2015 março at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para março, 2015

Do lado de lá

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Não adianta: palcos e tablados configuram a separação de dois mundos. Aqui você que pode ser ator, professor, palestrante, cantor ou seja lá o que for. Do lado de lá o público.

Essa entidade genericamente chamada de público nunca é igual. Mesmo que dia após dia sejam as mesmas pessoas, nos mesmos lugares. As pessoas mudam, sofrem pressões do cotidiano etc. O homem que riria amanhã de um piada talvez não ache graça nela hoje: questão de momento, disposição, reflexão.

Fiz inúmeras palestras e dei milhares de aulas. No tablado fazia o tipo mais irreverente, apelando para alguns comentários jocosos que serviam para amenizar a rudeza de assuntos necessariamente técnicos. Dava certo.

Acontecia, vez ou outra, algum incidente. Se há uma coisa que aprendi nessa atividade foi ter muito cuidado ao me dirigir a uma pessoa do público. Pode não dar certo. O sujeito pode ser um cara de maus bofes ou estar num dia daqueles.

Certa ocasião fazia eu palestra em faculdade do nordeste quando alguém me perguntou sobre o darwinismo. Pus-me a falar sobre Darwin e sua teoria sendo, de repente, interrompido por um homem que se ergueu do assento. Aos gritos ele me acusava de defender teoria absurda, contrária aos ensinamentos bíblicos. Dizendo-se um Testemunha de Jeová protestava ele por divulgar coisa tão indecente, utópica etc.

Ora, o homem de quem falo estava mesmo transtornado. Tanto que na medida em que gritava vinha na minha direção. Só escapei de alguns prováveis sopapos porque o homem foi a tempo contido.

Escrevo sobre isso porque li a opinião de atores sobre coisas que os atrapalham durante suas encenações. No geral todos reclamam do zunzum de conversas, barulhos ao ingerir comidas, movimentos de pessoas que se levantam para ir ao banheiro, toques de telefones etc.  Um dos atores confessou aceitar praticamente tudo, exceto alguém na primeira fila balançando as pernas.

Nunca me esqueci de uma japonesinha, minha aluna, que tinha o dom de me tirar do sério. Era ela uma bonequinha, bonita, interessante e tudo o mais. Acontecia, porém, ser viciada em chicletes de bola. Sentada na primeira fila eis que do nada tirava o maldito chiclete da bolsa e o metia na boca. Você não sabe como a menina sabia mascar aqueles chicletes. Ela tinha jeito para a coisa. Fazer bolas não fazia porque sabia que ia dar problema quando estourassem. Mas, quanto a mascar…

Nunca me esquecerei da boca - e dos dentes - da japonesinha que me roubava a concentração, obrigando-me a pedir que parasse com os chicletes. Tenho a impressão de que ela fazia aquilo de propósito, só para me irritar. Certa vez surpreendi sorrisos nas faces de colegas dela, divertindo-se com o meu agastamento.

Pois é, era uma japonesinha tão bonitinha, uma boneca.

Panelaço

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Ontem li Ferreira Gullar desculpando-se por tornar sempre ao assunto política brasileira. Justificava-se o poeta, dizendo ser impossível ignorar o que se passa no país.

Não dá mesmo. Você até pode fazer força para se alienar, mas aí para no posto para abastecer o carro, faz compras no supermercado, paga o plano de saúde e a escola do filho etc. A realidade bate à porta, melhor dizendo, no bolso. E garante-se que as coisas tendem a piorar e muito.

Enquanto isso a Lava Jato vai comendo pelas beiradas, correndo em direção ao centro. A tal lista do Janot deixou a classe política de joelhos. Um bando de acusados de se locupletar com propinas cedidas por empreiteiras teve seus nomes acolhidos no Supremo Tribunal Federal. Seguem-se, agora, os inquéritos.

Os acusados protestam. O vice-governador da Bahia produziu a seguinte pérola: “estou cagando e andando, no bom português, na cabeça desses cornos todos”. Depois desculpou-se da ofensa à sociedade. No fundo todo mundo está mesmo é tremendo. Ouvi no rádio que existem provas contundentes. No que vai dar só saberemos no futuro.

No momento ninguém fala bem do Brasil. Dá tristeza ver o que se publica sobre o país no exterior. Pintam o pior dos cenários. O escândalo da Petrobrás feriu fundo a credibilidade do governo e do país.

E o governo, atônito, se emprega em negar o tamanho da crise. Culpa a economia exterior e tudo o que puder ser apontado como fator desencadeante do que está aí. Enfim, não se assume.

Por tudo isso as pessoas protestaram ontem durante a fala da presidente na televisão. Panelaço. Viramos a Argentina.

O que assusta é a ausência de perspectiva. Não se acredita que da noite para o dia o trem volte aos trilhos. O Brasil exuberante encontra sua imagem algo deformado no espelho da história.

Vai passar, temos que acreditar.

