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O Sassafrás

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Ainda hoje me lembro da rua com aquela gente toda num ir e vir sem remédio. As pessoas simplesmente vagavam, sem compromisso, talvez bestificadas. Há pouco acontecera fato incomum: um homem baleara um rapaz que fora surpreendê-lo em ato proibido. Comentava-se que não fora aquela a primeira vez que o rapaz se embrenhara na mata atrás do homem. Por fim recebera o esperado. Ensanguentado, percorrera como pudera o trajeto de volta e caíra na praça defronte a igreja.

A notícia do tiro que atingira o rapaz correra do começo ao fim da rua e tornara do fim ao começo. Noitinha, as pessoas que haviam se recolhido às suas casas reabriram suas portas e voltaram à rua.  O trança-trança de gente indo e vindo, tentando recuperar fragmentos de uma história inacabada mantinha aceso o frêmito da desordem que se instalara.

Perto das oito da noite o subdelegado enfim conseguiu que a telefonista completasse a ligação para o delegado da cidade próxima. Não se passara uma hora depois disso e um jipe da polícia, recém-chegado, estacionava na rua de chão de terra.

O primeiro que desceu foi o delegado. Atrás dele veio um homem grande, muito forte e com cara de poucos amigos. Depois se soube o nome dele: era o Sassafrás.

O Sassafrás era conhecido na região pela valentia. Dele dizia-se ser capaz de enfrentar qualquer um, em qualquer situação, no braço ou com qualquer arma. Sassafrás não negava fogo, não conhecia o medo. Fora ele quem buscara aquele terrível Tião, devedor de muitas mortes, procurado em três estados. Surpreendera o Tião numa venda de beira de estrada, tomando um trago com dois capangas. Tião, liso no trato do revólver, viu quando o Sassafrás entrou na venda e buscou pela arma na cintura. Não chegou a apertar o gatilho porque num segundo o Sassafrás estava em cima dele. Os capangas fugiram porque cachorro pequeno não entra em briga de cachorro grande. No fim deu o Sassafrás que amarrou bem o Tião e o levou preso.

Era de ser ver aquele Sassafrás varrendo cada centímetro da rua com seus olhos espertos. Viu um a um dos transeuntes, mediu cada um. No bar da sinuca perguntou por um valentão do lugar de cuja fama tivera notícia. Queria ombrear-se com ele porque não conhecia medo de homem.

Não sei dizer com exatidão como tudo aquilo terminou. Soubemos depois que o valentão do lugar esgueirara-se quando soube que o famoso Sassafrás viera com o delegado. Quanto ao homem que atirou no rapaz aconteceu de ele esconder-se por uns dias até ser encontrado e preso. O rapaz? Ah, ele sobreviveu até a semana passada, cinquenta anos depois daquela noite em que levou o tiro, a mesma noite na qual conheci o terrível Sassafrás e o vi em ação.

Escrito por Ayrton Marcondes

14 setembro, 2014 às 8:38 pm

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Postado em Cotidiano

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