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Livros emprestados

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livros2Não existe praga maior que a de não ter como negar o empréstimo de um livro a um amigo. O perigo começa quando o amigo que nos visita aproxima-se dos nossos livros. Ele observa os títulos na estante e, de repente, identifica uma obra interessante, talvez justamente aquela esgotada há alguns anos e que ele afirma estar procurando em sebos.

É com alegria que o amigo pega o livro e nos pergunta como o conseguimos, há quanto tempo o possuímos, que achamos de seu conteúdo e assim por diante. O final da conversa é o previsto, ele vai levar o livro para ler e devolverá logo, pois também não gostaria de se apartar de uma obra como aquela, mais que ninguém ele entende que livros não devem ser emprestados, excetuando-se casos excepcionais como justamente este ligado ao livro que ele agora tem nas mãos.

Você é o dono do livro e tem perfeita noção de que ele não é tão raro assim, com um pouco de esforço pode-se consegui-lo por aí. Por um momento se pergunta por que cedeu às exigências da sua mulher que não quis, de jeito nenhum, estantes com portas fechadas à chave. Mas de nada adianta lamentar-se, o livro já está com aquele verdadeiro explorador que é o seu amigo, um cara que garimpa obras na biblioteca dos outros, um atravessador, contrabandista de obras que não lhe pertencem, um sujeito que não merece consideração, pena que você não tenha coragem de dizer tudo isso e muito mais a ele.

É assim que o amigo se despede - uma das mãos apertando a sua, a outra segurando o livro - e sai pela porta sorrindo, levando aquele livro de que você gosta tanto e que talvez nunca mais retorne. Claro que daqui a um mês você vai cobrá-lo, pedirá o livro de volta; ele alegará que ainda não terminou de ler e o empréstimo poderá durar indefinidamente. Poderá até mesmo acontecer a pior entre as piores situações, talvez maior que a não devolução, que é o fato do livro voltar todo riscado, cheio de anotações estúpidas, inviabilizado para futuras leituras porque toda vez que você olhar para ele lá estarão os grifos insultuosos que o farão se lembrar do amigo e mais uma vez ter raiva dele.

Entretanto, existem pessoas que acreditam possuírem os livros poderes mágicos, o maior deles o de retornarem ao local de onde foram retirados como se entre eles e os seus proprietários houvesse algum tipo de vínculo. Caso isso seja verdade, é de se imaginar uma imensa população de livros desgarrados de seus proprietários originais, circulando por trilhas desconhecidas e enfrentando toda sorte de vicissitudes, até caírem outra vez nas mãos daqueles que primeiro os adquiriram.

Bem, simplesmente não é possível acreditar nessa história de livros atrás de seus donos embora eu mesmo tenha encontrado em um sebo, anos depois, um livro que me pertenceu e que foi levado por empréstimo por um desses tais amigos caras-de-pau. Nesse caso, a raiva foi ainda maior porque não só o cidadão levou o livro como não ficou com ele, passando-o para frente até que pude reencontrá-lo em meio a uma pilha de revistas velhas, capa suja e desbotada, mas com a minha assinatura no interior da contracapa. Era, sim, o meu pobre livrinho.

Existem outros casos de retorno de livros. Notícia divulgada ontem pela BBC Brasil dá-nos conta de que um britânico devolveu à biblioteca da cidade inglesa de Derby um livro que havia emprestado dela. A notícia seria normal se entre a data do empréstimo e a da devolução não tivessem decorrido apenas 46 anos. Na época do empréstimo o cidadão britânico tinha 10 anos de idade e pegou o livro para seu pai. Anos depois, após a morte do pai, encontrou o livro num sótão. A devolução ocorrida dias atrás foi possível porque a biblioteca de Derby anistiou as dívidas relativas a empréstimos atrasados. Foi assim que o cidadão britânico pode devolver o livro sem pagar multa, isso após ter-se passado um tempinho de 46 anos.

Embora esse curioso caso acontecido em Derby labore em favor da teoria do retorno dos livros, o melhor mesmo é tomar cuidado. O uso de estantes fechadas associado a chaves que desaparecem misteriosamente por ocasião de visitas pode prevenir situações indesejáveis. Há também quem recomende o uso de cães perigosos, acorrentados junto às estantes, toda vez que somos visitados por um amigo que gosta de livros e costuma pedi-los por empréstimo.

Guerra é guerra, vale tudo para se evitar o empréstimo de livros a amigos.

Escrito por Ayrton Marcondes

16 julho, 2009 às 8:41 am

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