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A Night in Tunisia

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Aquele som de Dizzy Gillespie tocando trompete em “A Night in Tunisia” não me saiu da cabeça desde a primeira vez que ouvi. Talvez o que tenha me agradado de pronto tenha sido a fusão de ritmos – não identifiquei assim na época, mas pressenti – que estaria além dos trabalhos de boppers como Charlie Parker, Thelonius Monk e o próprio Gillespie. De qualquer modo o bebop - estilo musical baseado em virtuosismo instrumental, tempo mais rápido e muita improvisação – estava em voga desde os anos 40 e ouviam-se discos dos boppers naquele Brasil dos anos sessenta. O bebop era marcadamente diferente do estilo musical que o precedeu, o swing tocado pelas grandes orquestras. Desde então “A Night in Tunisia” tornou-se um dos “hits” mais famosos de autoria de Gillespie e até hoje faz parte do repertório de instrumentistas e cantores de jazz.

O que há de significativo em “A Night in Tunisia”, além de seu encanto natural, é a fusão da melodia do bebop com ritmos afro-cubanos. Existe algo e tribal e profundo que nos convida a uma imersão num universo onde passado e presente de fundem, permitindo toda sorte de alegorias. Quanto a mim tive a sorte de assistir a um show de Dizzy Gillespie, realizado em São Paulo, em 1978. De repente, São Paulo tornou-se, por alguns dias, centro musical do jazz dado que para a cidade vieram alguns dos principais jazzistas então em atividade. Foi um Festival realizado no Palácio das Convenções do Anhembi, todo ele inesquecível porque tivemos a oportunidade de ver de perto músicos como Gillespie, Zoot Sims, Milt Jackson, Chick Corea, Joel Farrel, Stan Getz, Ray Brown, George Duke, Al Jarreau, John McLaughlin, Benny Carter e muitos outros. Numa das noites Gillespie tocou a sua “A Night in Tunisia”, levando o público a verdadeiro delírio.

Escrever sobre o festival de 1978 é tarefa para críticos musicais, pesquisadores e memorialistas. Do que me lembro muito bem é da profusão de estilos musicais apresentados, desde o som de big-bands aos instrumentais de músicos brasileiros como Egberto Gismonti e Hermeto Paschoal. Mas, por algum motivo, aquele festival prensou-se em minha memória com o som de “A Night in Tunisia” soprada pelas bochechas infladas de Gillespie ao seu trompete.

Por outro lado, arquivei na memória o país Tunísia como algo musical, terra de colonização francesa sobre da qual, sinceramente, poucas informações retive. Há poucos anos um amigo falou-me sobre a Tunísia, país africano no qual ele pensava passar suas férias. Não sei se o meu amigo de fato foi à Tunísia, mas guardei a informação de que se tratava de lugar de paz, parada obrigatória de turistas europeus que lotam suas praias.

Parece que não é bem assim. Segundo a imprensa internacional existia na Tunísia uma espécie de acordo entre o governo e o povo: o governo garantia paz e serviços de qualidade em troca da aceitação de um regime controlador sob as vestes de democrático. Essa política, imposta pelo presidente Ben Ali, terminou ontem com uma rebelião que o fez fugir, deixando o poder. Isso pode parecer estranho num país cujo IDH é próximo ao do Brasil, a expectativa de vida é de 74 anos e os dados econômicos bastante favoráveis. Entretanto, o crescimento econômico contrasta com as dificuldades econômicas do povo e o fato da família da mulher de Ben Ali controlar vários ramos de negócios. A reportagem do jornal “El Pais” sobre a Tunísia começa com uma frase de Rim Ben Smail, catedrática da Universidade de Túnis (citada por Clóvis Rossi em artigo da “Filha de São Paulo): “Quando você compra um computador, um celular, um automóvel ou a pasta de dentes, esta comprando da família da mulher do presidente”. Foi a corrupção, portanto, o motor da revolta na Tunísia, país de futuro indefinido no momento, correndo-se até mesmo o risco de instalação de uma ditadura militar.

Mas, o melhor é deixar de lado a realidade e entregar-se ao som de “A Night in Tunisia”. Dizzy Gillespie morreu em 1993, mas sua música sobreviveu a ele, permitindo-nos experimentar uma maravilhosa noite na Tunísia, noite em que a lua que está sobre nós é a de sempre, mas nessa noite brilha mais, muito mais forte, porque estamos na Tunísia e Gillespie toca o seu trumpete.