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Viera visitar a filha e o genro e não gostara da cidade onde moravam. “Cidade pequena”; “Aqui não tem mulher de aluguer, como pode isso?”

Homem simples, falava “aluguer” mesmo, carregando no “r”.

Reclamava do médico que o operara. Cirurgião gástrico. “Tirou tudo da minha barriga, me deixou oco por dentro”.

À noite podia ser visto vagando nas poucas ruas da cidade. Ansiava por encontrar alguma de saia que acalmasse seu apetite sexual. Busca infrutífera tornava à casa do genro e continuava a reclamar da falta de mulheres. A filha, paciente, o reprimia com alguma doçura. O pai era velho. Mania de velho. Mania de velho viúvo. Era o tempo em que se podia ser velho sem culpa e falar o que viesse na boca.

O velho trabalhara a vida toda numa fábrica. O empresário construíra uma cidadezinha de casas iguais nas quais moravam os funcionários da fábrica. Dava-lhes moradia gratuita, pagava salários em dia e produzia bastante.

Foi numa dessas casinhas iguais que o velho fizera a festa do casamento da filha. Na igrejinha o padre realizara a cerimônia, abençoara o casal. Depois a festa na casa do pai da noiva. Festa simples. Festa pobre. O pai da noiva - o velho - colocara no quintal um moedor de cana. Dali saia a garapa, única bebida servida na festa.

Mas, o tal cirurgião gástrico que deixara o velho oco por dentro, na verdade não tirara tudo. Tanto que, depois, o câncer progrediu. O velho reclamava de dores na barriga, dizia que o médico não fizera direito o serviço nele.

O velório foi simples. Também diferente. As pessoas não choravam, sorriam. Vez ou outra alguém se lembrava de “alguma” do velho e os presentes chegavam a rir.

Mais tarde a filha dizia: meu pai morreu feliz.

Escrito por Ayrton Marcondes

27 dezembro, 2016 às 5:17 pm

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