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O ano em que o Brasil virou uma certeza

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- Tenho 50 anos, trabalho desde os 17. Quando comecei o Brasil era cotado como país de terceiro mundo. De lá pra cá muita coisa mudou. O país cresceu, hoje a economia é forte. Veja que atravessamos bem a última crise mundial. Tudo muito diferente daquela loucura de inflação, do descontrole, do tempo em que a dívida externa era o fantasma que assustava toda gente.

O homem pára, olha para o mar, toma um golezinho de aperitivo e continua:

- Olhe, eu não vou ver isso, mas o Brasil ainda vai ser país de primeiro mundo. Vamos chegar lá. Meu filho vai viver num lugar de primeiro mundo, meu netinho que tem só dois meses, esse então nem precisa dizer… Obra de quem? De muita gente. O Fernando Henrique colocou o país nos trilhos, estabeleceu as bases. O Lula faz bem a parte dele. Tem sorte, mas não é só isso não: ele é competente. Não adianta dizer que ele é analfabeto, etc. A competência dele está em ter colocado nos lugares certos gente que entende. Depois, foi só tomar conta dessa gente do governo. Mão forte para isso ele tem, não duvide. É como pedir para um sujeito como eu capitanear um navio. Se aceito? Claro que sim. Me dê aí o cara que toma conta das máquinas, os que cuidam do leme, os que definem a rota, enfim todo o pessoal necessário. Aí eu mando neles e o navio segue em frente. É por isso que digo: se o PSDB quiser ganhar a eleição não será criticando o Lula. Como em toda briga eles têm que atacar o ponto fraco do adversário que é impor outra pessoa que não seja o próprio Lula.

O homem se cala e eu o deixo com os olhos imersos na paisagem. Longe, o sol declina, lentamente, por entre nuvens, emprestando ao mar um colorido indescritível. As gaivotas que há pouco voavam tão perto, recolheram-se e, no céu, a Lua entre em combate com a presença já inoportuna do Sol porque anoitece.

Penso no Brasil da minha infância, nas esperanças de progresso e nas constantes decepções que tínhamos com o modo de evoluir das coisas. Tem razão o meu interlocutor ao dizer que não veremos, mas o Brasil será um país de primeiro mundo. Existe por aí afora, nos mais distantes rincões do país uma sensação nova, que já não é esperança, tornou-se certeza de que nada impedirá que o velho sonho de país desenvolvido enfim se concretize. Nesse sentido, 2009 pode ser entendido como o ano da virada, o ano em que o Brasil tornou-se uma certeza.

Resenha de domingo

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Nos domingos os jornais apresentam resenhas, destacando os principais assuntos da semana anterior. Há a intenção de reflexão sobre alguns temas como se a parada domingueira nos permitisse pensar menos apaixonadamente sobre coisas que nos chamaram a atenção durante a semana.

A mesma coisa acontece ao leitor. De repente ele se sente fora da agitação e, acomodado em seu lugar de descanso, aos seus olhos desfilam acontecimentos em que busca encontrar alguma lógica quando não algo que seja de consenso geral. Não adianta: somos dominados por certa necessidade de ordem que justifique o nosso empenho diário no que quer que seja. O caos não nos interessa na medida em que nossos esforços parecem inúteis e a própria vida pode figurar inútil. Nasce daí a necessidade de governo, de instituições confiáveis e de homens que nos representem com dignidade. Radicalismos e polarizações são até aceitáveis, mas dentro que um contexto maior no qual predominem variantes de interesse geral.

É seguindo premissas como essas que olhamos para os fatos recentemente acontecidos e a muito deles repudiamos. Logo de início nos deparamos com a interminável crise em Honduras e o fracasso da OEA em resolvê-la. Eis aí uma situação de caos inaceitável em que a polarização entre o presidente deposto – ainda hoje enfurnado na embaixada brasileira - e os golpistas afeta duramente as atividades do povo hondurenho. Trata-se de um caldeirão cujo conteúdo se aquece em fogo brando, mas que, a qualquer descuido, pode ferver e resultar em banho de sangue.

Na semana em que o presidente norte-americano Barak Obama recebeu o Prêmio Nobel da Paz – para muitos precoce - fala-se bastante sobre as realizações da Copa do Mundo de 2014 no Brasil e a das Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro. Corre por aí, principalmente nos meios governamentais, a euforia do tipo país vencedor, país que dá certo, país que conquista o seu lugar entre as nações do mundo. Há quem condene o ufanismo e aponte os gastos milionários necessários para a realização dos dois eventos como grande desperdício num país onde, para falar o mínimo, a educação, a saúde e a pobreza estão no pé em que estão. Mas o mundo é dos ricos e mesmo os pobres que ascendem a postos regularmente ocupados pelas gentes de dinheiro se esquecem das passadas misérias.

Passa por retrógrado aquele que se posiciona contra a realização de eventos de repercussão mundial e que de fato atrairão a atenção do mundo sobre o país. Há uma frase que vem ganhando corpo para justificar os empreendimentos em questão: é preciso pensar grande.

Assuntos como esses voltam no domingo. Também voltam as notícias sobre o aumento brutal no número de motocicletas que circulam nas ruas e a falta completa de respeito dos motoqueiros aos pedestres, daí os atropelamentos; voltam notícias sobre crimes bárbaros como a chacina em Curitiba no qual um grupo de rapazes, por motivos fúteis, matou sete pessoas, entre elas um bebê; volta o pré-sal cercado por atitudes que sugerem corrupção; volta a sucessão presidencial e o esforço do governo para emprestar sentido eleitoreiro a cada avanço do país; volta a formidável crise do ENEM cuja prova adiada interferiu nos sonhos e destinos de milhares de jovens…

Notícias boas? Juro que existem. Durante a semana um gerente de banco me perguntou como eu via o país de hoje em relação ao de décadas passadas. Respondi com alegria que as coisas melhoraram muito, que ele pensasse nos anos em que a inflação mensal chegava a 80%, na tal dívida do FMI que afogava o país, na ditadura, na repressão e tortura, na restrição à liberdade de imprensa, nas crises do petróleo, no plano Collor, nos fiscais do Sarney, nas prateleiras vazias dos supermercados, no overnight e em tanta coisa que felizmente se tornou passado.

O gerente, muito moço, me olhou desconfiado. Progredimos muito, sim – eu disse. Acrescentei que, bem ou mal, isso foi obra de muita gente, de muitos governos e, principalmente, do esforço da população, com erros, acertos e até mesmo a corrupção de sempre. Aliás - completei - é bom lembrar-se disso porque nos dias de hoje o que se diz é que tudo aconteceu de repente, talvez até o descobrimento do Brasil por Cabral tenha sido negociado com o governo.

Arre!