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Mamãe

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Ela ali, ao meu lado, diante do famoso neurologista que nos fazia a gentileza de atendê-la. O caso é que o neuro era pai de um meu quase amigo a quem eu pedira o favor de falar a ele sobre a doença de minha mãe. Mas, o neuro estava em férias e foi só pela insistência do filho que apareceu no consultório.

Obviamente, não havia dinheiro para pagar o favor que ficou mesmo como gentileza, humanidade. E minha mãe lá, quieta, a boca torta, repuxada, consequência de mais um dos AVCs que sofrera. Falava com alguma dificuldade, sabe como é quando a parte motora não responde na velocidade certa as ordens enviadas pelo cérebro.

Daquele fim de tarde ficou o momento em que o neuro fez perguntas à minha mãe e, respostas dadas, ele me disse: como é inteligente essa mulher, poucas veze tenho visto inteligências desse porte.

Ela era assim, inteligente, obstinada, guerreira, severa, sofrida. A formação primária não a impedia de ler jornais e revistas, além dos noticiários do rádio, porque naquele tempo o que se tinha em casa era só o rádio. E havia aquele senso de família dela, senso que justificava até trazer para viver na nossa casa minha tia e os filhos dela que não tinham para onde ir, aliás coisa que contribuía para puro desespero de meu pai.

Minha mãe tinha atração natural pela cultura que a ela faltava. De todo modo insistia na educação dos filhos que a todo custo deveriam virar gente formada. Assim, aos seis anos eu já sabia ler e escrever um pouco, tanto que ela me levou ao grupo escolar para ver se a diretora não me matricularia direto no segundo ano, porque o primeiro eu já fizera em casa. Não foi possível e ela acabou se conformando.

Como disse, minha mãe era severa. Nos tempos atuais as crianças gozam do benefício de não poderem apanhar, mesmo dos pais. Em criança sobrevivi a belas surras, algumas delas pelas mãos de minha mãe, outras recebidas no grupo. As pancadas faziam parte do “endireitamento” das crianças que se tornariam educadas e bons cidadãos. Não se falava na tal pedagogia do medo hoje tão execrada.

Eu poderia ficar aqui, enchendo páginas de lembranças sobre a minha mãe que tanto lutou para que eu viesse a ser aquilo que ela sonhara. Certamente estou longe de atender ao nível dos sonhos dela, mas posso dizer que, afinal, não devo tê-la decepcionado muito.  Então deixo-me levar por esse turbilhão de coisas vividas que me passam pela cabeça e pondero sobre como a vida passa depressa e a paisagem humana que nos cerca muda sem que nem sempre nos demos conta disso.

Acontece todo ano, no mês de maio, quando se celebra o dia das mães. Então minha mãe se ergue de sua tumba e se torna onipresente no meu pensamento. Mais hora, menos hora, eis-nos nas nossas conversas, como a do dia em que fomos à consulta com o neuro.

Impossível esquecer minha mãe, impossível ignorar o que ela foi e o tanto que fez por mim. Nessas horas que me separam do domingo das mães bate uma saudade danada daquela mulher que me amava tanto.

Escrito por Ayrton Marcondes

8 maio, 2015 às 12:46 pm

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