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Oswald de Andrade

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Se bem me lembro em outubro de 1964 os jornais publicaram notícia sobre Oswald de Andrade.  Eram então decorridos dez anos da morte do escritor. Não me esqueci disso porque na ocasião conversei com um tio sobre Oswald. Meu tio era homem ilustrado, conhecedor das matemáticas e jurista. Sobre Oswald ele foi taxativo:

- Foi um sujeito terrível.

Esse veredicto jamais saiu da minha cabeça e creio que balizou as minhas leituras sobre a obra de Oswald. De fato, sempre li – e reli - os livros de Oswald sob o prisma da iconoclastia, talvez emprestando a eles um significado ainda maior de revolta que o contido nas páginas. Rapazinho na época me fiz membro da antropofagia oswaldiana, acreditando na máxima de que o antropófago não se alimenta de seu semelhante para saciar a fome e sim para adquirir a força dele. Num Brasil governado pela ditadura que impôs silêncio ao povo a obra de Oswald surgia como válvula de escape a sonhos de protesto, pelo menos era assim que eu entendia boa parte do que lia.

Curiosamente, o primeiro livro que li de Oswald foi um de seus romances cujo título é “A Estrela do Absinto”. O enredo fala de um escultor que se apaixona por uma prostituta chamada Alma. O pano de fundo da trama envolve o embate entre o bem e o mal, o efeito do pecado na vida das personagens. Segundo o crítico Antônio Cândido observam-se no livro cenas bem feitas e intensidade emocional, embora a psicologia das personagens seja banalizada. Depois de “A Estrela do Absinto” travei contato com toda a obra de Oswald, sendo de minha preferência as “Memórias Sentimentais de João Miramar”.

Obviamente existe uma relação particular entre a obra de um escritor e um determinado leitor. Hoje em dia os livros de Oswald têm o condão de me devolverem parcelas da época em que os li avidamente. Através deles torna-se possível um recuo aos meus primórdios de leitura e à busca incansável de conteúdo que ainda hoje me empolga enquanto leitor de obras de literatura.

Oswald de Andrade morreu em 22 de outubro de 1954. Tinha 64 anos de idade e o enterro foi realizado no Cemitério da Consolação no dia seguinte, 23, um sábado. O poeta Menotti Del Picchia discursou à beira do túmulo onde repousa aquele que meu tio classificou como “um sujeito terrível”. O poeta Ledo Ivo ouviu do crítico Sábato Magaldi que apenas quinze pessoas compareceram ao enterro de Oswald. A edição da “Folha da Noite”, de 25/10/54, traz em primeira página duas fotos do enterro que dão a impressão de mais de quinze pessoas presentes.  De qualquer modo, na época Oswald vivia em grande ostracismo, situação oposta ao  grande reconhecimento que tem recebido depois  de sua morte.

A São Paulo que viu Oswald de Andrade ser enterrado era bem diferente da cidade de hoje, naquela época mais provinciana e menor. Lucas Nogueira Garcez era governador do Estado em fim de mandato, substituído que seria por Jânio Quadros no início de 1955. Nos cinemas Marlon Brando estrelava o filme “O Selvagem” e os grandes magazines da cidade eram a Clipper, o Mappin, A Mesbla e a Sears. Na rodada de domingo, 25, do Campeonato Paulista o Corinthians seguiu líder. Aliás, o Corinthians se tornaria o campeão nesse ano em que se comemorava o IV centenário da cidade de São Paulo.

Livros volumosos e pesados

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Não tenho certeza absoluta, mas creio que foi o Oswald de Andrade quem disse abominar livros com muitas páginas por que seriam obras de quem não tem mais o que fazer. A referência provavelmente era dirigida à gigantesca obra de Balzac que talvez não tivesse mesmo muitas outras obrigações que não a de escrevê-la. Consta que o grande escritor francês escrevia em sua cama e seus personagens se tornaram parte da família, como se fossem seres reais. Nas refeições em casa era comum um parente perguntar sobre a situação de tal e tal personagem dado que, como se sabe, na “Comédia Humana” as mesmas personagens aparecem em vários livros, tomando Balzac o cuidado de respeitar a idade delas e alterar para mais ou para menos a participação de cada uma em obras diferentes.

Sobre Oswald de Andrade também corre que recebeu, das mãos de João Guimarães Rosa, os originais de “Grande Sertão Veredas”. Oswald devolveu-os ao escritor na manhã seguinte, considerando-se verdadeiro prodígio que tenha lido tudo no espaço de uma noite, se é que isso realmente aconteceu.

Hoje em dia - não sei dizer e mais ou menos que antes – alunos de primeiro e segundo graus mostram, quase sem exceção, horror à leitura. Com tanta coisa para fazer somadas aos atrativos de filmes, games, comunidades sociais e tudo o mais, sentar-se a um canto para meter-se com as páginas de um livro parece ser um sacrifício e tanto. Pior, ainda, quando obrigados a ler obras que têm muitas páginas, os tais livros volumosos e pesados, tão assustadores.

Tem-se falado bastante sobre o fim do livro em papel e eu me pergunto, caso isso aconteça, se não será vencida a barreira da má impressão que causam os volumes grandes sobre leitores de ocasião.  Sendo tudo eletrônico e passando diretamente do e-book para os olhos, talvez uma nova forma de comunicação se estabeleça entre a geração que não gosta de ler e o texto dos livros. Seria algo como colocar um comprimido dentro de um pedaço de pão, para facilitar a deglutição.

Desde já deixo clara a minha talvez injustificável aversão a ler livros inteiros em qualquer tipo de mídia eletrônica. Cresci entre livros impressos em papel e pretendo morrer em meio a eles. Não sou contra e-books e desejo a quem se adaptar a eles o melhor dos proveitos. No meu caso trata-se de uma questão de tato, do mistério da página virada com o auxílio das mãos, talvez certa sensação da presença física do escritor aprisionado dentro das capas. A meu ver nada disso é possível quando se trata de mídias eletrônicas.

Mas, o fato é que na vida corrida que se leva hoje em dia os livros volumosos tornam-se mais difíceis de ler e digerir. Leio muita coisa, mas, tal como os alunos dos cursos básicos, dou preferência a obras menos volumosas cuja leitura se faz mais rapidamente. Por essa razão a minha leitura de dois livros que comecei não tem rendido lá grande coisa. Um deles chama-se “A Cultura do Romance”, coleção de ensaios organizada por Franco Moretti. Trata-se do primeiro volume de uma série de cinco, publicado pela COSACNAIF. O livro é de fato avantajado com as suas 1113 páginas as quais pretendo degustar devagarinho.

Outro livro que tenho em mãos, mas no qual avanço devagar, chama-se “As Benevolentes”, de autoria do escritor Jonathan Littell. Esse é um romance de quase 900 páginas, publicado pela ALFAGUARA. O enredo é interessantíssimo: um oficial nazista narra os acontecimentos ocorridos durante a Segunda Guerra. Trata-se do ponto de vista do carrasco, portanto. A premissa do oficial é a de que em épocas de guerra o cidadão perde dois direitos: o de viver e o de não matar:

“Ninguém pede a sua opinião. O homem no alto da vala comum, na maioria dos casos, não pediu para estar ali tanto quanto o homem deitado, morto ou moribundo, no fundo da mesma vala”.

Lógica perversa, mas que não deixa de ser interessante. Falarei mais sobre o livro quando terminar.