2016 março at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para março, 2016

O mouse

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Jornalistas conversam na TV sobre a importância da tecnologia em suas atividades. Um deles relembra seus tempos de repórter. Conta que numa passeata tinha que correr ao orelhão para dar notícias, daí perder o passo dos manifestantes que avançavam. Depois passam a comentar o surgimento da internet e o advento do celular. Agora vivem conectados o tempo todo porque a notícia não para. E se perguntam sobre o futuro, daqui a 10 anos, por exemplo. Se o Windows começou a ser utilizado só na década de 90…

Comecei na computação nos anos 80 com um CP-500. Era uma telinha verde que respondia a comandos do MS-DOS. Tentei aprender a linguagem BASIC para criar alguns programinhas. Acabei desistindo. No fundo o que me interessava era poder escrever textos no computador. Acho que foi no fim dos anos 80 que ouvi falar sobre o Windows, sistema operacional que permitiria área de trabalho com ícones. E sobre o mouse, uma ferramenta necessária para acionar os tais ícones. Tudo ininteligível na época dado de que não dispúnhamos de imagens para compreender bem.

Meu primeiro PC, já com Windows, tinha um processador de textos, o Wordstar, que já permitia acentuar palavras na tela. Verdade que para acentuar fossem necessárias articulações de alguns dedos em várias teclas gerando um comando. Conseguir um tio ou um acento agudo dava um trabalho danado. Pior: ficava bonitinho na tela, mas as impressoras matriciais não conversavam com o PC daí a impressão sair sem acentuação.

Depois veio o Word da Microsoft. Comprei a primeira versão comercializada no Brasil. O problema continuou sendo a impressão acentuada. As impressoras eram poucas e caras. Em vão liguei para a Microsoft solicitando o tal “driver” que estabeleceria a ligação correta entre o PC e a impressora. Em vão, mesmo.

Hoje vejo crianças mexendo em teclados com a maior naturalidade. Aliás, o mundo parece a eles absolutamente natural. Os meninos de minha família, 4 anos de idade, ligam a TV no Netflix com a maior naturalidade. Ligam eles mesmos para a minha casa, discando o número do meu telefone no celular dos pais.

Tudo muito bonito. Mas, sem a emoção que senti, por exemplo, ao ler nos idos sobre algo muito estranho, chamado mouse, que se tornaria uma excelente ferramenta auxiliar no uso de nossos computadores.

Escrito por Ayrton Marcondes

11 março, 2016 às 1:26 pm

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Assassinatos

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Dizia o velho Tunga que bala de revólver iguala ricos e pobres, brancos e negros, enfim toda e qualquer categoria humana. Bala de revólver não respeita a pele de ninguém - completava o velho.

Todo mundo sabe disso. Ainda assim assassinatos, por mais rotineiros que tenham se tornado, impressionam. A estranheza da morte abrupta, provocada, inesperada, incomoda. Como é possível alguém ter a coragem de interromper a trajetória de vida de um seu semelhante? Será possível que o rapaz que tira a vida de alguém, aleatoriamente escolhido, num semáforo não venha a sentir nenhum arrependimento pelo seu terrível ato? Como se comportará o seu pensamento no momento em que repousar a cabeça no travesseiro e repassar as ações que terá praticado durante o dia, inclusive aquela em que disparou seu revólver contra um desconhecido, matando-o? Parecerá a ele absolutamente natural o ato hediondo a ponto de propor-se a repeti-lo seguidamente em busca de bens suprimidos ao acaso tais como um relógio, uma bolsa, um anel ou sabe-se lá o quê?

E quanto ao homem que se levantou naquela manhã, barbeou-se, vestiu-se e saiu de casa sem nem por um instante imaginar que em pouco chegaria a sua vez, a terrível e inesperada vez na qual sua vida seria suprimida por um desconhecido cuja trajetória se cruzaria com a dele por puro acaso?

Melhor nem pensar e ater-se aos fatos. Um homem de 75 anos, autor de 27 livros traduzidos em vários idiomas, diretor-presidente de uma grande editora, professor de Teologia Moral e Bioética, conferencista conhecido no Brasil e no exterior, licenciado em Lyon e doutorado em Roma, professor licenciado na Universidade Católica de Lisboa e na Universidade de Berkeley, um homem extremante produtivo. Ia ele em direção ao Rio de Janeiro quando o carro em que viajava foi abordado por dois bandidos e um deles disparou o tiro que roubou a sua vida.

