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A crise

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Se há um palavra com a qual já deveríamos estar habituados essa é “crise”. No Brasil “crise” sempre fez parte dos discursos além do que a palavra sempre serviu como desculpa para erros administrativos de governos. Vejam-se, por exemplo, os problemas do momento: escassez de água e economia em frangalhos. A crise hídrica se deve à seca prolongada e os governos repetem que todas as providências foram tomadas para que não faltasse água nas torneiras; já a economia vai mal em consequência da crise mundial que afeta muitos países. Assim vamos de crise em crise. Ninguém é culpado de nada.

Naquele Brasil dos anos 70, época do governo Geisel, os brasileiros enfrentaram a crise dos combustíveis. N verdade a crise de combustíveis começou em 1973, um ano antes da posse de Geisel. Mas, aquilo foi terrível. Eu tinha um fusca com o qual perambulei nos postos de combustíveis de São Paulo atrás de umas gostas de gasolina. Certa manhã descobri o tanque irremediavelmente vazio e aí começou a minha tragédia para chegar diariamente ao trabalho.

Não sei dizer o ano, provavelmente final dos anos 70 ou início dos 80, em que os postos de combustíveis fechavam às oito horas da noite. Ia eu por um estrada como tanque quase vazio quando encontrei um posto. Passava-se um minuto das oito da noite e a bomba seria deligada naquele instante. De nada valeram os meus apelos para que me vendessem gasolina. Era um posto no meio do nada, sem nenhum Big Brother para verificar se infringiríamos a ordem do governo. Mas, ordem era ordem. No fim tive que pagar o dobro do preço por um galão que o dono do posto guardava lá “atrás”.

Ontem, 12 dias após as eleições, o governo aumentou em 3% o preço da gasolina. Ouvi na TV que nos postos o aumento esperado seria de no máximo 2%. Hoje de manhã enchi o tanque e paguei mais caro pelo litro. Não fiz o cálculo para saber de quanto foi o reajuste, não estava afim de discutir como gerente do posto.

Vida de brasileiro é assim.

Escrito por Ayrton Marcondes

7 novembro, 2014 às 11:33 am

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Sondando o mundo do meu poleiro particular

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Segunda-feira. O telefone toca, são sete da manhã. Uma mulher pergunta:

- A Adair está aí?

 - Não senhora a Adair não está, aliás, nunca esteve.

- Mas o número não é…

Não a deixo terminar, coloco o fone fora do gancho, preciso dormir mais alguns minutos porque o dia vai ser longo.

Não sei quanto tempo se passa até que ouço a campainha. Levanto-me com dificuldade, vou até a porta e me preparo para ver através do olho mágico. Demoro um pouco, sempre tive medo dos olhos mágicos: e se for um assalto ou um crime planejado a ser praticado por um sujeito de sangue frio que justamente nesse momento tem o cano do revólver do outro lado da porta esperando pelo meu olho?

No corredor estão o zelador do prédio e um vizinho do andar de baixo. Vem ele se queixar de um vazamento. Reclamo que é muito cedo, que posso eu contra canos que se rebelam nas madrugadas? O vizinho me ouve, faz uma careta, não sei se de revolta ou desconsolo e diz:

- É que está caindo muita água. O senhor poderia fechar o registro até que se chame um encanador.

Fecho a porta, fecho o registro, fecho os olhos, estou de novo deitado. É quando toca o despertador, agora sim é oficial.

Levanto-me de uma vez, pego o barbeador elétrico e ligo a televisão. A comentarista de economia aparece no vídeo com um cabelo enorme e arrepiado, creio que passou a noite toda fazendo o penteado tão estranho. Ela fala sobre o crescimento da economia no Japão e anuncia o fim da crise naquele país. Em seguida aparece um repórter policial dizendo que prenderam um pedófilo com três meninas num motel. O pedófilo é um cara meio velho, cabelos brancos, gordo e tem cara de gente bem de vida. Fico pensado na mulher dele, quem sabe com a televisão ligada e vendo o marido preso, isso tudo antes das oito da manhã que é horário mais que fatídico, hora de receber notícias novas na cara sem apelação.

Chove em Niterói, a ponte que liga a cidade ao Rio tem movimento razoável. Brasília também tem sol, vejo São Paulo debaixo dos fios da ponte estaiada, carros passando pela marginal como se estivessem pregados ali repetindo o movimento de todo dia.

Termino a barba, mudo de canal porque não agüento a gritaria do intervalo comercial, alguém muito sensato e poderoso tem que proibir o aumento de volume da televisão durante os comerciais.

Estou me vestindo e pensando no café da manhã quando ouço notícias sobre o empenho do governo em perpetuar-se no poder: não foi só o aumento do bolsa-família, fecharam em torno do presidente do Senado um esquema absurdo de defesa só para garantir alianças partidárias. O presidente da República não faz outra coisa que não agir em função da continuidade do seu grupo no próximo governo, ainda que para isso tenha que sacrificar princípios que defendeu no passado e por eles foi eleito.

