São Paulo”, na edição de 05/06, a historiadora acusa o escritor de racista e anti-semita, além de criador de um “mito político que oferecia uma solução para o problema racial”.

Como se sabe, em Casa-Grande & Senzala Gilberto Freyre refuta a idéia de que no Brasil existiria uma raça inferior resultante da miscigenação. Tal teoria, derivada de mitos eugênicos defendidos por europeus, impregnou o pensamento da inteligência brasileira, particularmente nos anos 20, estendendo-se em boa parte do séclo XX. Além disso a idéia de raça inferior teria servido como justificativa aos países europeus em sua política de dominação empregada nas jovens nações sul-americanas. Note-se que mesmo a noção de política de dominação é polêmica, encontrando-se pensadores brasileiros que a negam com veemência.

Dada a natureza de Casa-Grande & Senzala não deixa de ser curiosa a acusão de racismo e anti-semitismo atribuída a Gilberto Freyre. A isso se acresça o fato de que, em 1942, Freyre foi preso em Recife por artigo que escreveu e publicou, no Rio de Janiero, no qual justamente acusava a existência de racismo e anti-semitismo no Brasil.

Mas, não será este o espaço para se discutir em maior profundidade esse assunto. O que há de bom em tudo isso é a presença de Gilberto Freyre que deve e precisa ser lido pelas novas gerações, concorde-se ou não com ele. Importa notar que não se pode discutir o Brasil ou mesmo escrever sobre o país sem ter passado pela verdadeiramente monumental obra de Gilberto Freyre. Não só Casa-Grande & Senzala é leitura obrigatória: Ordem e Progresso é um trabalho exaustivo de pesquisa e compilação de opiniões sobre o Brasil de uma época, obtida através de entrevistas de pessoas de proeminência em seu tempo; existem os maravilhosos ensaios de literatura de Freyre, sendo memoráveis as suas análises das obras de Euclides da Cunha e Machado de Assis; e assim por diante.

A verdade é que todo mundo bebe e bebeu na fonte chamada Gilberto Freyre que, como se vê, continua bem viva, com muita água e plena de sugestões para repensarmos o  Brasil.

A face oculta das nádegas

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Deu no “Le Monde” de 09/12: está sendo lançado na França o livro “La Face Cacheé des Fesses” (A Face Oculta das Nádegas)”, de autoria da documentarista Caroline Pochon e do jornalista Allan Rothschild. O lançamento é precedido  de um documentário com o mesmo título do livro, exibido no canal Arte de televisão.

Livro e documentário resultaram de uma investigação que durou 18 meses, realizada pelos autores. O “Le Monde” informa que “os autores propõem uma viagem mutidisciplinar pelas diferentes representações do traseiro na história da humanidade, emprestando conceitos de história da arte, psicanálise, sociologia e semiótica”.

Lembra ainda o jornal a afirmação do filósofo Jean Paul Sartre: “A pátria, a honra, a liberdade, nada existe: o universo gira em torno de um par de nádegas”.

Se você digitar no Google algo como “brasileiros e a bunda” receberá boa quantidade de referências sobre o assunto com demonstrações claras de que se trata de uma preferência nacional. Uma dessas referências o levará a um ensaio chamado “Bunda – Paixão Nacional” do sociólogo Gilberto Freyre, o autor do grande livro que é “Casagrande e Senzala”.

No ensaio Freyre rastreia as origens do gosto nacional pelos traseiros. Partindo do século XVI destaca o autor a preferência das índias nativas do Brasil pelos portugueses dado eles revelarem maior potência sexual. Entretanto, afirma Freyre, as índias não se faziam notar tanto como as mulheres de origem afronegra, essas pelas suas protuberâncias realmente notáveis e bundas salientemente grandes. Destaca ainda Freyre que em muitos casos mulheres de origem ibérica, principalmente as portuguesas da época, rivalizavam com as de origem afronegra. E por aí vai o ensaio de Gilberto Freyre cuja leitura recomenda-se aos interessados.

De que os traseiros femininos constituem-se numa das principais referências nacionais, não restam dúvidas. De fato é impressionante a utilização da imagem da mulher, preferencialmente as tais popozudas, em campanhas publicitárias. Belas mulheres tornam-se colírio para os olhos da massa masculina ensandecida e servem muito bem ao comércio dos produtos associados às suas imagens.

Torna-se quase desnecessário salientar as múltiplas utilizações do símbolo feminino transformado em preferência nacional. Só para constar, basta parar diante de uma banca de jornal para observar revistas e constatar a verdadeira enxurrada de capas cujos destaques são mulheres com traseiros exuberantes. E que dizer dessa bonita moça que passa na rua, tão distraída, roubando olhares gananciosos dos homens que encontra pelo caminho? E ainda daquela outra que passa diante de uma obra em construção atraindo assovios, interrompendo as atividades do operariado?

Não sei dizer se as representações do traseiro na história da humanidade, conforme entendidas pelos autores de “La Face Cacheé des Fesses”, se aplicam corretamente à história do Brasil. Acontece que “este país” costuma ser diferente em tudo, consequência talvez da tropicalidade conforme acenavam as abomináveis teorias racistas em voga no século XIX e início do século XX.

