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Biografias

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Foi aprovado na Câmara o projeto que permite a publicação de biografias sem o consentimento do biografado ou de seus familiares. Passa a ser permitida a divulgação de filmes e imagens além da publicação de livros sem que para isso seja necessária autorização do biografado. Para quem não se lembra, há algum tempo foi proibida a comercialização de uma biografia do cantor Roberto Carlos porque não fora autorizada por ele.

Dias atrás ouvi de uma senhora ponderações sobre o tipo de atração que o Facebook e o Instagram exercem sobre as pessoas. Na opinião dela as ferramentas sociais da internet proporcionam uma exposição pessoal perigosa, inclusive devido à possibilidade de acesso de marginais. Dizia-se ela se impressionada com a necessidade das pessoas em simplesmente aparecer. Senão - perguntava ela - por que publicar fotos pessoais, da família, de você mesmo fazendo coisas absolutamente sem importância, de você em viagens etc? Terminou dizendo que se as pessoas que se expõem nas redes sócias tivessem pendores literários, certamente se aventurariam em escrever autobiografias.

Nesta semana capa da Revista Veja - São Paulo traz uma foto do ex-jogador de futebol e atual comentarista da Rede Globo, o Casagrande. Ele acaba de publicar uma autobiografia onde revela detalhes sobre a sua imersão no vício de drogas e conta como sobreviveu a quatro overdoses. Embora se louve a possível intenção de transmitir a terrível experiência por que passou aos jovens, alertando-os sobre o perigo das drogas, é de se perguntar como e por que uma pessoa se submete a tal exposição pública. Coragem? Necessidade de exorcizar publicamente os fantasmas da alma? Sensação de dever explicações de vez que se trata de personalidade pública? Ou simples exibicionismo?

Obviamente, as perguntas anteriores só poderiam ser respondidas pelo ex-craque, sendo-nos impossível saber o tipo de motivação que o levou a publicar aquilo que está sendo chamado de sua “saída do inferno”.

Há muitos anos li a “Autobiografia Precoce” do poeta russo Eugene Evtuchenko. Naquela ocasião fiquei incomodado com o título. Afinal, por que precoce? Se o poeta tinha ainda muita vida pela frente por que explicar-se tão cedo? Obviamente, Evtuchenko tinha as suas razões, a entre elas os seus ataques contra o período stalinista.  Entendeu o poeta a necessidade de explicar a natureza de sua poesia. Tinha ele na época apenas 30 anos de idade daí sua autobiografia ser realmente precoce.

A literatura de alguns países conta com notáveis escritores de biografias. No Brasil não são muitos os biógrafos e a ver como as coisas se passarão daqui por diante, agora que se torna possível escrever sobre qualquer pessoa que se entenda deva ser biografada sem necessidade de autorizações.

José Lins do Rego

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Está no livro Gordos e Magros, de autoria do escritor José Lins do Rego Cavalcanti (1901-1957) e publicado em 1942 pela Casa do Estudante do Brasil, um ensaio no qual  o modernismo paulista é criticado. Antes de falar sobre o ensaio vale dizer um pouco sobre esse grande escritor nem sempre lembrado, mas que pertence ao rol dos grandes da literatura brasileira.

O Zélins, como o chamavam, formou junto com Jorge Amado e Graciliano Ramos, uma tríade de importantes escritores regionalistas da literatura brasileira. Seu primeiro romance, Menino de Engenho é obra de valor e inesquecível. Depois dele vieram quatro livros que juntamente com Menino de Engenho foram enfeixados pelo próprio autor sob o nome de Ciclo da Cana de Açúcar. São eles: Doidinho, Banguê, O Moleque Ricardo e Usina. Entre outros trabalhos de Zélins estão os romances Fogo Morto e Pedra Bonita.

Paraibano, polemista, flamenguista roxo e pessoa despojada, Zélins escreveu romances, ensaios, livros de viagem, crônicas, conferências etc. Seus trabalhos mereceram estudo de críticos importantes que neles destacaram, entre outras características, a alta expressão literária, a inventividade, o memorialismo, o poder de descrição, a sensibilidade e a grande técnica que embasa uma linguagem simples.

