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As grandes derrotas

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Fingimos que não sabemos, mas é impossível ignorar a existência de certos baús incógnitos e fechados que nos acompanham ao longo da vida. Estão conosco, mas os ignoramos na esperança de que nunca se abram.

As grandes derrotas abrem baús dos quais são libertados fantasmas. No momento em que surgem instala-se o espanto. O impossível acaba de acontecer e deixa-nos atônitos, sem rumos. Nossas crenças são abaladas, tudo aquilo em que acreditávamos torna-se nada mais que poeira. A realidade nos atinge, frontalmente. Já não é possível ignorar o quanto até aí estávamos enganados, viajando dentro de um sonho que nada mais era que imagens que acalentávamos, alimentando nosso orgulho.

Foi assim na Copa do Mudo realizada no Brasil. No momento em que a seleção nacional se alinhou para o toque do hino éramos todos um só em nome da brasilidade e da herança futebolística acalentada por gerações vitoriosas. Aqueles onze homens, vestindo o uniforme da seleção nacional, não eram quaisquer uns: eram herdeiros e representantes de uma tradição arraigada nos corações de um povo sofrido que sobrevivera ao desastre de 1950 e acabara por se superar a partir de 1958.

Mas, os novos heróis fardados com as cores nacionais, não eram verdadeiros. Entregaram-se aos alemães que os humilharam pelo placar de 7 x 1. Abria-se o terrível baú, fantasmas libertos apregoavam aos quatro ventos a nossa vergonha. E, de lá para cá, nada mais fazemos que tentativas, infrutíferas, de recuperação. A pátria de chuteiras havia naufragado no jogo contra a Alemanha e ainda permanece submersa, esperando pelo milagre de nova vida e conquistas.

Hoje realizou-se, em Lisboa, jogo entre o Bayern de Munique e o Barcelona, da Espanha. A expectativa de que os espanhóis fizessem frente aos alemães viu-se fraudada através de um resultado de oito gols contra dois. Mas, entre os espanhóis humilhados havia um mestre, rei dos estádios, o argentino Lionel Messi. Tudo o que se escreva sobre Messi nada mais será que repetição de algo já gravado antes. A internet coloca à disposição de quem queira ver as maravilhas realizadas por Messi ao longo de sua carreira.

Mas, foi triste ver o grande Messi perdido em campo ao lado de seus companheiros que sucumbiram ao volume de jogo do Bayern. Acontece, ainda, que o grande Messi já chega aos 33 anos de idade e, diz-se, já não é o mesmo. Daí que após a derrota apressaram-se alguns jornalistas a decretar o fim da carreira desse grande mago que é Messi. Houve até que dissesse ser Messi merecedor de um fim de carreira mais digno.

Hoje foi o dia em que Lionel Messi viu abrir-se o baú do qual foram libertados os seus fantasmas. É possível que a essa hora o argentino esteja em luta contra eles. Mas, talvez se enganem aqueles que se apressam a decretar o fim de Messi. Magos são magos, é bom que ninguém se esqueça disso. Grandes derrotas abrem baús e libertam fantasmas, mas existem casos em que a força dos homens logra devolvê-los ao encarceramento. Daí que por tudo o que Lionel Messi já fez deva-se considerar não ser impossível o seu retorno e com a glória de sempre.

O fantasma de 50

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Vez ou outra um canal da TV paga exibe um filme sobre a Copa de 50. Não resisto a rever as cenas do Maracanã, com mais de 200 mil pessoas, na final do Brasil contra o Uruguai. A cena de Obdulio Varela correndo na direção do árbitro após o gol do Brasil é emblemática. O uruguaio queria -  e conseguiu -  esfriar o ânimo dos brasileiros. Recomeçasse o jogo em seguida e o Brasil teria massacrado o Uruguai, conforme afirmou Varela posteriormente.

No final, como se sabe, o Uruguai venceu por 2X1 e tornou-se campeão mundial. Considerada a maior tragédia acontecida no país a Copa de 50 só começou a ser menos valorizada após as muitas conquistas de nosso futebol nos anos que viriam.

Discute-se sobre a idade em que crianças guardam recordações que podem ser relembradas mais tarde. Em geral nos esquecemos de fatos acontecidos quando somos muito pequenos. Entretanto, posso dizer que o fato mais longínquo do qual guardo memória é justamente sobre a final de 50. Eu teria quase 4 anos de idade. Naquela época o rádio era o meio de comunicação que se tinha nas casas. Na sala de minha casa havia uma rádio vitrola na qual à sintonia das emissoras acrescentava-se a reprodução de discos de vinil. No dia do jogo reuniam-se algumas pessoas em torno do rádio, ouvindo a narração da partida. É clara na minha mente a imagem de minha mãe dizendo, após o gol de Ghiggia, que o Brasil ainda ganharia o jogo. Também inesquecíveis as faces das pessoas após o fim do jogo. Havia consternação. Aquele país atrasado perdera oportunidade única, coisa que a mim escapava na época. Mas, era a derrota.

Alguns anos tarde andava eu pela Rua São Bento, em São Paulo, em companhia de meu irmão. A certa altura ele parou e disse, apontando para um homem que atravessava a rua:

- É o Bauer. Veja como está moço.

Bauer já se aposentara do futebol. Fora o lateral da seleção brasileira no jogo contra o Uruguai. Estivera em campo naquela fatídica partida. Considerado o melhor jogador da Copa de 50 nem ele conseguira, ao lado de Jair, Zizinho e outros, evitar o grande debacle.

Os mais jovens não saberão o peso que a derrota de 50 teve sobre os brasileiros. Na Copa de 70, antes do jogo contra o Uruguai, assustava-nos o fantasma de 50. Felizmente vencemos e fomos campeões do mundo.

Haverá um tempo em que o jogo de 50 terá sido esquecido. Então, o fantasma da Copa perdida enfim poderá descansar em paz. A lembrança daquele Brasil governado por Dutra resistirá apenas nos manuais de história. Talvez, então, as lágrimas e a tristeza que torturaram milhões de brasileiros se apaguem para sempre. Restarão, contudo, as imagens de desespero cravadas nas faces daqueles que foram ao Maracanã para ver um Brasil campeão. Ainda poderão ser vistas nos filmes sobre a nossa gente.