Ainda que apressado, arranjo tempo para um gole de café que desce quente goela abaixo queimando um pouco a língua. Então me lembro de um ensaio do historiador Eric Hobsbawm no qual ele diz que muitas vezes supomos que a experiência individual de vida também seja uma experiência coletiva.  Isso representa que cada observador tem, diz ele, o seu próprio tempo de vida, um poleiro particular a partir do qual pode sondar a mundo.

Então é isso, tenho o meu próprio poleiro para observar o mundo e acompanhar a trajetória das pessoas em tempos e circunstâncias diferentes. E se conto com essa possibilidade penso não estar tão longe de uma opinião coletiva ao repetir o que todo mundo diz por aí, ou seja, que os políticos atualmente no governo deixaram a ética de lado e fazem qualquer negócio pare se segurarem no poder. Daí que a política adotada não passa de uma série de acobertamentos e favorecimentos realizados sem qualquer escrúpulo.

Estou no elevador junto com uma mocinha que caprichou na quantidade de perfume quando penso em princípios éticos abandonados e no andamento da história. O fato é que o poder inebria e é preciso avisar aos mandatários do país que a História existe, assim como os legados pessoais. Daí que é asneira achar que pouco importa o que se pense a respeito de alguém daqui a alguns anos porque esse alguém já estará morto. Ainda que não exista nada após a morte, ainda que tudo acabe definitivamente, nada de alma nem nada, o fato é que os verdadeiros homens são aqueles que constroem as suas legendas para serem lembrados no futuro pela sua dignidade.

Vai daí que não adianta ter uma trajetória de apelos pela ética para depois inebriar-se pelo poder e pactuar com tudo o que se negou antes com veemência. A História não costuma perdoar esse tipo de gente. Quando as sortes estiverem definitivamente seladas e o tempo houver decorrido, será sobre lápides empoeiradas que os historiadores do futuro escreverão a História dos homens desses tempos. E não existe saga pior que o julgamento dos pósteros sobre o caráter duvidoso de quem quer que seja.

Estaciono o carro na garagem do prédio onde trabalho imaginando o horror de ser lembrado pelo que se fez de pior na vida. Em breve encontrarei as pessoas de todo dia, falaremos sobre o futebol e alguém mais inflamado tocará no assunto política. Acontece todo dia, fala-se sobre tudo, discute-se a linha de impedimento, de vez em quando alguém se lembra de políticos e pergunta como algumas pessoas podem mudar tanto. Como sempre a conversa prossegue e em geral termina com alguém dizendo que fulano de tal não mudou nada, sempre foi assim, o fato é que antes ele disfarçava, esse que está aí é o verdadeiro.

Filhos de rico

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Há ocasiões em que o Brasil se parece a certos filhos de rico, aqueles caras que herdam uma fortuna sem ter a menor idéia de como foi gerada ou que não se preocupam se ela será ou não dilapidada.

Conheci um rapaz que herdou um banco. Não era dos grandes, mas era banco, negócio que veio do avô para o pai e do pai para as mãos dele. Filho único, o rapaz gastou dinheiro a rodo, interferiu nas decisões do conselho, atrapalhou muito e irresponsavelmente: o banco acabou falindo.

Outro que conheci pertencia à terceira geração de negócios rendosos consolidados em duas fábricas atuando em vários ramos. Esse chorava pelo que não chegou a ele: o pai herdara o império e passara a vida a bordo de navios luxuosos. Foi assim que acionistas tomaram conta dos negócios e acabaram embolsando a maior parte do dinheiro por ocasião da venda das fábricas.

E o que tem a ver o Brasil com essas histórias de famílias que se encrencaram? Pois olhe que o país vive atualmente perigosa euforia de novos ricos. Grandes escândalos de corrupção envolvendo somas fantásticas de dinheiro, a crescente cultura do desperdício e aí vêm as eleições que prometem desfalques nada pequenos aos cofres públicos. Mas há progressos: o governo emprestou dinheiro FMI, de devedores internacionais passamos a credores, estamos caminhando na direção do G8, parabéns.

Entretanto, é preciso lembrar um pouco da história dessa recente prosperidade. O Plano Real está fazendo 15 anos, o que significa que não muito longe dos dias atuais vivia-se uma catastrófica crise inflacionária. Quem não se lembra dos absurdos índices inflacionários, das enormes desvalorizações do dinheiro mês a mês, da insegurança da população, das prateleiras vazias dos supermercados, dos preços reajustados nas madrugadas, da corrosão dos salários, da perda da noção de valores, do dinheiro que fazia dinheiro da noite para o dia em aplicações que  enriqueciam ainda mais os ricos e deixavam os pobres cada vez mais miseráveis?

15 anos não representam tanto tempo assim e não são suficientes para apagar das memórias as altas temperaturas da crise permanente instaurada no país por tantos anos.

O Plano Real devolveu ao Brasil a dignidade de um sistema no qual a população enfim pode confiar. Graças a ele o país tem crescido e registra uma estabilidade que muitos querem definitiva. Não se trata da maioridade econômica, os desníveis sociais estão longe de ser resolvidos, mas vai-se indo. Então é hora de lembrar aos homens que governam o país a história do progresso e do dinheiro que eles têm em mãos para que não atuem como certos filhos de rico, os que jogam com fortunas tantas vezes conquistadas com o suor e sofrimento de tanta gente.