Quando ao modernismo, não há que se negar a importância da Semana de Arte Moderna, realizada em São Paulo no ano de 1922. Tornou-se ela marco divisório nas letras nacionais e desse modo tem sido entendida e ensinada nas escolas. Existe uma literatura antes da Semana e outra depois dela. O que não se diz ou não se ensina é que o movimento modernista, iniciado com a Semana de Arte Moderna, não foi uma unanimidade no país. Nesse sentido vale ouvir o que nos diz José Lins do Rego no ensaio Espécie de História da Literatura que integra a coletânea Gordos e Magros. Na verdade o ensaio é uma resposta ao escritor Sergio Milliet(1898-1966) em razão de uma crítica que ele publicou sobre o  então romance contemporâneo no Brasil. Segundo José Lins:

- o crítico Milliet considera que tudo o que há nas letras do Brasil procede de uma chamada Semana de Arte Moderna que meia dúzia de rapazes inteligentes e lidos em francês realizou em São Paulo com tiques e toda a mise-em-scêne com que Marinetti se exibira em palcos italianos, há 15 anos.

José Lins acrescenta que fora do eixo São Paulo-Rio, especificamente no Recife, a agitação modernista foi vista como “uma velharia, um desfrute, que o gênio de Oswald de Andrade inventara para divertir os seus ócios de milionário”.

Sobre o Macunaíma, de Mário de Andrade, diz José Lins:

- A língua de Mário de Andrade em Macunaíma nos parece tão arrevesada quanto a dos sonetos de Alberto de Oliveira … O livro de Mário de Andrade só foi bem entendido por estetas, por eruditos, e o seu herói é tão pouco humano e tão artificial quanto o boníssimo Peri de Alencar … Esse livro de Mário de Andrade é o mais cerebral que já se escreveu entre nós. Se não fosse o autor um grande poeta, seria o Macunaíma uma coisa morta, folha seca, mais um fichário de erudição ecológica do que um romance.

No mais José Lins defende a literatura nordestina chamando a atenção para o vigor e saúde dela que vêm das entranhas da terra e da alma do povo.

Não deixa de ser interessante a leitura dos ensaios que fazem parte de Gordos e Magros. Escritos por alguém não comprometido com o tom laudatório que em geral cerca autores e obras consagradas os ensaios muitas vezes oferecem pontos de vista discordantes da opinião geral dos críticos. De todo modo trata-se de uma leitura agradável que nos coloca em contato com uma mente poderosa e consciente de seu superior individualismo.

Não por acaso o escritor e poeta Ledo Ivo reafirmou, em palestra de 2001 proferida na Academia Brasileira de Letras, a posição de José Lins do Rego em relação ao modernismo:

José Lins do Rego é considerado um escritor modernista e um escritor moderno. Na minha opinião, este é um rótulo muito simples, e até falso, porque entendo que houve no Brasil dois modernismos: o modernismo de São Paulo e o modernismo do Recife.

O modernismo paulista, como todos sabem, ancorava-se numa aspiração de modernidade, de ruptura, de destruição do passado. Um modernismo contra o soneto, contra o verso medido e metrificado. Era o modernismo de uma sociedade que não tinha passado, num certo sentido. Mário de Andrade e Oswald de Andrade são exemplo típico dessa consciência. Era o modernismo da máquina, da pressa, da revolução arquitetônica.

No Nordeste ocorreu um outro modernismo, do qual José Lins do Rego é um dos grandes protagonistas. Este modernismo nordestino teve como seu grande ícone, seu grande guru, o escritor Gilberto Freyre, que voltando da Europa, em 1923, começou a falar, aos jovens escritores daquela região, de outros nomes e de outros sinais de modernidade. O modernismo nordestino se caracteriza pela tradição, pelo sentimento do passado e não por sua destruição, pela valorização da região, por uma descoberta e redescoberta do passado. Tanto é assim que ele deu dois livros fundamentais nesse sentido: Casa-grande & senzala de Gilberto Freyre e Menino de engenho de José Lins do Rego.