Chamava-se Antônio Moser, dirigia a Editora Vozes, era frade e fazia o trajeto entre Petrópolis e o Rio.

A entropia cresce

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Em termodinâmica a palavra entropia refere-se ao nível de desordem das partículas de um sistema. Quanto maior a desordem de um sistema maior a entropia.

Não sei se é correto usar-se o termo “entropia” relacionando-o com fenômenos de natureza social. Usa-se no meio empresarial. Entretanto, outra imagem não me vem à cabeça quando observo o nível crescente de confusão - leia-se desordem – hoje imperante nos altos níveis políticos e econômicos do país. As partículas dentro de um sistema fechado, chocando-se aleatoriamente, desgovernadas, fazem lembrar o descontrole de ações, pronunciamentos e desmentidos, acusações e defesas enfáticas, verdades e mentiras, enfim toda a turbulência que a nave chamada Brasil enfrenta já a um bom tempo.

A cada manhã depara-se com um noticiário assustador no qual se destacam afirmações controversas, ficando o cidadão comum a se perguntar no que e em quem acreditar, afinal. Polariza-se a opinião e embates perigosos são previstos. A entropia cresce.

Não se conhece o fim dessa história. À deriva ficam os milhões de brasileiros que dependem de medidas corretas, de banimento da corrupção e do cala a boca de falastrões que fazem uso do populismo para acrescentar mais desordem ao já combalido sistema.

Tempos difíceis esses que, no futuro, o melhor é que venham a ser esquecidos.

Sem assunto

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Tantos assuntos que não dá vontade de escrever sobre nenhum. Alguém sugere discussão sobre política numa sala onde está gente pró e contra o governo. Mas que governo? - pergunta um baixinho. A provocação não surte efeito. Os “contra” não se manifestam. Parecem cansados. Todo mundo está cansado. Ninguém parece aguentar mais o desgoverno do país e a crise que a cada dia se escancara pior.

De modo que pulo para o caso do avião da Malasia Airlines que desapareceu há cerca de dois anos com mais de 200 pessoas a bordo. Ninguém sabe o que aconteceu com o avião que sumiu sem deixar rastros. Até hoje as buscas têm se mostrado infrutíferas. Famílias dos passageiros preparam-se para processar a companhia aérea porque querem explicações. Mas, o avião despareceu. Vez ou outra são encontradas no mar pedaços de aeronaves e suspeita-se que algumas delas possam ter pertencido ao avião sumido. Mas, até agora nada de concreto.

Dias atrás assisti a um filme muito ruim sobre acidente aéreo. Daqueles filmes que a toda hora tem-se vontade de parar de ver, mas vai-se continuando na expectativa de que melhore. O fato é que no fim das contas os passageiros estão mortos, mas simplesmente não sabem disso e continuam interagindo dentro do avião.  Então penso naquela turma dentro do avião da Malasia que de repente foi vitimada por algo que não se sabe exatamente o quê. Para onde foram? Já ouvi que talvez tenha sido a ação de alienígenas que teriam sequestrado o avião. Bobagem, mas enquanto não se tem explicação sobre o desaparecimento…

Também se fala sobre os 100 anos do naufrágio de um navio perto de Ilhabela. O “Príncipe de Astúrias afundou na costa brasileira e consta que trazia a bordo verdadeiro tesouro. Morreu muita gente e o ouro e dinheiros nunca foram encontrados. Há quem diga que o capitão do navio retirou o tesouro na véspera. Quem sabe a fortuna não foi enterrada em algum lugar… O mistério permanece e encanta.

O fato é que nossa curiosidade não suporta cosias mal explicadas. A todo custo queremos saber o que terá acontecido com o avião desparecido e o tesouro do Astúrias. Boas explicações contribuem para o sossego dos nossos sonos e bons sonhos.

A curiosidade humana é imensa. Ainda bem.

A delação

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Assisti ao filme “Trumbo” e me impressionei com a cena na qual o grande ator Edward G. Robinson delatou seus amigos da indústria cinematográfica ao Comitê de Atividades Antiamericanas. Era a transição dos anos 40 para os 50 do século passado. Terminada a Segunda Guerra Mundial iniciara-se a Guerra Fria. Nos EUA cresceu a paranoia da infiltração do comunismo e comunistas passaram a ser perseguidos. O senador Eugene McCarthy liderou a caça aos comunistas que, delatados, eram submetidos a interrogatórios diante da Comissão.

