A água que falta at Blog Ayrton Marcondes

A água que falta

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A verdade é que muita gente só se dá conta da possibilidade de faltar água no dia em que abre a torneira e nenhuma gota cai na pia. A água passa como componente natural da vida diária sobre o qual não se presta a devida atenção. Água é para ser utilizada em diferentes fins e ponto final. De onde ela vem, se reservatórios estão cheios, enfim toda a problemática envolvendo o consumo de água parece não ser assunto da pessoa que abre o registro do chuveiro para o deliciosos e reparador banho de cada dia.

Dirão que nem todo mundo é assim. Verdade. De minha parte confesso que só me dei conta do real valor da água muitos anos atrás quando me internei no sertão da Bahia. Depois de passar por Euclides da Cunha (antiga Cumbe) viajei durante dias pelas ermas estradas do sertão em direção a Canudos. Naqueles lugares água é um luxo que vale ouro. Leitos secos de rios, a caatinga e um sol inclemente a brilhar num céu permanentemente sem nuvens compõem o cenário de uma trágica situação na qual a vida se processa quase sem nenhuma água. Lugarejos nos quais a água é trazida uma vez por semana em caminhões pipas e gente daqueles ermos caminhando longas distâncias para encher seus vasilhames são cenas às quais nossos olhos perdidos em imagens de cidades não estão habituados. Ali a pobreza é extrema, o calor absurdo e a miséria um fardo retratado nas faces de toda gente.

Lembro-me de um lugarejo de não mais que umas trinta casas no qual um menino foi mandado procurar pelo pai e o fez buscando no chão sinais dos pés dele. Acontece que como nunca chove os trajetos das pessoas ficam impressos no chão, sendo possível refazer através das pegadas o caminho percorrido por elas. No mesmo lugar vi uma menina de uns 12 anos, rosto bonito, mas que provavelmente não teria ainda conhecido o banho porque nas condições em que vivia toda água servia apenas para sobrevivência.

Desde a época em que estive no sertão baiano eu me converti num avarento em relação ao consumo de água. Lembro-me bem de que nos primeiros dias, após voltar à casa, eu me sentia mal ao abrir a torneira e deixar o precioso líquido jorrar livremente. Parecia-me aquilo traição a meus semelhantes que viviam em condições tão sub-humanas. Com o tempo quase voltei ao normal. Digo “quase” porque depois daquela experiência sempre faço o possível para economizar água.

É com apreensão que estamos vivendo um prolongado período de seca na região sudeste no país. As poucas chuvas têm resultado no crescente esgotamento de recursos hídricos. Leitos secos de rios e reservatórios com suas capacidades reduzidas ao mínimo têm motivado pedidos das autoridades para que a população economize água.  Críticas à imprevidência dos governantes em relação a investimentos no setor de abastecimento de água aparecem diariamente nos meios de comunicação.

Entretanto, faz-se necessária uma campanha maciça que realmente conscientize o universo de consumidores. O momento político que atravessamos no qual se aproximam as eleições infelizmente não parece propício a levar em frente temas que possam resultar em perda de votos. Mas, a crise da falta de água está em andamento. Espera-se que as chuvas tornem a acontecer em ritmo suficiente para regularizar o abastecimento. Enquanto isso não acontece vai-se operando uma política de arranjos, não se excluindo disfarces para não alarmar o povo. Até quando?



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