Os Blogs e o futuro da Literatura Brasileira

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blog1Está sendo realizada a quinta edição do Fórum das Letras de Ouro Preto. Numa das mesas reuniram-se críticos para discutir o papel a ser desempenhado pelo jornalismo cultural dado o avanço de uma atitude anti-intelectual que se esboça nos blogs. Tal atitude busca desautorizar o discurso da crítica de jornais e revistas.

Criticou-se a profusão de blogs, registrando-se verdadeira fobia deles à teoria literária. A facilidade de publicação, via internet, estaria provocando uma onda quase paranóica de autores criticamente despreparados, criando-se teorias conspiratórias contra a verdadeira crítica. Daí que em alguns anos a crítica desaparecerá e o resultado será uma avalanche de lançamentos medíocres. A boa e a má literatura se confundirão por falta de um juízo critico competente.

Essas considerações, publicadas na edição de 02/11/09 do jornal “O Estado de São Paulo” dão o que pensar. Em primeiro lugar elas pressupõem a existência no Brasil, nos dias atuais, de uma crítica atuante e militante, capaz de separar o trigo do joio, atenta aos movimentos culturais e apta a promover novos talentos. Nada mais falso. Sem demérito para poucos críticos que vez ou outra comparecem na mídia com análises mais profundas e embasadas de alguns lançamentos, não é possível reconhecer, atualmente no Brasil, um movimento crítico que possa ser caracterizado como tal. Além do que parte da crítica militante trancafiou-se nos redutos universitários e ocupa-se, principalmente, das obras de autores consagrados. Do que se depreende não ser possível a existência de um movimento consciente de blogueiros que busque desautorizar o discurso de uma crítica que na verdade é quase inexistente. Independe de tal crítica, portanto, pelo menos no estado atual de coisas, o bom ou mau encaminhamento da literatura no Brasil.

O segundo ponto a merecer atenção é o que diz respeito à proliferação de blogs, pelo visto perigosa e danosa à boa literatura. Não há como concordar com isso. Na verdade é salutar que muita gente se dedique aos blogs num país onde novos autores são obrigados a mendigar publicação de seus trabalhos em editoras que, como se sabe, dão preferência a obras traduzidas.  Será preciso também lembrar que, quando enfim publicados, os novos autores raramente merecem pelo menos duas linhas de crítica nos meios de comunicação? E o que acontece com os livros da maioria dos escritores brasileiros em termos de divulgação e distribuição de seus trabalhos?

Ao contrário do que pensam os intelectuais reunidos em Ouro Preto, os blogs são uma alternativa interessante para o desenvolvimento da literatura. Eles oferecem a muita gente a oportunidade de fazer-se ouvir. Eles cobram dos verdadeiros escritores coerência e estudo para que mantenham os seus leitores.

Dirão que os blogs , na maioria das vezes, disseminam muita porcaria e favorecem o emburrecimento do público. Os jornais e as revistas também, não? Não se aplica aí o princípio de que o que é bom permanece e o ruim acaba sendo descartado?  Que se pode dizer contra um movimento – o dos blogs - que alicia diariamente novos leitores ainda que nem sempre leiam “coisa boa”?

Falar-se em fobia à teoria literária pressupõe conhecimento dela. Os blogs de papo-furado não afrontam a literatura porque crescem à margem dela e seu público cativo pouco se dá a aspectos teóricos. Mas, diga-se, o que é novo não é necessariamente ruim, não derruba os castelos edificados pela intelectualidade. Daí que não existe o que temer.

Ao ler sobre as opiniões de críticos no Fórum de Ouro Preto lembrei-me daquele monge de “O Nome da Rosa” que escondia a sete chaves a segunda parte da “Poética” de Aristóteles. Não precisamos de guardiões da literatura por aqui: carecemos – e muito – de crítica atuante que se ocupe das obras de bons valores nacionais relegados ao esquecimento.