Corre por aí a idéia de que a grande miscigenação que deu origem à atual população brasileira seria a responsável pela geração de mulheres com corpos esculturais e capazes de trejeitos de grande sexualidade. Infelizmente essa imagem das brasileiras, tidas como mulheres bonitas e de belos físicos, tem servido a comentários negativos, quando não ofensivos, por parte de outros povos. Acresça-se a isso o lamentável turismo sexual em nosso país e a exportação da prostituição para terras distantes. Por tais razões não são tão raros os episódios em que mulheres brasileiras tornam-se alvo de piadas e atitudes desrespeitosas quando em passagem pelo exterior.

Não sei se “La Face Cacheé des Fesses” será editado no Brasil. Seria interessante conhecer a visão dos franceses sobre assunto tão presente no imaginário das coisas do Brasil.

Villa-Lobos, intérprete do Brasil

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O jornalista Gilberto de Mello Kujawski publicou em seu site um belo artigo sobre o maestro Villa-Lobos. O endereço eletrônico é:

http://www.gilbertokujawski.com.br/

Para Kujawski a lição maior de Villa-Lobos é a possibilidade de “integrar todas as contradições na unidade deste país que “tem a forma de um coração”, o Brasil de todos nós.”

Tom Jobim contava que, certa vez, foi visitar Villa-Lobos e o encontrou trabalhando em meio a muitos ruídos: rádio ligado, pessoas falando etc. Diante disso, Jobim perguntou ao maestro se o barulho não o atrapalhava. Ao que ele respondeu:

- O barulho é para o ouvido externo; o interno é o que ouve e compõe.

Villa-Lobos ouviu o Brasil, país que traduziu em sua música. Sua obra é monumental de vez que, através de sons, logra representar toda a diversidade do país sobre a qual nos fala Kujawski em seu artigo.

Com frequência estudiosos publicam livros sobre escritores considerados intérpretes do Brasil. Os nomes variam de um autor para outro, mas as listas sempre incluem Euclides da Cunha, Joaquim Nabuco, Oliveira Viana, Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e alguns outros. Tem-se esquecido de incluir Villa-Lobos nesses estudos: o maestro interpretou o país com outra ferramenta, a música, e o fez de forma magistral.

O Nobel e o Brasil

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José Ramón Calvo, criador do Campus Excelência para prêmios Nobel e estudantes, declarou ao jornal espanhol La Vanguardia que a quantidade de prêmios Nobel indica a qualidade de um país. Segundo, ele pesquisas indicam que existe uma relação direta entre a capacidade inovadora de uma sociedade, a qualidade de seu sistema educativo e de pesquisa, seu talento e criatividade, e o número de prêmios Nobel.

O Prêmio Nobel foi criado em 1900 a partir do testamento deixado pelo químico e industrial sueco Alfred Nobel, o inventor da dinamite. Nesse testamento Nobel deixou a sua fortuna para a criação de uma instituição que premiasse, no futuro, aqueles que servissem à humanidade. Surgiu assim a Fundação Nobel que anualmente confere prêmios de química, física, medicina, literatura, economia e paz a pessoas que se destacaram nessas áreas, independentemente de sua nacionalidade.

Passados mais de cem anos desde a criação do prêmio nenhum brasileiro foi, até hoje laureado fato que, segundo o critério adotado por Ramon Calvo nos deixa numa situação bastante desfavorável. Entretanto, é preciso muito cuidado com generalizações que colocam num mesmo saco todas as variantes culturais de um vasto país como o Brasil. Desnecessário é dizer que na base da pouca projeção do país em termos de premiações estão as terríveis deficiências do atual sistema educacional e de pesquisas. Seria longa demais a exposição da permanente crise do sistema educacional, da falta de incentivos à pesquisa e da ausência de um desenvolvimento técnico-científico comparável ao de outros países. Satélites artificiais, viagens à Lua, produção de bombas atômicas, estações espaciais e escudos antimísseis são apenas a face espetacular dos avanços conquistados pela ciência nas áreas da matemática, da física e da química. Resultaram eles não só da tradição de pesquisa em países desenvolvidos como, também, de formidáveis investimentos destinados a ela. Por detrás das conquistas obtidas nas áreas do conhecimento obviamente existe a tradição de cientistas, laboratórios e pesquisas que, vez por outra, abrem caminho para que alguns deles sejam laureados.

Respeitáveis críticos concordam que a literatura brasileira é fraca apesar da existência de grandes escritores em todas as épocas. Entre as razões apontadas para a falta de vitalidade da literatura nacional estão fatores como a ainda hoje observada dificuldade de circulação de livros, falta de bibliotecas e a histórica opção do mercado editorial brasileiro pela tradução de obras estrangeiras. Prevalecem, assim, os interesses econômicos em detrimento do talento de jovens escritores que, desestimulados, deixam de escrever. Além do mais, sabe-se que não raramente a escolha de premiados com o Nobel nas áreas de literatura e paz está ligada a outros fatores além da obra em si, entre eles as determinantes políticas.

É assim que vai sendo construída uma história cultural brasileira sem a conquista de um prêmio do qual os povos do mundo muito se orgulham. Até hoje Rui Barbosa é citado como exemplo da inteligência brasileira pelo brilho de sua participação na Conferência de Haia, realizada em 1907. Foi por ela que o grande Rui passou a ser conhecido como a “Aguia de Haia”. No livro “Ordem e Progresso” Gilberto Freyre fala sobre o orgulho do povo brasileiro em relação a homens como Santos Dumont, prova inconteste da capacidade da nossa gente.

Por essas e outras, pela educação, civilidade e valorização do conhecimento, esperamos tanto a melhora do sistema educacional brasileiro.