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Tragédia do Airbus: entre o público e o privado

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O acidente ocorrido com o vôo AF 447, na rota Rio de Janeiro-Paris, suscita questões relacionadas às esferas pública e privada. Exemplo disso são as recentes declarações de um ministro de Estado brasileiro sobre o acidente: de um lado o ministro no exercício de sua função pública proferindo, em nome do Estado, palavras consideradas infelizes; de outro o contexto privado de vítimas do acidente e seus familiares.

Danièlle Sallenave escreve no “Le Monde” sobre esse assunto. Para a escritora francesa a homenagem nacional aos mortos, prestada na Catedral de Notre Dame e com a presença do Presidente da República, foi inoportuna. Sallenave não nega a extrema comoção gerada pelo desastre, a necessidade de compaixão pelas vítimas e conforto às famílias num momento de grande dor. Entretanto, entende que o acontecimento pertence à esfera do mundo privado daí inexistirem razões para a participação do Estado.

É para a confusão entre as esferas pública e privada que Sallenave chama a nossa atenção perguntando-se sobre a razão de ser do evento de vez que homenagens visam “manifestar a alguém seu respeito, sua deferência, por seu mérito, seu espírito de sacrifício, as qualidades iminentes que se mostrou, por exemplo, na realização de uma ação em vista do bem público”. E esse não é o caso quando da ocorrência de acidentes aéreos com vítimas.

Não para aí a articulista: para ela outro grande erro foi o de tratar-se de cerimônia religiosa assistida pelo chefe de Estado francês. Sendo ele o presidente de todos os franceses independentemente de suas religiões e governando um Estado laico não pode participar, enquanto mandatário, de cerimônia religiosa. Poderia, sim, mas como cidadão privado.

O texto de Sallenave é inquietante. Sem negar a coerência de seus argumentos fica-se com a impressão de que é exigente em demasia quando o tema é a comoção pública. Obviamente aqui, no outro lado do Atlântico, as coisas são vistas de modo um pouco diferente, talvez com maleabilidade exagerada quando comparada ao modo de ver de outros povos.

Creio que, no Brasil, dificilmente um articulista escreveria algo parecido com o texto de Sallenave: a leitura de uma homenagem aos acidentados, religiosa ou não, ficaria dentro dos limites da compaixão, da solidariedade, naquele “tudo o que podemos fazer” para abrandar a rude dor que se abate sobre as famílias dos acidentados. Certo ou errado, constitucional ou não, é assim.

Questão de temperamento, cultural talvez. Ainda assim, não se pode negar que as afirmações de Danièlle Sallenave dão muito que pensar.

O VOO AF 447

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Não há como passar ao largo das notícias sobre o acidente aéreo ocorrido dias trás com um avião da Air France. O assunto é tratado à exaustão em todos os meios de comunicação acrescentando-se, a cada hora, pronunciamentos sobre as razões do acidente, busca de sobreviventes, destroços e sinais captados por radares.

A pior parte de tudo isso acontece quando a até então massa indefinida de possíveis mortos começa a se personalizar. De repente, aqui e ali, os nomes de uma lista transformam-se em pessoas, vemos suas fotos e conhecidos falam sobre elas. Um casal viajava em férias, um engenheiro ia para receber um prêmio, um assessor de governo viajava a serviço e levava a esposa para a lua-de-mel que não puderam ter dois anos antes.

Devagar nos damos conta de que estão a falar sobre gente como nós e começamos a partilhar da dor dos parentes e amigos. O que de início figurava-se como acontecimento distante e que pouco tinha a ver com a nossa rotina atinge-nos mais fortemente e nos perguntamos o porquê disso tudo, e se alguém que amamos estivesse a bordo, e se tivesse acontecido comigo e assim por diante.

Em casos assim me assombram os tais últimos segundos, o curto e imenso período entre o desencadeamento da catástrofe e a consumação final da morte. Imagino a incredulidade diante do irreversível, talvez a esperança de que por milagre tudo volte ao normal, enfim as coisas que possivelmente passam pela cabeça das pessoas em seus instantes finais de vida, se é que lhes é dado um último momento de racionalidade em meio à catástrofe.

Mais de duzentas pessoas desaparecem para sempre, tragicamente. Acontecimentos dessa ordem depõem contra a noção que temos sobre a racionalidade do que fazemos. Mas a vida continua plena de inquietações que se renovam as quais, felizmente ou não, nos ajudarão a deixar para trás tão horrível tragédia.

Escrito por Ayrton Marcondes

3 junho, 2009 às 12:55 pm

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