De apresentações e shows

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Sinal de velhice ou não o fato é que vai-se perdendo aos poucos a paciência de comparecer a shows e apresentações. Hoje em dia me pelo de medo de estar presente em realizações como o “Rock in Rio”, o “Lollapalooza” etc.  Tempos atrás, numa das vindas de Paul MacCartney ao Brasil, estive para me abalar até o show dele num estádio. Fiquei a meio caminho. Mas, me arrependo de muitas coisas às quais deveria ter comparecido em geral descartas pala preguiça etc.

Bem, não é só preguiça. Também conta o desconforto e certas atitudes, digamos espaçosas demais, de parte do público. Certa vez fui a um clube/bar de jazz, em São Paulo, assistir a uma apresentação de John Pizzarelli. O cantor estava muito em voga naquele momento graças a uma regravação de músicas dos Beatles. Aconteceu que pessoas presentes passaram a acompanhar as músicas cantadas, batendo com talheres nos copos. Além do que o falatório era geral. Mas, o pior é que a parte superior da casa havia sido alugada para um encontro de executivos de uma empresa para quem o show musical não interessava. Então, a certa altura, o bom Pizzarelli avisou que passaria a cantar músicas para dançar e convidou os presentes a se comportarem como lhes aprouvesse. Foi assim. Fui embora.

Não vou ficar aqui botando o dedo na cara dos outros, reclamando. Quem sou eu primo? Mas, não é o que tantas vezes se passa no cinema? O casal sentado na fila de trás que conversa tão espontaneamente é mesmo um saco. Isso sem falar no barulho das pipocas e outras coisinhas que incomodam.

Muito bem, dirão que se trata de muita exigência. Pode até ser. Mas, por que em outros países o público se comporta de modo tão exemplar? Se você fizer algum barulho durante as apresentações no Village Vanguard, certamente será convidado a deixar o lugar. Tudo na boa paz.

Mas, há casos opostos. Falo sobre esse assunto porque li que o Moraes Moreia e o filho dele estrão se apresentando em São Paulo no fim de semana. Grande Moraes Moreira.  Nos anos 70 do século passado os Novos Baianos fizeram furor. Tanto que numa noite os membros do grupo, então pouco conhecidos, apresentaram-se no Teatro Municipal, em São Paulo.

Fiz parte da pequena plateia que compareceu ao espetáculo do Municipal. O diabo foi que aquela música jamais poderia ser adaptada o local onde foi apresentada. O som era de volume capaz de furar os tímpanos. De modo que as pessoas foram saindo, saindo…

Pelo jeito o dia é para falar sobre o que não deu certo. Pois termino dizendo que tive, ao longo da vida, a felicidade de assistir a apresentações memoráveis, tanto aqui como no exterior. Vi e ouvi de perto grandes nomes da música brasileira e expoentes do jazz. Pelo que digo a quem tem fôlego e saúde: compareçam a shows, vejam o que puderem porque a vida é uma só e o passado não tem volta.

Verdadeiras e falsas

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Ser brasileiro nunca foi fácil. Atribui-se a Tom Jobim a frase “o Brasil não é para iniciantes”. Não é mesmo. Afinal, como decidir de que lado estamos? O que é verdadeiro e o que é falso nessa montanha de notícias que nos chega diariamente? Quem é honesto e quem é corrupto nessa história toda? Devemos torcer pelos mocinhos ou pelos bandidos embora nunca saibamos ao certo quem é quem nesse roteiro de surpresas infindáveis?

Se os presidentes da Câmara e do Senado também estão na lista da Lava Jato em que devemos pensar? Não foi o presidente do Senado que ontem devolveu ao governo a Medida Provisória que geraria novos impostos sobre a folha de pagamento das empresas? Não foi ele que foi cumprimentado até por opositores pelo ato considerado de grande discernimento porque demonstrava a independência da Casa em relação ao governo? E ele, também, na Lava jato? Não é confuso?

E o tal juiz que bloqueou todos os bens do Eike Batista e foi flagrado dirigindo um carro de luxo do empresário? E o piano do empresário na casa do vizinho do juiz? Mas, não é que os juízes estão aí para fazer cumprir a lei? Como entender?

Que dizer do tal Zóio Verde bandido com patrimônio de 100 milhões que foi preso há alguns anos por homicídio e saiu por bom comportamento para não voltar à prisão? Que depois foi novamente preso e libertado por erro do Judiciário? O tal Zóio movimenta 50 toneladas de cocaína e desapareceu, sumiu, ninguém sabe para onde ele foi, dizem que está na Bolívia.  Como entender que o homem não ficou na cadeia?

E agora o Battisti que condenado a prisão perpétua na Itália vive livre e solto no Brasil dado que o então presidente Lula optou pela não extradição? E agora uma juíza manda deportar o condenado? Afinal é para ficar ou não?

Rapaz, que confusão. Enquanto isso continuamos a ensinar às crianças sobre o certo e o errado, bons modos etc. Chamamos a isso de educação. Mas, como será quando elas crescerem e se encontrarem com realidade que não bate com aquilo que aprenderam?

Pois é, estou confuso.

Festas de estudantes

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Um estudante de engenharia morreu em festa de alunos de universidade. O rapaz, cardíaco, participava de competição de consumo de doses de vodca. Ele bebeu 25 doses, sofreu infarto do miocárdio e faleceu. Outros participantes da prova estão internados, em coma.

