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Do lado de lá

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Não adianta: palcos e tablados configuram a separação de dois mundos. Aqui você que pode ser ator, professor, palestrante, cantor ou seja lá o que for. Do lado de lá o público.

Essa entidade genericamente chamada de público nunca é igual. Mesmo que dia após dia sejam as mesmas pessoas, nos mesmos lugares. As pessoas mudam, sofrem pressões do cotidiano etc. O homem que riria amanhã de um piada talvez não ache graça nela hoje: questão de momento, disposição, reflexão.

Fiz inúmeras palestras e dei milhares de aulas. No tablado fazia o tipo mais irreverente, apelando para alguns comentários jocosos que serviam para amenizar a rudeza de assuntos necessariamente técnicos. Dava certo.

Acontecia, vez ou outra, algum incidente. Se há uma coisa que aprendi nessa atividade foi ter muito cuidado ao me dirigir a uma pessoa do público. Pode não dar certo. O sujeito pode ser um cara de maus bofes ou estar num dia daqueles.

Certa ocasião fazia eu palestra em faculdade do nordeste quando alguém me perguntou sobre o darwinismo. Pus-me a falar sobre Darwin e sua teoria sendo, de repente, interrompido por um homem que se ergueu do assento. Aos gritos ele me acusava de defender teoria absurda, contrária aos ensinamentos bíblicos. Dizendo-se um Testemunha de Jeová protestava ele por divulgar coisa tão indecente, utópica etc.

Ora, o homem de quem falo estava mesmo transtornado. Tanto que na medida em que gritava vinha na minha direção. Só escapei de alguns prováveis sopapos porque o homem foi a tempo contido.

Escrevo sobre isso porque li a opinião de atores sobre coisas que os atrapalham durante suas encenações. No geral todos reclamam do zunzum de conversas, barulhos ao ingerir comidas, movimentos de pessoas que se levantam para ir ao banheiro, toques de telefones etc.  Um dos atores confessou aceitar praticamente tudo, exceto alguém na primeira fila balançando as pernas.

Nunca me esqueci de uma japonesinha, minha aluna, que tinha o dom de me tirar do sério. Era ela uma bonequinha, bonita, interessante e tudo o mais. Acontecia, porém, ser viciada em chicletes de bola. Sentada na primeira fila eis que do nada tirava o maldito chiclete da bolsa e o metia na boca. Você não sabe como a menina sabia mascar aqueles chicletes. Ela tinha jeito para a coisa. Fazer bolas não fazia porque sabia que ia dar problema quando estourassem. Mas, quanto a mascar…

Nunca me esquecerei da boca - e dos dentes - da japonesinha que me roubava a concentração, obrigando-me a pedir que parasse com os chicletes. Tenho a impressão de que ela fazia aquilo de propósito, só para me irritar. Certa vez surpreendi sorrisos nas faces de colegas dela, divertindo-se com o meu agastamento.

Pois é, era uma japonesinha tão bonitinha, uma boneca.