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Elizabeth Hanly Danforth

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Acordei ainda há pouco, é madrugada. Sua presença tímida e, contudo, vigorosa, preenche o espaço de minha casa. Não há como fugir de você, agora que o dia que há de vir se prepara para uma nova manhã. Ouço o canto dos primeiros pássaros, aqueles que gotejam pios regularmente, avisando que o mundo seguirá em frente, como antes, como depois.

Lembra-se de quando combinamos que o primeiro a morrer viria avisar ao outro sobre a existência da eternidade? Você não veio… Noites a fio esperei por um sinal, um simples sinal, talvez um aviso que revelasse a sua presença. Esquivou-se, esqueceu o combinado ou a eternidade não existe?

Lembra-se dos poemas que lemos juntos, cada verso, cada estrofe, sob a funda sonoridade da sua voz? Daquela madrugada em que nos perdemos na Ode Marítima, horas de mares bravios, ondas tempestuosas?

Tenho em minhas mãos um dos seus livros de poesias. É uma coletânea na qual Bandeira, Drummond, Oswald, João Cabral, o Nava e tantos outros esperam.

Abro o livro. Ao acaso caio numa página em que há um recorte de jornal. De quando? Em que momento você colheu esta pérola e recortou-a? Nenhuma referência. Nada.

É uma poesia de Elizabeth Hanly Danforth:

Sangue marítimo

Dei-te o meu coração, por causa de navios:

porque os teus ancestrais e os meus foram do mar.

Quando era certo serem “os homens, aço, as naves, lenho”,

E porque partilhavas dessa maneira austera de pensar.

 

Porque teus olhos se obscureciam, vendo a sombra

De uma gaivota cair, com seus movimentos ligeiros;

Porque notavas o sino de uma escuna que passava,

E exclamavas: “Gosto das mãos dos marinheiros!”

 

Quando outros homens se entretêm com livros e lareiras

E tremem, com as tempestades, e se aconchegam, friorentos,

Tu, pelo velho rumo de teus antepassados

Vieste rugindo pelo mar, entregue aos ventos.

 

Por esse encanto, que os homens da terra jamais conhecerão,

Por causa de navios, - dei-te o meu coração.

A tradução é de Cecília Meireles. Penso que talvez você tenha guardado essa jóia, escondida entre as páginas de um velho livro, para que eu a encontrasse nesta madrugada, mais de trinta anos depois. Você conhecia, melhor que ninguém, o peso das horas de desespero: cuidou para que eu não me perdesse justamente nesta noite, adivinhada de algum modo por você, pela sua enorme sensibilidade.

OBS: Elizabeth Hanly Danforth viveu durante 30 anos no Brasil onde se tornou conhecida por ser embaixatriz e poeta. Exerceu atividades no país, entre elas o de diretora do Institution Brasil-Estados Unidos e patrona da American Society. O livro In Rio on the Ouvidor and Other Poems About Brasil, de autoria da poetisa, é encontrado em sebos.