Baú de Ossos

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Baú de Ossos

“As malas vinham (da Europa) atochadas de encomendas feitas Au Bom Marché, de Paris. Primeiro vinham os catálogos cheios de figuras de botinas de senhoras, canotiers, espartilhos, chapéus para homens, capotes, roupas de toda sorte, agasalhos, brinquedos, blusas de mulher, gramofones, perfumes – tudo numerado e com o preço do lado. O catálogo era motivo de longos debates. Feitas as escolhas, mandado o dinheiro, dentro de mês, mês e meio, no máximo dois, o malão era entregue a domicílio. Não havia nenhum cerimonial na alfândega no nosso país facílimo. As chaves já tinham chegado pelo correio. Era só abrir e – que deslumbramento! Lembro bem da última, contendo um terno de casimira azul para meu Pai - que acabou recortado para mim e herdado depois por meu irmão José; aquele costume de veludo preto e minha Mãe, realçado por soutaches negros, mais os chapéu e os sapatos  para serem usados com ele…”

                                                                                                  Pedro Nava, Baú de Ossos, Ateliê Editorial, 1999

A primeira edição de “Baú de Ossos”, do médico e escritor Pedro Nava, é de 1972. “Bau de Ossos” é o primeiro de uma série de seis livros escritos por Nava após os sessenta anos de idade. Até então, Nava podia ser considerado escritor e poeta bissexto, escrevendo ocasionalmente enquanto se dedicava à reumatologia. Mas é a partir dos sessenta que o médico passa a escrever sua grande obra de memorialista que o situa como figura ímpar na literatura brasileira. Para Otto Maria Carpeaux, Nava é mais importante para a literatura brasileira que Marcel Proust para a literatura francesa.

“Baú de Ossos” é o relato fascinante das memórias de infância de Pedro Nava. O texto em epigrafe foi transcrito das páginas 338 e 339 da edição da Ateliê Editorial.  A narrativa sobre as compras e a chegada das malas refere-se a um acontecimento ocorrido por volta de 1915 quando Nava, então menino, morava no Rio de Janeiro.

Lembrei-me justamente dessa passagem hoje, ao receber uma das várias publicações que chegam às nossas casas com ofertas de produtos. Pode-se comprar de tudo pelo telefone ou via internet. Os produtos já não vêm da Europa, são muito diferentes e demoram no máximo cinco dias para chegar. Não mandamos o dinheiro: paga-se com cartão de crédito. Não se compram espartilhos que saíram de moda, os homens mais raramente usam chapéus, os gramofones foram substituídos por home theaters e assim por diante.

As coisas mudaram as pessoas não muito. Ainda olhamos com curiosidade os catálogos e muitas vezes nos esforçamos para reprimir o desejo de comprar algo que nos agrada. E se compramos, é com a mesma vivacidade e alegria das gentes do passado que aguardamos a sua chegada.

Depois que me lembrei do texto de Nava gastei um bom tempo para localizar as páginas sobre as compras de sua família na Europa, via catálogo. Foi como um recuo no passado, retorno a páginas lidas e esquecidas:  encontrei inúmeros nomes de pessoas conhecidas por Nava e citadas por ele. Não pude deixar de pensar que embora todas mortas, continuam vivas para sempre através da pena do memorialista. É possível a sobrevivência através da literatura.

Estava terminando esse texto quando fui interrompido pelo toque do telefone. Atendi e ouvi a voz de uma moça oferecendo-me a renovação da assinatura de uma revista. Tive vontade de perguntar a ela de que lugar estava ligando, se possível de que ano vinha a sua voz metálica.

Não cheguei a dizer grande coisa. Agradeci e desliguei pensando no que aconteceria se o correio me trouxesse um catálogo de Au Bom Marché, de Paris, com data de 1915. De preferência com direito, em caso de compras, à não cobrança de taxas alfandegárias.