25 doses de vodca (cada uma servida num copinho de café) é bebida suficiente para fazer estragos e mesmo causar mortes. Na competição o vencedor seria aquele capaz de beber mais e continuar em pé.

Bebedeiras de estudantes são comuns. A rapaziada se reúne e perde-se a noção de quantidades. Vai-se bebendo o que aparecer pela frente. Lembro-me de uma cervejada na qual o teste era conseguir ingerir goles de chope sem parar. O vencedor seria quem tomasse a maior quantidade de uma vez só. Até hoje não sei como consegui chegar em casa. Olhe que cheguei a tomar uns bons canecos dos grandes, mas nem de longe me aproximei dos recordes dos caras bons de copo.

Bebedeira é coisa que tem tudo pra não dar certo. Festas de estudantes quase sempre acabam gerando pelo menos uma notícia negativa. Lembram-se do estudante que despareceu numa festa e seu corpo foi encontrado, dias depois, numa lagoa? E os casos de estupro como o dessa universitária que agora se diz perseguida pelos colegas?

Mas, beber como se diz “faz parte”. Bebe-se muito na juventude, embora eu tenha conhecido colegas que não punham uma gota de álcool na boca. Não sei se ainda é assim, mas no tempo em que frequentei faculdade o problema era a qualidade da bebida. Bebia-se qualquer coisa. A agravante era que sendo um bando de “duros”, sem grana, consumia-se pinga que era bem baratinha. E conhaque. E cerveja.

No caso do rapaz que morreu e seus colegas em coma, imagino que tenham consumido vodcas baratas. Não sei se a qualidade da vodca teria influência no desfecho dos casos. O que sei por experiência própria é que bebida ruim significa grandes ressacas.

Sabe-se que o consumo de doses elevadas de bebidas destiladas como vodca e uísque podem causar danos ao músculo do coração. O fígado também é afetado, resultando em vômitos e mal-estar. Por isso, deve-se evitar consumo elevado de bebidas alcoólicas e sempre alterná-las com a ingestão de água e sucos.

Segundo dados o alcoolismo é a doença que mais mata no mundo. O álcool é a droga mais preferida dos brasileiros, estando ligado a efeitos sociais nocivos entre os quais se destacam os acidentes de trânsito.

A morte do estudante durante a competição por consumo de vodca infelizmente não é caso isolado.

Impressão ruim

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Tem gente que nos causa aflição, senão temor, em certos casos repulsa. Em geral não externamos os sentimentos diante de estranhos, ainda mais quando topamos om alguém que nossa causa impressão negativa.

Também existem aqueles com quem de cara não topamos, mas que com o passar do tempo se revelam ótimos parceiros. E os que com seu jeitinho angelical acabam se revelando gente de amargar.

Pois tenho um vizinho de quem não gosto porque o cara é de fato muito fechado. Ranzinza. Daqueles que não respondem ao bom dia no elevador. Dos que batem a porta do mezanino na cara da gente, obrigando-nos a tirar a chave do bolso para abri-la. Dos que entram no elevador e nem se dão conta de que você está junto dele para seguir junto. Enfim, um cara com jeito de poucos amigos a quem o melhor parece ser ignorar. Tanto que nas vezes em que cruzo com ele no prédio arranjo um jeitinho de me esquivar. Detalhe: somos vizinhos há alguns anos e nunca nos dissemos mais que meia palavra.

Entretanto, aconteceu-me estar no centro da cidade e envolver-me numa colisão de trânsito. Embora o motorista do carro que me abalroou claramente fosse culpado tentou safar-se acusando-me de má direção. E fazia isso a altos brados. Ora, eu trafegava na rua e ele estava de saída de um estacionamento. Saiu de repente, bateu na lateral do meu carro. Estaria ele certo?

Ocorre que o tal motorista era um rapaz com braços vigorosos, formados em academia. No esplendor de seus vinte e poucos anos constituía-se numa ameaça tal seu descontrole no momento em que saiu do carro. E logo veio na minha direção, dedo em riste, talvez pronto para me dar uns sopapos.

Não sei se você já passou por uma situação dessas na qual a sua desvantagem física é gritante. Obviamente reagi, dizendo que o erro fora dele etc. Ocorreu-me perguntar a ele se não teria seguro de carro tão novo pois o seguro resolveria tudo. Tudo em vão. A situação piorava, na verdade deteriorava a ponto de tornar-se agressão física.

Fui salvo por um anjo que surgiu do nada, defendendo-me. O anjo disse ao rapaz que presenciara a colisão e atestava culpa dele. Mais: o anjo era um cara grande, com cara de poucos amigos, fato que levou o tal fortinho a pensar duas vezes e recuar.

Sabe quem era o anjo? Então, o tal do meu vizinho.

No dia seguinte encontrei-me com ele no prédio e tentei ser educado, agradecendo-o pelo socorro. Ele não moveu nenhum músculo e mal pronunciou um “tudo bem”.

Bom sujeito, mas é assim, do jeito dele.