Dalton Trumbo foi um roteirista de cinema, conhecido como um dos 10 amais de Hollywood.   Brilhante e extremamente produtivo era, também, comunista. Em seu interrogatório negou-se a responder quando questionado e acabou condenado à prisão. Quando saiu, sem emprego, acabou escrevendo roteiros para um pequeno produtor de filmes B. Mas, fez, também bons roteiros. Ganhou dois prêmios Oscar que não pode receber porque usara pseudônimos: ninguém se arriscaria a colocar o nome de Trumbo nos filmes daquela época.

Trumbo já estava preso quando Edward G. Robinson entregou o seu nome durante interrogatório da Comissão. Mais tarde Robinson diria a Trumbo que precisava trabalhar e ninguém dava a ele emprego pela sua proximidade com comunistas. Demais - disse Robinson – a Comissão já dispunha dos nomes por ele citados.

Hoje divulga-se que o senador Delcídio Amaral optou pela delação premiada. O senador foi preso por ter proposto a fuga de Nestor Cerveró, via Paraguai, para fugir à operação Lava Jato. A delação de Delcídio estarrece e movimenta o mundo político do país. Por que um senador até a pouco líder do governo, ligado ao primeiro escalão e ciente de tudo o que se passa no âmbito político do país decidiu-se a entregar seus companheiros? Por que atingir até mesmo a presidente da República e o ex-presidente Lula?

Eis aí um caso no qual o envolvido vê-se entre se calar ou salvar a própria pele. Para o senador calar-se representaria assumir sozinho culpas que provavelmente entende nãos serem só dele. A isso some-se a possibilidade de vir a ser condenado e amargar bom tempo na prisão. Por outro lado, aderir à delação premiada torna-se uma espécie de salvação dado o abrandamento de penas que lhe seriam impostas.

Em espécie as delações de Robinson e Delcídio se assemelham embora as variantes não sejam as mesmas. Robinson queria trabalhar, recuperar seu lugar de astro nas telas. Delcício optou por sobreviver a qualquer custo, ainda que contribuindo para diminuir ainda mais a confiança em nossos homens públicos.

O cheiro da morte

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Dirão que a morte não tem cheiro. Será? Pois, meu pai contava história de seus tempos de menino sobre o assunto. Na cidade do interior onde ele crescera havia um velho capaz de sentir o cheiro da morte.

Meu pai ilustrava o estranho fato. Contava que o velho morava num sitiozinho próximo. Dizia-se que no passado fora homem de posses. Casara-se com moça bonita e prendada e ficara imensamente feliz com a gravidez dela. Entretanto, a sorte lhe fora madrasta: a mulher e o filho morreram durante o parto difícil. Desde então desanimara. Passara a viver solitário e deixara perder a lavoura que, aliás, nunca mais replantara. Foi depois disso que se tornara capaz de sentir o cheiro da morte.

O velho era respeitado pelo seu estranho dom. Quando alguém da comunidade adoecia gravemente ele era chamado. Entrava ele na casa do doente e obedecia ao ritual de visitar todos os cômodos, deixando por último aquele em que repousava a pessoa que suscitara o chamado.

No derradeiro cômodo, junto ao leito, aspirava ao ar profundamente três vezes. Então saia da casa, meditava durante algum tempo e, só depois, compartilhava sua previsão: o doente faleceria em um, dois ou tantos dias.

O certo é que nunca errava. Tal fama granjeou que passou a ser chamado até em localidades vizinhas. Chegava a contrariar opiniões médicas como no caso de um rapaz dado como caso perdido e que ele anunciou que não morreria. Como sempre sua previsão se confirmou.

Certo dia o velho que cheirava a morte confidenciou a um vizinho que sentira o odor em sua própria casa. Como morava sozinho soube que iria morrer. Entretanto, estava bem de saúde e sua previsão da própria morte não se confirmou nos sete dias que previra.

Certo de que perdera seu singular dom, alegrara-se. Confessara ao vizinho que já não suportava a proximidade com a morte com a qual vivera ao longo dos anos. Entretanto, passado um mês desde que sentira o odor em sua casa o velho foi surpreendido por inesperado acidente. Voltava ao sítio em seu cavalo quando caiu da sela, ficando o pé preso ao estribo. Perdendo a consciência o cavalo seguiu naturalmente o seu curso, arrastando-o até a casa.

Encontraram-no desfigurado, imerso numa poça de sangue, ainda preso ao cavalo.

Meu pai contava essa história e sentenciava:

- Com a morte não se brinca.